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    A dupla seguia pelas ruas de Reiken em direção à Uvenbast, onde encontrariam o cliente da incrível e suspeita missão de cinquenta mil Yzakels. Durante o trajeto, Niko e Evelyn mantiveram um silêncio absoluto. Nenhuma palavra foi trocada. Apenas passos abafados e o som da cidade ao redor foram ouvidos por eles.

    Estavam quase chegando, a poucos metros do bar… quando — PAH! — a porta se abriu à frente dos dois com um estrondo, fazendo ambos recuarem instintivamente.

    — Ele só expulsou a gente! Nem deixou a gente falar! — reclamou um homem alto de cabelos escuros, visivelmente irritado. — Foi perda de tempo ter vindo até aqui.

    — Gente rica é um saco de lidar. — respondeu uma voz lá de dentro.

    O homem virou-se para a esquerda e, ao cruzar os olhos com Evelyn, pareceu genuinamente surpreso. Ela também arregalou os olhos, reconhecendo o rosto à sua frente.

    Mais três pessoas saíram do bar atrás dele. Um deles era um homem musculoso, com a cabeça raspada e uma barba espessa. O segundo era pálido como neve, usava um sobretudo, tinha cabelos loiros e estava com um cajado em mãos. A terceira parecia ser a mais jovem do grupo, uma garota magra, olhos puxados e híbrida de gato.

    — Oi, Gabe. — cumprimentou Evelyn em um tom neutro.

    — Ah, Evelyn… também veio tentar uma fatia desse bolo? Boa sorte. Aquele sujeito é mais rígido que um mármore de cemitério. Duvido que você consiga esse contrato. Devia ir embora. — falou, cruzando os braços e se encostando na parede.

    Niko o analisou em silêncio. O tom arrogante, a pose casual, o olhar enviesado… Se tivesse que apostar, diria que era mais um desafeto da elfa.  Evelyn parecia ter um dom especial para colecionar inimigos — o tipo de gente que deixava um rastro de ressentimento por onde passava. Talvez aquele fosse um deles. Um rival? Um traidor? Um ex-companheiro? Com Evelyn, qualquer possibilidade parecia plausível.

    — Entendido, senhor Bolas Congeladas. Não seguirei seu conselho.

    Ao ouvir o apelido, os colegas de Gabriel soltaram risadas abafadas. Um deles ainda tentou disfarçar, sem sucesso.

    — Por que você sempre lembra disso?!

    — Por que não? Rir de momentos bons é saudável, ué.

    — Momentos bons pra você! Eu fiquei uma semana sem sentir meu saco! Achei que ia precisar ser castrado. Foi um pesadelo!

    Niko apenas observava a cena, confuso. Agora ele tinha certeza que eram velhos conhecidos de Evelyn, mas… “bolas congeladas”? Nem queria imaginar do que se tratava.

    — De qualquer forma, a gente vai tentar o contrato. Não custa tentar, né?

    Gabriel, então, finalmente olhou para Niko — pela primeira vez desde o início do encontro.

    — Ah, não tinha reparado nesse aí. Um albocerno, hein? Você deu sorte, Evelyn. Foi bom rever você, mas a gente precisa ir. Boa sorte aí.

    Os três se afastaram, deixando a entrada do bar livre.

    Niko os observou por alguns segundos, até desaparecerem entre ao virar na esquina. Bom, pelo menos eles não eram inimigos mortais como o garoto imaginava. Ele olhou para Evelyn, depois para a porta, e só então quebrou o silêncio:

    — Quem eram eles, Evelyn? — perguntou Niko, enquanto entravam no local.

    A conversa seguiu enquanto entregavam as armas na recepção: Evelyn deixou o rifle; Niko, sua foice, pistola e manto.

    — Eram meus antigos companheiros de contrato.

    — E por que se separaram?

    — Meus trabalhos começaram a ser cada vez mais individuais, então decidi sair do grupo. — respondeu, casualmente.

    — E você sente falta deles?

    — É… um pouco. Eu gostava daquela época.

