Capítulo 40 - Loos
— Chegamos. A viagem fica em um Yzakel e dez cêntimos. — disse o motorista, virando-se para os passageiros.
— Espera um pouquinho… uhmm, aqui. — respondeu a mulher de cabelos brancos e cicatrizes no rosto, entregando uma cédula preta e dourada, junto de uma moeda, ao homem.
O motorista pegou o pagamento e o guardou em uma caixa de madeira ao lado. Evelyn pôs a mochila nas costas, segurou nas hastes da carroça e desceu, pisando forte na calçada movimentada. Em seguida, o ser pálido com chifres de cervo também desceu, posicionando-se ao lado dela.
— Muito obrigado pela viagem, senhor. — disse Niko.
— Eu que agradeço. — respondeu o motorista acenando com a cabeça. Em seguida puxou as rédeas para seguir viagem.
Evelyn pôs as mãos na cintura e olhou para a grande construção gótica à sua frente. Uma construção de, no máximo, três andares verticais, uma longa extensão horizontal, pequenas torres em pirâmide nos vértices, e uma imensa torre central com um relógio de quatro lados marcando “8:34”. Estátuas de sapiens decoravam cada face do relógio.
Ao lado, dois grandes arcos abrigavam trilhos de trem que se estendiam para além da vista, atravessando pontes e curvas — inclusive, os trilhos foram vistos por Niko segundos atrás ao atravessar uma ponte.
— É aqui o lugar? — perguntou ele.
— É sim. A estação de Loos. Faz muito tempo desde a última vez que vim aqui. Enfim, bora lá.
Atravessaram a calçada de concreto e seguiram em direção à entrada. A movimentação era intensa, com as pessoas formando filas espontâneas — uma enorme para sair e outra maior para entrar.
Entraram por uma das quatro portas duplas e encontraram um imenso hall de teto creme e altura impressionante. À frente, uma recepção circular com diversas cabines, cada uma com um funcionário e uma placa identificadora. Vitrais coloridos e pinturas antigas cobriam as paredes. No teto, luminárias amarelas iluminavam todos os cantos. À direita, mais um grande relógio — agora marcando “8:37”.
Além disso, centenas — talvez milhares — de pessoas circulavam pelo local. Algumas estavam paradas, outras correndo, mas algo era certo, quase todas estavam com malas ou mochilas.
— Aqui é muito grande… — comentou Niko, admirando tudo ao redor.
— Eu também fiquei impressionada da primeira vez. Agora a gente precisa comprar as passagens.
Na recepção, Evelyn rodeou a estrutura, procurando a cabine certa.
— Colvenfurt, Colvenfurt, Colvernfurt… aqui! — disse, entrando em uma fila com cerca de sete pessoas, na cabine 011.
Cinco minutos depois, chegaram à atendente — uma mulher baixinha, de cabelos vermelhos curtos e orelhas de gato. Ela estava usando um terno bem ajustado e elegante, em detalhes de preto e vermelho.
— Nyan, bom dia senhores, como posso ajudá-los?
— Bom dia. Queremos duas passagens para Colvenfurt, por favor. — disse a elfa.
— Linha 08, sentido Norvlyne. Para quando seria, nyan?
— O mais rápido possível.
— Tem certeza, nyan? A viagem pode sair até três vezes mais cara.
— Não tem problema, dona. Quanto fica e pra quando é?
— Nove horas da manhã e vai custar oito Yzakels, nyan nyan.
Evelyn se virou para Niko com uma expressão dolorida. O valor era alto. Muito alto. Pensou até se realmente valia a pena ajudar o garoto… mas no fim, a generosidade falou mais alto.
— Moça… não dá pra fazer mais barato, não?
— Desculpe, nyan, não tenho permissão para isso.
Ela sentiu um aperto no coração. Suspirando fundo, a elfa tirou quatro notas e entregou à atendente. Niko fez o mesmo. Racharam a conta.
— Aqui, senhora.
A funcionária sorriu e entregou dois bilhetes de papel à dupla.
— Muito obrigada, nyan!
Saíram da fila e seguiram por uma escada à direita que levava ao andar inferior, na direção do grande relógio.
— Desculpa por isso, Evelyn. Se quiser, eu te devolvo a parte da sua passagem.
— Relaxa, maninho. Não precisa.
