Capítulo 47 - Lythus Haus
A Rua das Acácias era um caos ordenado. No coração de Colvenfurt, a movimentação do meio-dia já tomava conta das calçadas. Havia barracas de frutas por todos os lados, lojas com produtos chamativos expostos nas vitrines e comerciantes gritando ofertas para todas as direções. Era o tipo de lugar em que se perdia tempo só tentando atravessar.
Niko olhava em volta, distraído com o fluxo incessante de vozes e cores, quando disse:
— Isso aqui parece mais mercado do que ponto de encontro secreto.
— Eu disse que provavelmente seria um bar ou restaurante. — respondeu Evelyn, enquanto carregava Mithi nos braços. O gato bocejava a todo momento, incomodado à agitação ao redor. — Faz sentido, né? Lugar público, disfarçado, gente entrando e saindo o tempo todo.
Ela o segurava com cuidado, como se fosse de porcelana. Desde que o tiraram da casa vazia de Clementine, haviam decidido adotá-lo. Mithi agora era deles. E Evelyn acreditava que Clementine aprovaria a decisão. Afinal, ele não tinha mais dono e abandonar o animal na rua seria crueldade demais.
— Ué… Cadê o número 341? — murmurou ela, criando um ponto de interrogação em cima da cabeça.
Estavam diante do im[ovel de número 340, uma relojoaria. Do outro lado da rua, estava o número 342, uma floricultura. Nada entre eles. Nenhuma entrada, nenhum 341.
— Cadê? Cadê? Cadê? — repetia a elfa, girando os calcanhares tapando o sol para ver melhor. Encarando as portas e placas como se alguma fosse mudar de lugar.
“Será que é código pra alguma coisa?”, pensou Niko. Decidido a não perder tempo, chamou a atenção de um homem que passava por perto — meia-idade, barba por fazer e olhos cansados.
— Com licença. O senhor sabe onde fica o número 341?
O homem sorriu de canto, deu uma olhada em Evelyn e soltou uma risada abafada, balançando a cabeça. Niko, constrangido, passou a mão na boca e nos olhos, imaginando se tinha algo errado em sua aparência.
— Hahaha, fica ali no beco. — disse ele, apontando com o polegar por cima do ombro. — Mas olha, tentem não se divertir demais, hein? Safadinhos…
E saiu rindo sozinho, deixando os dois parados e confusos.
— Que cara mais esquisito… — murmurou Evelyn. — Bom, pelo menos agora a gente sabe onde fica o lugar.
Seguiram para o beco indicado. Era estreito. Algumas caixas abandonadas decoravam o local mal cuidado. O chão de pedra estava molhado em alguns pontos, talvez de água que derreteu da neve — ou de coisa pior. Ao fim do corredor, uma escada de pedra levava a um patamar superior, onde dobraram à esquerda.
Ali, uma porta de madeira escura ostentava uma placa com letras elegantes em um vermelho forte: Lythus Haus, com o número 341 escrito ao lado.
Eles pararam por um instante. Pela fresta da porta, vazava o som abafado de risos e uma música lenta, quase preguiçosa. A dupla trocou olhares antes de dizer alguma coisa.
— Bom, aqui é o lugar. Niko. Mithi. Vamos indo?
— Claro.
— Meow.
O sino em cima da porta tilintou quando entraram. O calor interno bateu de frente com o ar frio do beco. O chão de madeira era tão lustrado que parecia um espelho. Cortinas de veludo cobriam parte das paredes, abafando o barulho intenso da rua comercial. E o som da música ficou mais alto, notas tocadas com delicadeza — grave, melancólico, sedutor.
O interior era iluminado por lamparinas fixadas nas paredes, que tingiam o ambiente em tons de vermelho e rosa suaves. Ao mesmo tempo, era possível sentir o cheiro de perfume doce e incenso no ar. E no balcão à frente, estava uma mulher ruiva que os observava calorosamente… semi nua?
— Sejam bem-vindos à Lyt-… Ei, ei! Animais não são permitidos aqui dentro. Pode ir saindo. — disse ela, fazendo um gesto de “xispa da daqui” com as mãos.
