Capítulo 49 - O Interrogatório
Ahti foi jogado contra a parede do beco. Evelyn o mantinha preso pelo colarinho do terno, enquanto Niko encostava a lâmina de sua foice no pescoço do homem. Mithi observava a cena do alto das costas de Niko, como se fosse um general felino supervisionando o campo de batalha.
— Olha, se vocês vieram se vingar, saibam que eu não fiz nada! — implorou Ahti, levantando as mãos. — E-eu sou só o canal, o problema de vocês é com o cliente!
— É, a gente sabe muito bem disso. — disse Evelyn, firme. — Só queremos fazer algumas perguntinhas. De acordo?
Niko se aproximou mais ainda, abaixando a foice devagar até a lâmina encostar de leve na pele do ruivo.
— Tudo bem! Tudo bem! Sem problemas!
— O que está acontecendo aqui?! — gritou uma voz vinda da direita.
Niko virou o rosto para a origem da voz, retirando a lâmina da pele de Ahti. Já Evellyn apenas virou os olhos, ainda segurando o homem com força. Era a recepcionista, agora acompanhada por algumas funcionárias e clientes do bordel, todos reunidos na porta, observando a cena, curiosos.
— Só estamos lidando com um rato que tentou matar meu amigo. Nada demais. — disse Evelyn, empurrando Ahti ainda mais contra a parede.
— S-só não matem ele, por favor! — implorou a recepcionista.
— Não te garanto nada. — respondeu a elfa, lançando um olhar frio para o ruivo.
As funcionárias recuaram, pálidas, com os olhos arregalados. Algumas até suavam.
Niko sabia que Evelyn estava blefando. Ela não mataria alguém fora de legítima defesa — e aqui, claramente, eles eram os agressores. Mas ninguém ali sabia disso. Então ele apenas apontou o polegar em direção à Evelyn, ergueu o indicador e balançou negativamente, sinalizando para o grupo que aquilo era só intimidação. Algumas das garotas perceberam o sinal, relaxaram e suspiraram aliviadas.
— Poderiam nos dar licença agora? — pediu Evellyn.
— C-claro… — respondeu uma delas.
As garotas hesitaram por um momento, trocaram olhares e voltaram para dentro, fechando a porta e deixando eles três a sós. Porém, Niko duvidava que aquele grupo de curiosos simplesmente tivesse deixado o assunto morrer. Provavelmente, agora estavam com o ouvido colado na porta, atentos a cada palavra.
Ele baixou a foice um pouco, mas continuou atento.
— Qual é o nome do seu cliente? — perguntou Evelyn.
— Ele era anônimo. Usava capuz, n-nem dava pra ver o rosto direito.
— Tem certeza?
— Absoluta! Juro pela minha mãe!
Niko franziu a testa enquanto pensava. Isso dificultava tudo. Com Ahti, ao menos tinham um nome. Mas com o cliente… nada. Nenhuma pista. Apenas um vulto encapuzado com dinheiro e intenções de matar.
“Quem poderia ser ele?”
Mesmo com o infortúnio, ele tentou uma outra pergunta.
— Onde vocês se encontraram?
— No meu escritório. Ele me procurou lá. Disse que queria o corpo de um albocerno entregue numa localização da floresta, hoje à noite. Eu entregaria o corpo, ele pagaria na hora. A Clementine devia estar comigo na entrega, mas ela sumiu. No fim, acabei topando com vocês aqui. É tudo que sei, juro.
— Quanto ele ofereceu? — perguntou Evelyn.
— Cinco mil Yzakels. Uma bolada, né?
— O quê?! Cinco mil?! — exclamou ela, chocada.
Aquela era uma quantia absurda — mais do que o dobro que ela recebeu pela caçada ao lufador. Quem quer que fosse esse mandante, tinha recursos. E quem quer que fosse Niko antes de perder a memória, alguém queria ele morto com muito esforço.
