Capítulo 28 - Dia 1 II
Após o discurso do Major Weber, Evelyn foi apresentada ao seu esquadrão. O nome oficial era “Esquadrão 14”, uma das subdivisões de infantaria montada dentro da companhia. Quem iria comandá-los nas missões e treinos era o sargento Nowak — um homem de expressão cansada, olhar rígido e o tipo de voz que parecia já ter passado por muitas noites sem dormir.
— Vocês têm até o fim do dia pra saberem os nomes uns dos outros. Não quero ninguém morrendo sem saber quem tá do lado. — foi a primeira ordem que ele deu ao grupo.
O primeiro exercício do dia foi um aquecimento. Uma marcha acelerada ao redor do campo. Nada muito intenso, pelo menos para soldados minimamente preparados. Mas Evelyn não era uma dessas pessoas. Suas pernas queimavam antes mesmo da metade da distância. Ainda assim, ela se forçou a manter o ritmo. Se forçou a continuar. Não ia deixar ninguém perceber que estava à beira de um desmaio.
O segundo exercício foram alongamentos. Isso ela fez com facilidade. A flexibilidade natural do corpo da elfa até causou alguns olhares surpresos de canto.
Mas, infelizmente, a trégua não durou muito. Logo vieram os exercícios pesados. Flexões. Abdominais. Agachamentos. Subida de corda. Evelyn foi um desastre na maioria deles.
Nas flexões, demorou o dobro do tempo dos outros. Nas abdominais, mal conseguia manter o ritmo. Nos agachamentos, suas pernas tremeram na metade da contagem. A única exceção foi a subida de corda, onde, surpreendentemente, ela conseguiu um desempenho mediano, ficando em quarto lugar.
Ainda assim, ela era claramente a mais fraca de todos. Cada falha fazia o rosto dela queimar de vergonha. Ela sentia os olhares de lado. Alguns eram de pena, outros de deboche. E o silêncio dos colegas parecia mais cruel que qualquer xingamento.
“Se eu quero sobreviver aqui… preciso mudar isso. Preciso ficar mais forte. Preciso ganhar resistência. Não importa como…”, pensou ela, mordendo o lábio com força ao final do exercício.
Os exercícios seguiram com uma nova atividade: corridas intensas carregando sacos de areia nas costas. Três voltas. Três derrotas para ela. Na última volta, Evelyn chegou tão atrás que já não havia mais ninguém no percurso. Correu sozinha, com o peso esmagando os ombros, enquanto os outros soldados já descansavam do lado. Quando ela terminou, caiu de joelhos na poeira, sentindo as pernas falharem. Mas mesmo assim ela terminou.
O tempo seguiu. Horas se passaram. Mais exercícios. Mais resistência. Mais falhas. Mas Evelyn seguiu. Sempre de pé. Sempre tentando.
Foi só quando o sargento Nowak gritou uma nova ordem que o dia mudou de tom.
— QUATORZE! PRO ESTÁBULO! AGORA!
O esquadrão inteiro marchou até o setor leste da base, onde os estábulos da cavalaria estavam localizados, um lugar com mais árvores do que onde começaram o dia, o que fazia o local ter sombras agradáveis. O cheiro de feno e pelo de cavalo dominava o ar. Alguns animais pastavam preguiçosamente enquanto outros estavam sendo selados. Ao ver as dezenas de equinos alinhados, Evelyn arregalou os olhos.
— Cavalos? — murmurou ela, sem pensar.
— Exatamente, recruta. — respondeu Nowak, ouvindo o comentário. — Bem-vinda à Cavalaria de Kyndral. Vocês vão pra linha de frente. E linha de frente significa combate montado.
A elfa sentiu um calafrio. Por algum motivo, tinha imaginado que faria missões menos intensas, de patrulha, talvez reconhecimento, mas lutar diretamente na linha de frente? No meio de uma carga militar? Não. Ela engoliu seco. As mãos suaram de leve.
— Isso te assusta, soldado? — perguntou Nowak, com uma sobrancelha levantada.
— Nem um pouco, senhor. — respondeu ela com um sorriso desafiador. — Só tô ansiosa pra poder matar mais lieuwirkianos. Só isso.
Do fundo do grupo, um dos soldados riu alto.
— Boa sorte com esse seu plano, mascote! — zombou Otto, um dos recrutas mais barulhentos.
