Capítulo 39 - Para Colvenfurt
Niko e Evelyn seguiam pelas ruas da capital, depois de deixarem a carroça com a roda quebrada na oficina. Enquanto isso, o sol se punha, cedendo espaço à lua crescente no céu. A cidade se preparava para a noite, as lanternas já começavam a se acender nas calçadas.
Enquanto caminhava, Niko ficou pensando sobre como continuar a investigação. Foi então que “Ahti” voltou à sua mente — o nome que Clementine mencionou na noite anterior. No fim da calçada, eles pararam junto a um pequeno grupo esperando as carroças pararem para atravessar a rua.
— Você conhece aquele tal de “Ahti” que a Clementine tinha mencionado, Evelyn? — perguntou Niko, tirando os olhos do chão.
— Não. Por que? — ela olhou para ele, curiosa.
— Imagino que ele seja o próximo passo da investigação. Ele era quem contratou Clementine. Então ele deve saber quem é o cliente. — nesse instante, um apito irritante cortou a rua. Um guarda de trânsito sinalizava para que as carroças parassem, garantindo a passagem dos pedestres e das outras carroças da rua.
— E também, talvez ele saiba sobre aquela parte que Clementine não conseguiu terminar de falar. O que acha?
Atravessando a rua sob a luz amarelada dos lampiões, Evelyn seguiu na frente e Niko logo atrás.
— É possível. Então você quer encontrar esse canal? — ela perguntou, ainda cautelosa.
Niko apenas balançou a cabeça.
— Certo… agora a questão é: como encontrar uma pessoa que a gente só conhece pelo nome? E se ele não estiver em Colvenfurt? Ah, que saco. — ela suspirou, frustrada.
Tentar encontrar uma pessoa com base apenas em um nome era como procurar uma agulha em um celeiro em chamas. A informação era vaga demais. E se Ahti estivesse em outra cidade além de Colvenfurt — como Evelyn suspeitava —, a busca se tornava ainda mais improvável. Para piorar, a única pessoa que conhecia esse tal canal… estava morta.
Niko franziu a testa, tentando juntar os cacos de tudo que Clementine havia dito. Lembrou-se das últimas palavras dela — sobre parentes do cliente presos por envolvimento com terrorismo e os tais símbolos e rituais bizarros encontradas na casa dele. “O que seriam esses rituais? Têm ligação com o grupo terrorista?” — pensou ele. A mente girava e as peças não se encaixar.
Ele olhou para Evelyn ao seu lado. Se alguém ali teria ao menos uma resposta para isso, seria ela.
— E sobre a questão do “grupo terrorista” e dos “rituais e símbolos bizarros”, acha que tem alguma conexão?
— É verdade, ela falou disso mesmo… — Evelyn levou a mão ao queixo, pensativa. — Olha, eu acredito que tenha conexão sim. Esses rituais provavelmente são parte de alguma religião diferente da Ordem Alstra. E se formos ligar isso ao grupo terrorista… acho que pode ser que seja uma célula extremista religiosa.
Ela olhou para o chão enquanto falava.
— Tem uns grupos Haqisahinos bem radicais em Khalidiya. Um deles chegou a dar um golpe de Estado depois da guerra, se não me falha a memória. E agora mesmo, na guerra civil de Skávia, tem uma facção nacionalista e religiosa extremamente violenta. Mas fora isso, não lembro de nenhum outro grupo terrorista ligado diretamente a rituais ou a esse tipo de fanatismo.
Niko escutava em silêncio. A parte que parou nos seus estudos não falava de grupos extremistas — só sabia do básico sobre a guerra civil em Skávia. Um país no extremo norte, mergulhado em um caos sangrento desde 4498, quando o imperador e sua família foram assassinados de forma misteriosa. Depois disso, o país afundou na instabilidade. Centenas de grupos armados surgiram. Alguns tentando declarar independência, outros querendo reunificar de tudo à força.
— Mas você teria que levar em conta que o cliente está ligado ao grupo terrorista. — disse Niko.
— Seria coincidência demais se não estivesse.
De fato, seria improvável demais que justo o cliente não tivesse ligação direta com o tal grupo extremista. As chances disso serem só coincidência eram mínimas, praticamente nulas. E se o cliente fazia parte de um grupo terrorista… e conhecia Niko… então aquilo só podia significar uma coisa.
— Evelyn… — Niko parou de andar de repente. A garota notou o gesto e virou-se para ele, confusa.
— Isso significa que… eu tenho envolvimento com esse grupo?
— Existe uma chance bem alta disso, sim.
— E se eu… tivesse sido um membro? — Niko falou mais baixo, como se temesse a própria pergunta. — Eu não quero ser um criminoso…
— Todos são inocentes até que se prove o contrário. — respondeu Evelyn com firmeza, mas de forma suave. Ela deu um passo à frente e pousou a mão no ombro dele. — Você não pode se culpar por algo que você nem sabe se aconteceu mesmo. E mesmo se tiver acontecido… isso não define quem você é agora. O que importa é o que você faz daqui pra frente, entendeu?
Niko assentiu com um meio sorriso, aliviado com a resposta.
— Então bora continuar. Quero voltar logo pra casa. — disse a elfa, virando-se novamente e retomando o caminho. Niko hesitou por um segundo, depois deu os primeiros passos para segui-la.
As palavras da elfa haviam acalmado o garoto, o suficiente para que sua mente voltasse a pensar com clareza. “É isso!”, pensou Niko de repente, com uma ideia tomando forma em sua cabeça.
— E se a gente tentasse procurar alguma coisa na casa da Clementine? Talvez tenha alguma pista sobre como encontrar o canal lá.
— Até que é uma boa ideia. — disse Evelyn, pensativa. — Mas… como a gente vai descobrir onde ela morava?
— Você não sabe onde ela mora?
— Sei não.
— Ah…
Niko acreditava que, já que Evelyn conhecia Clementine — e já tinham tido uma relação —, ela naturalmente saberia onde a mulher morava. Mas o destino parecia empenhado em dificultar a investigação do pequeno albocerno.
— Onde foi que você conheceu ela, Evelyn?
— No exército. Num campo de alistamento militar… — ela franziu a testa, e então seus olhos se acenderam. — Espera… se ela se alistou junto comigo, os arquivos de alistamento devem ter o endereço dela!
Evelyn parou de andar no mesmo instante. Niko, percebendo que ela tinha ficado para trás, virou-se e encontrou um grande sorriso no rosto dela. A elfa então caminhou até ele, posicionando-se ao seu lado, voltando a andar juntos.
— Você sabe onde ficam esses arquivos?
— No mesmo lugar onde me alistei. Se eu explicar que sou veterana, posso pedir acesso a documentos antigos e coisas que foram registradas durante a guerra. Inclusive, eu já queria fazer isso há um tempo. A gente pode?
— Claro. — respondeu Niko, sem hesitar.
— Você vai adorar Colvenfurt. Eu tenho certeza!
Pouco depois, os dois pararam diante de uma porta preta de metal. A entrada do prédio onde Evelyn mora. A elfa enfiou a mão no bolso, tirou a chave e a encaixou na fechadura.
— Mas primeiro… vamos descansar um pouco. A viagem foi puxada. — disse ela, sorrindo com cansaço enquanto destrancava a porta.
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