— Alguém mais estaria na floresta?
— N-não! Só eu e ele. Nem a Clementine ia estar lá.
— Ele mencionou algo sobre ela?
— Nada. Só disse pra pegar o corpo e entregar.
— E a voz? Era masculina ou feminina?
— M-masculina… Bem grave.
Essa era a primeira chance real de contatar o cliente. Um encontro marcado. Tinham um lugar e um horário. Niko não sabia quem encontraria lá. Mas ele tinha uma oportunidade de saber sobre seu passado. Dessa vez, muito mais robusta do que a que teve na floresta. Iria descobrir quem o queria morto e, com sorte, o por quê.
— Você vai levar a gente até o local. — disse Niko.
— O quê?! — Ahti se desesperou.
— No horário marcado. Você vai nos guiar. Algum problema?
— N-não… sem problema.
Após concluir o plano, Niko fez uma breve pausa, tentando pensar em mais alguma pergunta útil. Vasculhou a mente, procurando qualquer detalhe que pudesse arrancar mais pistas sobre o cliente misterioso. Mas nenhuma nova pergunta veio.
— Acho que acabamos. Quer perguntar mais alguma coisa pra ele, Evelyn?
A elfa ficou em silêncio por um segundo, o olhar ainda fixo no homem de ponta nos pés à sua frente.
— Uhm… Como… conheceu a Clementine?
Ahti ergueu uma sobrancelha, surpreso com o tom da pergunta.
— Ah, foi há uns anos. Ela estava procurando trabalho como mercenária. Tinha fama, sabe? Me procurou diretamente. Eu dei uns serviços pra ela. Cobrava as dívidas que não me pagavam e contratos mais arriscados. Ela era boa — muito boa. Fria, mas eficiente. Por que a pergunta? Aconteceu alguma coisa com ela?
Evelyn não respondeu de imediato. O rosto abalado logo endureceu de novo.
— Não é da sua conta. — disse por fim, sem emoção.
Ahti a encarou por um momento, e então soltou um leve suspiro.
— Se não me falha a memória… ela mencionava uma elfa de cabelos brancos quando falava da guerra.
O mundo pareceu parar por um instante. Evelyn ficou surpresa. Sentiu o coração parar por um instante. Seu corpo congelou, mas ainda buscava um meio de voltar a se mover.
Enquanto isso, Ahti continuou:
— Era você, né? A elfa. Ela falava com um certo… peso. Eu não sei o que houve entre vocês duas. Mas sei que ela queria te pedir desculpas — muito. Por ter te abandonado e por… ter “feito o que fez”, seja lá o que isso signifique. Só achei justo te contar. Passar as desculpas dela pra você.
As palavras o atingiram como facas. Mas Evelyn permaneceu ali, estática.
O ar no beco pareceu ficar mais denso. Niko olhou para a amiga e viu algo diferente em seu rosto — os olhos estavam levemente arregalados, mas não em raiva. Havia algo quebrado ali. Um brilho preso, como o de alguém que não queria chorar, mas também não conseguia piscar.
Ela nunca achou que Clementine sentia algo pelo o que fez. Muito menos arrependimento. Na mente de Evellyn, Clementine era uma mulher de aço — fria, calculista, sem espaço para arrependimentos ou memórias. Saber que ela lembrava. Que ela falava dela. Que ela queria se desculpar… Aquilo desmontou parte da muralha que Evelyn sustentava há anos.
Ela soltou Ahti. Não bruscamente, mas com um gesto calmo — como se não tivesse mais forças para segurá-lo. O ruivo caiu de joelhos, apoiando as mãos no chão. Quando ergueu o rosto, viu a lâmina da foice de Niko ainda próxima ao seu pescoço.
— Se você fizer qualquer coisa além do que mandarmos… eu te mato. — disse o garoto, a voz gélida, os olhos fixos como lâminas.
— P-pode deixar. Eu… eu obedeço tudo. Tudinho.
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