No subsolo, a dupla encontrou diversas plataformas com trilhos e trens estacionados. Um som de vapor chamou a atenção de Niko — uma locomotiva se preparava para partir. Em seguida, as engrenagens começaram a girar, e o trem deixou a estação em alta velocidade, junto com o som do vapor.
Na plataforma 05, o trem ainda não havia chegado, então os dois se sentaram em um dos vários bancos de metal ali dispostos, apenas esperando pela locomotiva.
Alguns longos minutos se passaram. Niko ficou entediado. Em um impulso, abriu a mochila e puxou o livro que carregava desde o início da viagem: O Reino Eterno. A capa estava gasta nas bordas, mas ainda mantinha um dourado forte. Era um livro de história — um que Evelyn havia insistido que ele lesse, dizendo que era uma “leitura obrigatória para qualquer um que se diga vivo nesse mundo”.
Ele folheou as primeiras páginas, mas o barulho do vapor escapando e das engrenagens rangendo o impediam de se concentrar. Pareciam até mesmo estarem zombando dele. Irritado, Niko fechou o livro devagar e o guardou de volta na mochila.
E foi então que se lembrou de Evelyn — de que estavam a caminho da cidade onde ela havia crescido. Imaginava que, para Evelyn, aquilo não era só uma viagem. Era um retorno. Um reencontro com lembranças que talvez ela mesma não soubesse se queria reviver.
— Então… como é em Colvenfurt, Evelyn?
A garota olhou para Niko a princípio confusa. A pergunta veio do nada. Mas então, um sorriso caloroso preencheu sua face.
— Ah, lá é bem legal… É um lugar bem movimentado… pelo menos antes da guerra. Durante o conflito, muita gente migrou de lá. A cidade perdeu boa parte da população. Espero que a Clementine ainda esteja lá. Senão, vai demorar mais ainda pra achar a casa dela.
Niko ficou em silêncio por alguns segundos, observando o jeito como Evelyn respondeu. Ele tinha feito uma pergunta simples, quase banal, mas mesmo assim, a guerra foi a primeira coisa que veio à mente dela. Parecia que tudo acabava voltando ao conflito.
— Você pensa em voltar a morar lá algum dia?
— Nunca pensei nisso antes… mas talvez sim. Reiken é ótima, mas não sei se eu vou continuar morando aqui para sempre. — Evelyn olhou para um trem que estava partindo na sua frente. — E talvez, só talvez, voltar a viver em Colvenfurt não seja má ideia. — após a fala, o trem sumiu de sua vista.
Um novo som de vapor se aproximou. Niko virou para a esquerda e viu uma imensa máquina com vagões pretos e listras vermelhas chegando.
Logo após parar, várias pessoas começam a descer do vagão da frente, caminhando em direção à escadaria do lado oposto do trem.
O letreiro ao lado do trem se atualizou: “Plataforma 05, Linha 08, sentido Norvlyne“, era o que estava escrito em cada uma das três placas. Algumas pessoas, que estavam sentadas perto de Niko, se levantaram, indo em direção à locomotiva.
— Esse é o nosso trem, Evellyn. Vamos?
— Uhm, ah. Vamos sim. — disse a elfa, se espreguiçando.
Entraram no vagão. O interior era de madeira polida. Os assentos vinham em grupos de quatro, com almofadas florais em tons de vermelho e preto. Cada grupo de assentos tinha uma mesa entre os bancos. No chão, um tapete vermelho corria por todo o corredor do vagão.
Após atravessar um vagão, acharam seus assentos. Evelyn se sentou, colocando a mochila ao lado. Enquanto isso, Niko sentou à sua frente.
— A viagem dura duas horas. Só me acorda quando a gente chegar, beleza?
— Você vai dormir?
Evelyn tombou a cabeça para trás, abriu a boca e começou a roncar de forma exagerada. Claramente fingindo. Ninguém dormia com aquela velocidade e daquele jeito. Parecia que ela só queria ficar em paz, sem que Niko a incomodasse.
O garoto então pegou da mochila o livro que queria ler mais cedo, “O Reino Eterno”. Observou a capa da obra por um tempo, se perguntando que tipos de conhecimento estaria dentro daquele amontoado de papel.
Um som de chaminé abafado ecoou pelo trem, indicando a partida iminente. As portas de metal foram fechadas. E o trem começou a se movimentar. Primeiro começando lento a partida e depois aumentando a velocidade.
A cidade de Reiken foi deixada para trás, se transformando em um pequeno ponto no horizonte, minutos depois.
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