Índice de Capítulo

    Evellyn colocou um grande buquê de rosas brancas e vermelhas em cima do balcão.

    — Eu vou querer essas flores aqui.

    — Certo. Mais alguma coisa, senhora? — perguntou a atendente.

    Niko, Evellyn e Ahti estavam em uma floricultura no presente momento. Evellyn falou que iria fazer algo importante e por isso precisava comprar algumas flores, mais ou menos umas dez delas, passando dez minutos escolhendo as flores perfeitas.

    No mesmo tempo em que a garota realizava suas compras, Niko estava com Mithi, observando seu refém de fora da loja, atento a cada movimento e botando pressão nele para permanecer submisso, enquanto reclamava constantemente: “Essa elfa demora demais!”, “Eu também vou ter que pagar pelas flores?”, “Por que estamos aqui para início de conversa?” e, entre outras coisas irritantes, saiam da sua boca.

    — Não, não, já está ótimo.

    — Três Yzakels e 50 cêntimos, por favor. — a mulher-coelho.

    Em seguida, a elfa colocou três cédulas douradas e pretas na mesa junto de uma moeda de ouro.

    — Muito obrigada pela sua compra, senhora.

    — Eu que agradeço… V- — hesitou ela por um momento. — Você me lembra uma pessoa. Por acaso seu nome é “Lucy”?

    Inicialmente, a funcionária ficou confusa por um momento, mas, ao encarar Evellyn de perto, sua expressão mudou drasticamente. Os olhos se arregalaram e ela ficou completamente surpresa, como alguém que havia visto um fantasma, derrubando o dinheiro que estava em sua mão na mesma hora.

    — Evellyn? — sussurrou Lucy, incrédula.

    Em seguida, ela atravessou o balcão, ficando de frente para sua antiga amiga. Ao perceber que aquela de fato era Lucy, sua amiga de escola, Evellyn abriu um sorriso.

    — É bom te ver de nov-

    A híbrida deu um tapa fraco no rosto da elfa, que colocou a mão na bochecha em seguida.

    — O que você estava pensando quando decidiu que ia para a guerra? Você é idiota? — falou Lucy com a cabeça baixa. — E principalmente, por que você não me avisou quando tinha voltado? Eu pensei que você tivesse morrido. — Ao terminar sua frase, a mulher virou sua face com os olhos vermelhos cheios de lágrimas e dentes rangendo para Evellyn.

    Evellyn não sabia o que falar para sua antiga amiga, ela sabia que uma simples desculpa não valeria de nada, então, ela resolveu só falar a verdade, já que era o melhor a se fazer agora, falar o que estava no fundo de sua alma para ela.

    — Depois da guerra, eu… queria ter esquecido a minha vida, recomeçar do zero em um lugar longe daqui. Eu até pensei mesmo em mudar de nome, haha, isso é tão ridículo falando em voz alta agora.

    Lucy parou com sua expressão de raiva e passou para uma mais compreensiva.

    — Mas algo que aprendi nesse tempo que a gente não se viu é que não se dá para fugir do passado. Então… me desculpa, Lucy, de verdade, eu não devia ter te deixado aqui sozinha.

    Em seguida, a garota deu dois passos para Evellyn, ficando a poucos centímetros de distância entre as duas. Lucy deu uma investida em Evellyn, levando seus braços para suas costas e a abraçando com força enquanto se apoiava em seu peito.

    — Eu estou tão feliz que você esteja bem.

    Em resposta, Evellyn abraçou sua amiga de volta, sorrindo.

    — Eu também estou feliz que te encontrei de novo.


    Neste momento, o trio estava andando em uma rua, para que Evellyn pudesse chegar em seu lugar importante. Na frente estava Evellyn com suas flores, em seguida Ahti e por último Niko, em uma fila, andando ao lado de um muro de tijolos onde era possível ver altas árvores sem galhos atrás da proteção.

    Mithi não estava mais com o grupo, pois Evellyn perguntou para Lucy se ele poderia ficar até de noite com ela. A garota concordou, então eles só iriam pegar novamente o gato daqui a algumas horas.