    Após deixarem o armamento, seguiram até a mesa 10, encostada à parede. O bar estava bem mais cheio do que na última visita — era hora do almoço, afinal.

    Na mesa, aguardava o recrutador da missão. Um homem jovem, de estatura baixa, aparentemente um pouco mais alto que Evelyn. Usava terno, tinha cabelos escuros e olhos azuis. Lia um livro enquanto tomava chá com movimentos contidos e postura impecável.

    Assim que Evelyn e Niko se sentaram no lado oposto, o homem fechou o livro e repousou a xícara sobre o pires. Tirou um relógio de bolso, conferiu as horas e guardou-o.

    — Bom dia, senhores. — disse, em tom formal. — Meu nome é Gregory. Fui enviado por ordem direta de minha patroa, lady Hyandra, para contratar mercenários para uma missão.

    — A de cinquenta mil? — perguntou Evelyn, com os olhos brilhando.

    — Exato. Mas antes de firmarmos qualquer contrato, preciso avaliar se estão aptos. Entendido?

    — Sim. — responderam os dois juntos.

    Gregory puxou um bloco de notas com detalhes impecáveis e uma caneta tinteira de dentro do paletó.

    — Primeiramente, os nomes.

    — Meu nome é Evelyn. E esse ao meu lado é Niko.

    O homem anotou, escrevendo em letra cursiva.

    — Possuem habilidade com armas brancas, armas de fogo ou almologia?

    — Sim, em ambos os três. Eu sou da família Gélis e o Niko é um independente.

    — Um independente…? Que curioso…

    Niko não se considerava bom com armas de fogo — falhou no estande de tiros naquela manhã, acertando apenas quatro de cada dez disparos.

    — Eu ainda não sou tão bom com armas de fogo, mas estou melhorando a cada dia.

    Evelyn deu um olhar arregalado discreto em direção à Niko, como se dissesse “Isso não é coisa que se fale nesse tipo de situação!”. O garoto apenas se virou para o lado oposto, envergonhado por dizer algo que poderia fazer eles não serem aceitos na missão. Já Gregory não reagiu. Apenas manteve o rosto neutro, não anotando sequer uma palavra daquilo.

    — A senhora élfica mencionou que o garoto é um independente. Qual é a natureza da sua Alma? — perguntou, direcionando o olhar fixamente a Niko.

    — Bom, ela me permite me mover instantaneamente entre locais onde eu tenha contato físico ou uma marca de Alma.

    Niko tirou sua caneta do bolso, mostrou a Gregory, e a fez desaparecer e reaparecer na outra mão usando o Portal.

    — Assim que eu uso meu poder.

    — Impressionante… — comentou Gregory, sem qualquer alteração no tom.

    Guardou a caneta no bolso do paletó e passou alguns segundos em silêncio, observando-os. Evelyn tremia discretamente. Suava frio. Aqueles cinquenta mil significavam muito para ela. Seria uma pena se ela não passasse na entrevista graças à honestidade desnecessária de seu amigo.

    — Muito bem. Vocês se enquadram perfeitamente para essa missão. Considerem-se contratados.

    — YEAY!! — gritou Evelyn, erguendo os braços para o alto, chamando a atenção do bar inteiro. Até mesmo o pianista parou de tocar por um instante.

    Sentindo-se constrangida, abaixou os ombros e desviou o olhar. Esperou até que as coisas voltassem ao normal no lugar.

    — Quer dizer… muito obrigada, senhor, pelo contrato.

    Gregory colocou um papel com um extenso conteúdo sobre a mesa, junto com uma caneta e uma pilha de notas douradas e pretas.

    — Precisarei da assinatura de ambos. E aqui está um adiantamento de cinco mil Yzakels.

    Os olhos de Evelyn brilharam. As mãos foram ao rosto e sua boca se abriu em êxtase diante de tanto dinheiro. Aquele era mais que o dobro pela missão do lufador, dado assim a eles, tão fácil.

    — Claro, senhor. Vamos fazer essa missão!

    Ambos assinaram o documento. Estava selado: a missão de cinquenta mil Yzakels começava ali — e eles eram os escolhidos.

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