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    Evelyn abriu os olhos, caída ao lado de uma árvore. Havia uma dor incômoda no peito e uma fisgada aguda na parte de trás da cabeça. Gemeu baixo ao se erguer com dificuldade.

    À sua frente, estava Clementine, com o braço direito apertando o esquerdo contra o corpo. A parte superior do corpo estava tremendo. O sangue escorria dos ferimentos como se não tivesse fim. Mas o rosto da mulher permanecia sereno, como se tivesse se arranhado com uma folha de papel.

    — Por quê? — perguntou Evelyn, sem tirar os olhos dela. — Por que você teve que voltar pra minha vida?

    — …Eu não sei — respondeu Clementine, com um meio sorriso. — Talvez os anjos tenham achado divertido fazer a gente se encontrar de novo. O que acha?

    — Eu não sei. E sinceramente? Não me importo. Só vamos acabar logo com isso.

    — Tsc. Bem apressada, você…

    Sem aviso, Clementine puxou uma pistola com a única mão que restava e atirou duas vezes. Evelyn reagiu por instinto, erguendo o braço e invocando uma proteção de gelo neles. O primeiro disparo ricocheteou no escudo improvisado, mas o segundo passou raspando e acertou seu ombro esquerdo.

    Evelyn estreitou os olhos e expandiu a proteção, transformando-a em uma parede de gelo espessa. Avançou com ela como se fosse um aríete. Clementine desviou para o lado, mas não escapou do soco que veio logo depois. O punho da elfa acertou seu estômago com força.

    A assassina tentou apontar a arma para o peito da elfa, mas Evelyn segurou o cano e congelou o metal, inutilizando-a. Clementine reagiu dando um soco em seu rosto, sacando uma adaga em seguida.

    Tentou cravá-la no abdômen da garota. Antes que a lâmina a alcançasse, um disparo ecoou. O tiro atingiu a mão da assassina, fazendo-a soltar a arma.

    Ambas se viraram. Deitado de bruços, com um rifle em mãos, uma figura de manto negro e grandes chifres de cervo, era Niko, mirando com esforço. Ele voltou a se mexer. Estava de volta à luta.

    — Você… não devia estar se mexendo… Como conseguiu? — disse Clementine.

    Niko se fazia a mesma pergunta. Tentara mover o corpo antes e falhou, mas após a explosão, havia conseguido. Com dificuldade, sim, mas o suficiente para ajudar. “Deve ter sido aquele remédio que a Evelyn me deu”, pensou ele.

    Sem esperar nem mais um segundo, Evelyn ergueu um porrete de gelo e o acertou com força sobre a lateral de Clementine, arremessando-a contra uma árvore próxima. A mulher cuspiu sangue ao colidir com o tronco.

    Duas estacas de gelo surgiram em seguida, atravessando o braço e a coxa esquerda da mulher, pregando-a no tronco. Ela inutilmente tentava arrancar as estacas, fraca, respirando com dificuldade.

    — Uff… acabou. — murmurou Evelyn, ofegante, apoiando-se no porrete.

    Ela então olhou para Niko, preocupada.

    — Ei, Niko! Você tá bem?!

    Nenhuma resposta. Evelyn deixou cair o porrete e correu até o garoto, mexendo no ombro ferido no processo. Quando se aproximou, arrancou a bala com os dedos, fazendo uma expressão de dor e nojo ao ver o projétil ensanguentado. Usou a Alma para estocar o sangramento. E se agachou ao lado dele.

    — Você tá bem, carinha? Consegue se levantar?

    Niko balançou a cabeça em negação. Seu corpo ainda estava parcialmente paralisado. Se mexer exigia um grande esforço, além disso, não conseguia falar e doía bastante quando tentava se mover — menos as extremidades do corpo, isso ele fazia com facilidade.

    — Vou te levantar. Se apoia em mim, tudo bem?

    Ele assentiu. Evelyn passou o braço dele por cima de seus ombros e segurou seu peito com firmeza.

    — Um, dois… — e o ergueu.