    Evellyn parou, na frente de uma grande estrutura gótica de dois andares, escrito “cemitério de Colvenfurt” no topo, e uma placa mais abaixo escrito “Inaugurado em 4468”. A construção estava coberta por vinhas e raízes, além de ser perceptível que havia praticamente ninguém dentro daquele lugar, ali parecia estar abandonado.

    — Niko, consegue ficar me esperando aqui? Eu prefiro estar sozinha agora. — falou Evellyn de maneira calma.

    — Ah, claro, sem problemas.

    — Te vejo mais tarde.

    Então, a elfa adentrou o lugar vazio e sem vida, deixando seu amigo e sua vítima para trás.

    Dentro do cemitério, Evellyn andou por um caminho de tijolos. À sua esquerda, perto da entrada, estava uma capela gótica, com uma estátua de um anjo esculpida ao lado. Aquele era o anjo da vida e da morte, Erythia. Segundo Alstra, aquele era o anjo que cuidava dos mortos assim que eles nasciam e morriam, guiando-os do plano celestial para a terra e da terra para o plano celestial. É bem comum ver suas estátuas em cemitérios, em todos os cemitérios que Evellyn foi, aquilo estava lá cuidando dela.

    Adentrando mais o local, a garota passou por um monumento em formato de cruz. A partir daquele marco, foi mais comum ver túmulos, estátuas de anjos e até mesmo algumas criptas. 

    Havia folhas secas no caminho, emitindo um som de creck ao serem pisadas pela garota, que se sentia tranquila e com um calor em seu peito diante daquela situação que achou que nunca passaria.

    Durante a caminhada até seu objetivo, Evellyn viu apenas duas pessoas, uma que também estava caminhando no cemitério, ao lado oposto dela, e outra sentada em frente a um túmulo. A maioria dos túmulos estava enfeitada, seja por velas, lanternas, flores e até mesmo fitas. Vendo aquilo, Evellyn se perguntou se o que comprou para eles era o suficiente ou se devia ter trazido algo a mais, mas pensar naquilo não importava, afinal, ela já estava ali mesmo e não podia voltar, não queria voltar.

    Evellyn continuou andando até encontrar um banco de madeira. “É aqui”, pensou ela e então virou à direita, saindo da estrada e pisando na grama, parando e se sentando de joelhos de frente para dois túmulos, os túmulos de Emilia Bauer Gélis e Franz Bauer, seus pais, um ao lado do outro. As lápides estavam vazias, sem nenhuma flor ou algo do tipo nelas.

    Ela engoliu seco, não sabia o que fazer ou falar. Ela estava pensando nisso o dia todo, porém, até agora não conseguiu pensar em nada que iria fazer quando aquele encontro chegasse.

    Evellyn deu um grande suspiro com os olhos fechados e, em seguida, colocou o buquê de sua mão entre as duas lápides, ficando em silêncio por alguns segundos após isso.

    — …Oi, mãe… oi, pai… como vocês estão?

    “Que começo horrível”, pensou ela, insatisfeita com como iniciou aquela conversa espiritual com as pessoas que amava. “Não adianta reclamar agora, melhor seguir em frente”.

    — Faz um tempo, né… dez anos. Foi mais tempo do que eu gostaria que fosse, mas infelizmente eu só pude vir agora… Queria vir agora, na verdade.

    A garota ajeitou sua postura, sentando-se com os joelhos para cima enquanto abraçava as pernas.

    — Eu estava planejando vir aqui há muito tempo, mas eu nunca tive coragem de vir. A verdade era que eu queria ter esquecido tudo o que passei, esquecer da guerra, da minha vida e… de vocês… mas eu não consegui, eu não consegui esquecer nada disso, mesmo tentando muito eu não consegui fugir do passado, sempre nos meus sonhos, sempre lá em casa eu via vocês e não conseguia esquecer tudo por completo e eu acho que eu nem quero mais isso. — riu Evellyn. — Lembrando das coisas que vocês fizeram para mim, seria egoísta querer esquecer de tudo isso. Vocês me deram o máximo para ter uma vida confortável e eu retribuí querendo esquecer disso por conta do que sofri, algo que nem foi culpa de vocês. Vendo isso agora, eu percebi o quão isso é ridículo e eu queria pedir desculpas para vocês por isso.