Evelyn apenas lançou um olhar afiado. Queria responder a provocação, mas se segurou.
O treinamento seguiu. E, pela primeira vez naquele dia, Evelyn surpreendeu o esquadrão inteiro. Ela montou com facilidade. Controlou o cavalo como se já tivesse feito aquilo antes. Fez curvas precisas. Conduziu o animal entre os obstáculos improvisados com mais equilíbrio que todos os homens ali.
Ao final do treino de equitação, o sol já estava no ponto mais alto no céu. O meio-dia chegou. E com ele, o horário do almoço. O Esquadrão Quatorze seguiu rumo ao refeitório. A ordem do sargento era clara: comeriam todos juntos, como forma de criar laços de equipe.
Na fila do refeitório — uma cabana fechada com dezenas de mesas enfileiradas —, Evelyn mal prestava atenção nos pratos. A cabeça girava em um só pensamento: “Preciso treinar mais. Preciso melhorar. Se eu não me fortalecer… vou ser um peso morto.”
Com uma bandeja em mãos — ensopado de carne, pão duro e uma caneca de água —, ela andou em direção à mesa onde o restante do esquadrão já se sentava.
Enquanto andava, percebeu que só faltava ela e Antoni para completar o esquadrão, claro, sem contar o superior Nowak, que não almoçaria com eles.
Sentou-se ao lado de Kristoff, um soldado de aparência calma, que naquele momento fazia uma oração silenciosa, segurando a flor de Araquel do uniforme. Aquela era a flor símbolo da Ordem Alstra, a religião oficial de Kyndral.
O gesto de Kristoff despertou uma atenção silenciosa nela. Evelyn nunca foi muito religiosa. Mas, por algum motivo, talvez por gratidão, talvez por medo, ela decidiu rezar também.
Segurou o símbolo religioso de seu uniforme com dedos e sussurrou, apenas para si:
Ó Senhor, fonte de tudo que há,
que não tem rosto nem nome,
mas se faz sentir no silêncio e na luz da manhã,
nos pequenos gestos e na esperança que brota sem aviso.
Que os anjos nos guardem do medo e da mentira,
que tragam clareza onde houver confusão,
e descanso onde houver cansaço.
Que a verdade nos encontre mesmo quando nos escondemos dela,
e que a paz nos alcance, ainda que estejamos distraídos.
Amém.
Quando terminou, soltou o ar devagar. Não sabia dizer se foi efeito da oração ou só de uma pausa para respirar, mas se sentiu um pouco mais calma, mais aliviada.
Estava prestes a dar a primeira colherada quando Otto, do outro lado da mesa, resolveu abrir a boca:
— Ei, garota. — disse ele, com um sorriso torto.
Ele era um dos poucos ali que se recusavam a usar o uniforme completo. Enquanto os demais vestiam o casaco grosso de lã preta com gola alta, Otto estava apenas com a camisa justa de tecido fino, deixando os braços musculosos e marcados de veias à mostra, como se fizesse questão de exibir o físico.
— Até agora não acredito que deixaram você entrar pro Exército… e logo pra linha de frente. Eu dou uma semana pra você pedir pra sair… ou ser chutada daqui.
Alguns dos outros riram. Outros apenas desviaram o olhar. Evelyn mordeu o lábio inferior, controlando o impulso de jogar a sopa quente na cara dele. Depois, com calma, largou a colher e sorriu com a mesma ousadia que ele.
— Vai ver… me aceitaram porque eu sou melhor que você. Em atirar, lutar… — disse, com os olhos semicerrados. — Aliás, somos dois recrutas, a gente tá em pé de igualdade, então isso significa que você não é melhor que uma pirralha como eu, há!
Otto deu uma risada breve, balançando a cabeça como se tivesse ouvido uma piada boa.
— Hahaha… você é a criança mais maluca que eu já vi. Confia em mim… devia pedir pra sair enquanto ainda pode.
Evelyn bateu as mãos na mesa de leve, chamando a atenção de alguns colegas ao redor.
— Até parece! — respondeu ela, inclinando-se pra frente. — Eu vou destruir Lieuwirk! Vou vingar meu pai e todo mundo que morreu naquele maldito ataque! Pode me chamar de louca… mas sou eu quem vai dar o tiro na cabeça de Herbert!
Fez um gesto com a mão em direção de Otto, como se simulasse uma pistola. Seu olhar era tão sério que Otto mudou seu olhar de cético para curioso.
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