— Ué, por quê? — protestou Evelyn.
— Regras da casa, querida. Não me interessa quais coisas estranhas você curte, mas o gato fica fora.
— Tsc… tá bom. — resmungou a elfa. — Vou te esperar lá fora, Niko.
Não valia a pena comprometer a missão com uma briga boba. Então ela saiu sem discutir, levando Mithi consigo.
— É cada uma… — suspirou a mulher, voltando o olhar para Niko. — Enfim, como posso te ajudar, garoto?
Niko se aproximou do balcão, encolhido e evitando contato visual.
— Eu só… queria entrar.
— São setenta cêntimos a entrada. Se quiser fazer algo a mais, você negocia o preço com as garotas.
Niko levantou uma sobrancelha. “Como assim, garotas?”, pensou ele. Queria perguntar sobre o que aquilo se tratava, mas estava nervoso demais para isso. Olhou para a recepcionista novamente, tentando não encarar demais a roupa íntima enfeitada.
— Moça… por que você tá sem camisa?
Ela apoiou o cotovelo na mesa e o queixo na mão, sorrindo para ele com preguiça.
— Porque aqui é um lugar pra liberar o instinto, bebê. E nada melhor do que começar na entrada, né? — disse, piscando. — Acho que você vai gostar da Anna.
“Anna?” Niko engoliu seco. Talvez fosse só uma atendente. Ou… talvez alguém com informações. Se aquele lugar servia de ponto de encontro entre mercenários, Anna poderia ser mais do que uma funcionária. Talvez uma cúmplice. Ou uma mensageira. O problema era descobrir isso sem chamar atenção — e sem se perder no caminho.
A porta de dentro do estabelecimento se abriu. Dois homens saíram rindo, visivelmente bêbados. Abriram a porta de saída e desapareceram no beco.
— Mais uma coisa, você vai precisar me entregar isso aí nas costas. Armas não são permitidas aqui.
— Tudo bem… Posso deixar o manto também?
— Claro, gato.
Niko tirou a foice e o manto e os entregou sem encarar a mulher.
— Pode ir. E divirta-se.
…
Enquanto esperava pelo garoto, Evelyn se sentou no degrau da escada, com Mithi no colo. O beco era apertado e um pouco escuro. Se Evelyn falasse que não se importava com aquilo, estaria claramente mentindo. O cheiro da madeira úmida misturado ao odor que escapava da porta atrás de si dava um nó no estômago. Ainda assim, manteve a postura, acariciando Mithi, a única coisa boa naquela situação.
— Logo, logo você vai ter uma nova casa. Ela não é tão grande quanto a sua antiga, mas acho que vai gostar, garoto.
— Meow.
— Eu nunca pensei que teria um gato. Muito menos um colega pra dividir a casa. A vida é cheia de surpresas, não é?
Ela o abraçou com carinho, balançando de um lado para o outro. “Fofo. Muito fofo. Fofo demais!”, pensou com um sorriso meio bobo.
Foi então que dois homens apareceram no topo da escada, visivelmente bêbados. Cambaleavam de um lado para o outro, fediam à álcool e tinham sorrisos idiotas estampados na cara.
Ao verem Evelyn, pararam de rir e apenas a encararam — ainda com os mesmos sorrisos idiotas.
“Ai, ai… vai começar.”
— O que você tá fazendo aí, no chão, boneca? — perguntou um deles.
— Não é da conta de vocês.
— Ah, calma. Só curiosidade. A gente não morde.
— Se eu responder, vocês somem?
— Uhum. — responderam juntos, acenando exageradamente com a cabeça.
— Não me deixaram entrar por causa do gato. Tô esperando meu amigo.
Ela esperava que aquilo fosse o suficiente. Mas não.
— AHAHAHA! — riram os dois. — Você tentou levar um gato pra um bordel?!
Evelyn franziu a testa.
— Nos bares lá de Reiken eles dei-… Pera aí. Bordel?
— É, moça. Isso aqui é um bordel.
— …Eh?
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