    Então, Evellyn olhou para cima, observando as nuvens refletindo parte do céu alaranjado. Ao ver o céu, ela se encheu de um sentimento bom indescritível, era um sentimento de felicidade, nostalgia e parental. Era algo belo que a garota somente aceitou aquilo, abraçando como parte de si.

    — Eu também queria falar que eu ainda não fiz a faculdade de artes. Pois é, eu falava tanto disso, mas acabou que eu nem segui nessa carreira. Eu fiquei desperdiçando minha vida como mercenária, tipo, eu gosto de fazer as missões, mas eu perdi muito tempo nisso. Isso devia ser só um hobby e eu transformei na minha vida. Eu queria pedir desculpas por isso também, uma desculpa não só para vocês, mas principalmente para… mim. Eu sinto que eu me trai e fui uma refém de mim mesma e não consegui realizar meu sonho.

    Ela deu um suspiro e voltou seus olhos para o local de descanso de seus amados pais.

    — E além das desculpas, eu queria agradecer, agradecer por tudo que fizeram por mim, por terem acreditado nos meus sonhos, acreditado na minha pessoa, confiarem e me apoiarem mesmo com as coisas mais estúpidas que a Eve de dez anos atrás fazia. Eu queria agradecer por vocês terem sido os melhores pais do mundo. Eu demorei muito tempo para entender o que vocês falaram para mim, pai, eu aprendi a valorizar as coisas o máximo possível porque tudo um dia vai acabar e mãe, você estava certa, esse era um momento que eu ia superar, obrigada por nunca terem desistido de mim e muito obrigada por tudo o que vocês fizeram na minha vida. Eu amo vocês. — terminou Evellyn, feliz.


    Era quase de noite, o sol estava prestes a se pôr. Niko, Evellyn e Ahti estavam caminhando em uma estrada de pedras longe da área urbana de Colvenfurt para o local de encontro com o cliente. O local onde estavam agora tinha um pequeno campo aberto, com alguns montes e uma imensa floresta cobrindo-os.

    Ahti parou quando olhou para frente, vendo uma placa de trânsito branca e amarela. Atrás dela havia três moinhos de vento, um em cima de cada monte. 

    — Agora a gente precisa entrar na floresta.

    Ele então se virou para a cerca e a ultrapassou, com a elfa e o albocerno logo atrás, seguindo-o. Eles adentraram a floresta, seguindo uma espécie de trilha, com Niko segurando uma lanterna para iluminar as trevas.

    As árvores eram altas, até mesmo um pouco mais do que a floresta em que Niko acordou. Ele e Evellyn sentiam-se vigiados e ouviam sons ocasionais na floresta, mas nada fora do comum, apenas o suficiente para mantê-los atentos.

    Niko não parava de pensar que aquilo podia ser uma armadilha preparada para eles, não era muito difícil daquilo acontecer, iria precisar de um grande plano e preparo, mas nada era impossível, então, buscando se precaver, Niko plantou uma de suas marcas em um lugar aleatório em Colvenfurt, perto da floricultura, para caso ele e Evellyn precisassem sair de lá o mais rápido possível.

    O canal repentinamente parou.

    — É bem aqui. Satisfeitos? — disse Ahti, largando-se com cansaço em um tronco caído e abrindo os braços em irritação.

    — Tem certeza disso?

    — É claro, porra! Vocês me fizeram perder o dia todo nessa porcaria, me arrastaram de um lado para o outro naquela cidade. Eu só quero que isso acabe logo, então por que eu mentiria para vocês? — suspirou o ruivo. — Fiz tudo o que vocês me pediram, dei as informações que pediram, paguei pela porcaria da comida de vocês, tô com uma fome desgraçada, então já posso ir embora?

    No plano original, Ahti serviria de isca. Ele iria ganhar tempo para que Niko e Evellyn chegassem por trás e interrogassem o cliente.

    Niko até mesmo pensou em desistir do plano por conta do canal já ter feito muito para eles e ele estar completamente cansado daquilo, mas se lembrou que ele era o responsável por quase ter sido morto por Clementine, então a empatia desapareceu na mesma hora, sendo substituída por um ódio vingativo.

