Capítulo 4 - Reflexão
Nas primeiras horas, Niko estava andando com cautela, com um rifle que Evellyn lhe deu mais cedo, à procura do animal. Estava um tédio, sua caminhada desde o amanhecer já era tediosa, isso então estava mais ainda, mesmo assim, suas pernas não estavam cansadas, parecia que ele estava acostumado a andar por horas entre longas distâncias.
— Por que eu tenho essas armas?
Niko se questionou, como uma forma de se distrair e pensar em coisas que pudesse saber mais de seu passado.
— Se eu carrego armas comigo, logicamente eu as usava, então isso significa que eu lutava ou algo assim. — suspirou Niko, enquanto tentava manter o foco da tarefa e não pensar no assunto, algo que não conseguiu fazer. Mesmo que o garoto quisesse, era impossível não tentar pensar no seu passado. Aquela vontade o seduzia e ele se rendia como se controlasse sua mente. — Será que eu sou um mercenário que nem a Evellyn? Quer dizer, as chances são baixas, mas nunca se sabe, né? Talvez seja bom eu perguntar a ela quando voltar para o acampamento… Mas, como que eu perdi as minhas memórias?
Dentre todas as dúvidas que Niko tinha sobre sua antiga vida, a dúvida de como ele teria perdido suas memórias era a mais forte delas.
— Eu só acordei de repente em uma floresta afastada de tudo. Sem nenhuma civilização por perto ou algo assim. É como se me abandonassem para morrer, ou que eu estava passando por alguns problemas, quis fugir de tudo e, pela minha própria incompetência, acabei nessa situação…
Niko não gostava nem um pouco da ideia de ter sido abandonado e deixado para morrer, mas acabou sobrevivendo. Afinal, o local onde acordou era perfeito para assassinar alguém e só descobriram seu corpo depois de várias semanas, meses ou até mesmo nunca. Somente havia uma estrada perto de onde acordou, que parecia ser usada nem vinte vezes ao ano. A teoria explicava o porquê de Niko estar naquele local, mas não, como perdeu suas memórias.
Também tinha a teoria de que, diferente da outra, não lhe causava tantos sentimentos ruins. Que ele havia tido algum problema interno em sua vida, acabou se afastando de tudo e perdeu suas memórias devido ao trauma. Essa era a possibilidade mais plausível que tinha sobre sua perda de memória. Segundo Evellyn, não poderia ser algo de doença, como demência, porque era jovem demais e não tinha nenhum formigamento ou marca brilhante no corpo, seja lá o que isso significasse, significava que Niko não havia perdido suas memórias daquela forma. “Isso é algo para se perguntar à Evellyn depois”, pensou ele. Essa teoria, além de explicar como estava no local, explicava o porquê de perder suas memórias.
— O problema da primeira teoria é que eu não tenho nenhuma ferida no corpo, então se alguém quisesse me matar e esconder o corpo lá, eu teria alguma ferida e nem iria conseguir me levantar direito, além de que não explica como eu perdi minhas memórias. Já a segunda é bem consistente, por algum motivo eu ainda lembro sobre o trauma e os seus efeitos. É uma boa teoria, então eu teria que ativar alguns gatilhos para ter minhas lembranças de novo… Mas quais poderiam ser esses gatilhos? — dizia Niko enquanto colocava a mão esquerda em seu queixo.
— O mais estranho é que tem algumas coisas que eu não me esqueci. Eu me esqueci de coisas relativamente simples, como alguns animais, comida, a geografia do mundo e a Alma. Já outros, como escrever, alguns conhecimentos aleatórios e até mesmo lutar e atirar, mesmo que eu não tenha feito isso até agora, me pareciam de certa forma familiar, como quando fui ler, então eu provavelmente devo saber disso. Tudo isso eu não esqueci. Ainda não tenho ideia do porquê dessa seletividade.
Niko pensou em procurar em suas roupas algo que pudesse dar alguma pista sobre seu paradeiro. Ele procurou em seus bolsos, da calça e colete, sem sair do ritmo da caminhada. A roupa de Niko, por debaixo do manto, era escura e cheia de bolsos na parte superior e inferior da roupa, também tinha um colete pouco pesado e placas protetoras pelo corpo todo, o que reforçava sua hipótese de que era um lutador.
Nos bolsos da calça, encontrou uma bússola, relógio de bolso e uma lanterna de mão. Enquanto nos bolsos do colete, um apito, uma corda e um canivete multiúso.
— Pela natureza dos objetos, provavelmente eu era uma espécie de aventureiro ou explorador. Mesmo que não tivesse nada que denunciasse quem eu era, como cartão de identidade ou algum endereço, ainda é uma pista que não se pode descartar.
Um silêncio constante se iniciou depois dessa frase, não tão silencioso somente por conta dos passos afobados de Niko na neve e, ocasionalmente, os barulhos metálicos que surgiam debaixo de seu manto.
— …Eu me pergunto se alguém está procurando por mim… — disse o garoto, suspirando firme enquanto olhava para o céu azul. — Será que eu sou importante para alguém? Ou será que eu sou só um ninguém? Que nasceu no nada e vai acabar no nada…
O silêncio constante voltou por alguns segundos, contaminando todo o ambiente.
— …Inclusive, a Evellyn é muito fria e insensível. — disse o garoto, indignado, percebendo agora a situação em que estava. — Mesmo que ela tenha me mostrado um desenho seu de como era um Lufador, me dado uma arma e falado todos os cuidados que deveria ter, ainda sim é muito malvado fazer isso com alguém que nunca teve uma experiência dessas! Eu sei que eu estou em dívida com ela e que isso é o pagamento, mas não tinha algo mais simples de fazer?!
Segundo o desenho extremamente bem detalhado de Evellyn, o lufador era um animal grande, de até quatro metros, pelagem branca espessa, uma cauda achatada e oval, oito patas curtas, com garras de sete centímetros, um rosto praticamente sem olhos e uma mandíbula que poderia se dobrar e rachar.
Niko, pensou em algo que o deixou bem triste.
— Será que ela me ajudou só para se aproveitar de mim depois?
Niko não acreditava totalmente nessa possibilidade. Ela não parecia o tipo de pessoa que ajuda alguém para logo depois se aproveitar delas como forma de pagamento, mas ele não a conhecia fazia nem um dia, então essa crença é baseada totalmente em uma confiança cega e desesperada de uma pessoa confusa e sozinha.— Não. Ela foi muito sincera quando disse que queria me ajudar e ela não parece ser o tipo de pessoa oportunista… Eu acho. De qualquer jeito, isso não importa agora. Eu só tenho que caçar logo esse bicho e depois eu confronto ela. — suspirou Niko, segurando com mais firmeza ainda o rifle, determinado a caçar o animal.
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