    Um ruído metálico ecoou de Niko ao ser erguido. Juntos, seguiram até onde Clementine estava presa.

    — Bem… agora você me salvou de verdade. Valeu. — disse a elfa, com um sorriso cansado.

    Niko ficou feliz. Diferente da última vez, ele verdadeiramente salvou a vida de Evelyn. Ele foi, além de um intrometido, um intrometido útil. Ele sorriu de volta.

    Evelyn o acomodou no chão, de uma forma que o deixava sentado, e então se virou para Clementine, de braços cruzados e de rosto sério.

    — Acho que você ganhou essa briga. — comentou a assassina.

    — Quem é seu contratante?

    — Uff… nem vai me deixar te parabenizar primeiro? — ela riu. — Era um anônimo. Meu canal não me deu o nome.

    — Como ele sabia do Niko?

    — Eu não sei.

    — Quem é o seu canal?

    — Ahti. Conhece ele?

    — Eu que faço as perguntas aqui.

    — Sim, senhora.

    Ahti, essa era uma pista valiosa para a investigação. Quem quer que fosse que queria matar Niko, agora sabiam como chegar nele: procurando por Ahti e forçando-o a falar quem era o cliente.

    — Mais alguma coisa que queira saber?

    Evelyn hesitou por um instante. Se perguntou se deveria fazer mesmo aquela pergunta. A dúvida não durou muito, sabia que tinha que fazer. Então falou:

    — Por que… — a voz falhou. Ela respirou fundo. — Por que você deixou o Nikolas morrer? Por que não tentou salvar ele?

    Dessa vez, sua voz não era sem paciência. Não era irritada. Era baixa. Quase sussurrada. Era triste. Era sincera.

    Clementine encarou o chão por um momento. O deboche sumiu do rosto.

    — Eu nunca quis ser médica. Eu fui pra a guerra pra matar e não pra salvar, mas me forçaram a ser médica por conta daquela conduta idiota. Saber daquilo me deixou irritada. Foi uma das únicas vezes em que fiquei irritada na vida. Daí, naquele dia, eu joguei fora meu equipamento médico e fui pro combate… Eu matei muitas pessoas naquele dia. Eu me senti feliz. Muito feliz… Mas deixei um amigo morrer pra fazer isso… — Clementine deu um suspiro e voltou seus olhos a Evelyn. — Eu deixei o Nikolas pra morrer porque queria sentir aquele prazer da carnificina o mais rápido que conseguisse, além de que seria inútil parar pra ajudá-lo, porque eu nem ao menos tinha os equipamentos pra isso… Por isso, eu não salvei ele, porque eu fui egoísta. Fui gananciosa. Fui rebelde… Fui uma idiota.

    Dez anos. Evelyn esperou dez anos por aquela resposta. E agora, finalmente, ela a tinha. Não era o que esperava — na verdade, nem sabia o que esperava. Nunca entendeu por que aquilo aconteceu, do por que foi deixada sozinha naquele campo. Mas agora… a dúvida sumiu. A resposta, crua e imperfeita, finalmente estava ali.

    Ela soltou um suspiro longo. Era como tirar um peso que carregava nos ombros havia anos. O alívio não era alegre — era denso, quente, sufocado. E ainda assim, era alívio. Os olhos marejaram. Ela quase chorou. Ela estava, de um jeito estranho, satisfeita.

    Niko escutava tudo em silêncio. Enquanto ouvia, se perguntava o quanto Evelyn havia sofrido na guerra. E desejava, do fundo do coração, que ela nunca mais tivesse que passar por isso.

    O garoto, ali deitado, ainda tentava encontrar forças para falar. Sua garganta seca só conseguia emitir sons roucos, um “ahh… ahh…” frustrante e fraco. Mas agora, aos poucos, as palavras começaram a tomar forma.

    Ele forçou a voz, e com dificuldade, conseguiu dizer algo:

    — Você… sabe algo sobre o cliente? — perguntou, com um tom baixo e rouco.

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