    — Ainda não. Você precisa fazer mais uma coisa primeiro.

    — Ahhhhh, você só pode estar brincando comigo! Eu não aguento mais isso, corta logo minha cabeça.

    Aquilo foi a gota d’água para o garoto, ele não aguentava mais aquele homem de meia-idade reclamando na sua cabeça o dia todo. Com o rosto franzido e íris contraídas, pegou sua foice das costas e encostou-a na barriga de Ahti, que gelou quando percebeu a lâmina em seu corpo.

    — Ao invés de cortar a sua cabeça, que tal eu cortar sua barriga e deixar você morrer bem lentamente? Isso só está acontecendo por sua culpa, se você não queria estar nessa situação, você devia ter pensado melhor no contrato que firmou com o seu cliente. Você vai ajudar a gente ou eu posso te deixar para sangrar aqui?

    — E-eu vou ajudar vocês sim. — respondeu ele, com o rosto suando.

    Niko deu um suspiro e guardou sua foice novamente em sua bainha, dando um olhar de desprezo em direção ao gordo covarde.

    — Nossa, eu nunca vi você fazer isso antes. — comentou Evellyn.

    — Para você ver o quanto ele é irritante.

    Após esse breve desentendimento, Niko entregou a lanterna de latão para ele e, em seguida, a dupla subiu em uma árvore com o portal, usando os galhos de apoio e podendo ver a cena que aconteceria em seguida de uma posição privilegiada.

    Niko e Evellyn esperaram durante alguns minutos em cima da árvore, até que o cliente viesse se encontrar com o canal.

    — Você realmente acha que ele vai aparecer? — falou Evellyn. — Afinal, a Clementine foi morta e, consequentemente, a missão não foi concluída. Se o cliente matou a Clementine, a chance dele aparecer é baixa, afinal, não tem sentido vir aqui sem ganhar nada.

    Niko não havia pensado por esse lado, ele pensou que era certeza que alguém viria, mesmo se fosse para uma armadilha e Niko tivesse que lutar, mas aquele argumento de Evellyn mudou um pouco essa crença.

    — Eu não sei, mas eu espero que ele venha. De qualquer modo, a gente tentou pelo menos, né?

    — Sim, mas e se ele não vier, o que a gente faz depois?

    — Depois?… Eu não tinha pensado nisso.

    A verdade é que não havia nada para fazer se aquela missão fracassasse, não havia mais nada que pudessem investigar além do cliente misterioso.

    Entre o silêncio da floresta, barulhos de passos ecoaram na trilha, alguém estava se aproximando do local. Na posição atual da dupla, eles não conseguiam ver quem estava se aproximando.

    — Será que é o cliente?

    — Só pode ser ele.

    E então, um homem apareceu, vestindo apenas um manto negro cobrindo o rosto, exatamente como na descrição de Ahti, aquele era o cliente, parado de frente para o canal.

    — É ele… a gente vai agora?

    — Não, vamos esperar um pouco. Pode ser que algo interessante acont-

    Três sons de tiros ecoaram pela floresta inteira, causando uma reação em cadeia com pássaros e animais gritando confusos com a situação. Entre os seres assustados estavam Niko e Evellyn, que instantaneamente olharam para baixo, em direção ao cliente e ao canal, vendo uma cena perturbadora, o cliente estava portando uma pistola e atirou diversas vezes em direção à barriga de Ahti, fazendo-o cuspir sangue e cair para trás do tronco de madeira.

    Ao observar aquela cena, Niko lançou uma de suas facas para baixo, usando o portal junto de Evellyn, ficando a alguns metros do assassino.

    — EI! — gritou Evellyn em direção ao cliente.

    Niko puxou sua foice e Evellyn criou um porrete de gelo com sua Alma, se preparando para o comba-

    Outro tiro ecoou pela floresta vazia, dessa vez do atirador contra si, acabando com a própria vida lá mesmo…

    Aquilo deixou Evellyn e Niko absolutamente surpresos e aflitos, com o coração batendo rápido e com os membros tremendo muito. Como era possível alguém tirar a própria vida por nada tão rapidamente? Bem, aquela pergunta não teria uma resposta.

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