Capítulo 60 - O Amanhecer
Niko e Evelyn surgiram sentados em um beco afastado das ruas movimentadas de Gryznóv. Aquele era o ponto seguro que haviam preparado com antecedência: Niko deixou uma marca de Alma ali, por sugestão de Evelyn, para o caso de precisarem fugir com urgência quando não tivessem mais alternativas.
O lugar era silencioso e estreito, cercado por paredes de tijolos vermelhos envelhecidos e um chão de pedras irregulares. Havia caixas de madeira empilhadas, móveis quebrados largados em cantos escuros, portas antigas, algumas grandes lixeiras e um poste de luz oscilando fracamente na esquina.
— Hahahaha! Aquilo foi o máximo! Você é maluco por ter roubado o colar ali mesmo, no meio da rua! — riu Evelyn, ainda ofegante, sentando-se no chão e abraçando os joelhos.
— O plano deu certo. É isso que importa. — respondeu Niko, confiante, de braços cruzados e o peito inflado de orgulho.
— E o colar… tá tudo certo com ele?
Niko puxou com cuidado um objeto dourado de dentro do manto. O colar refletia as poucas luzes da cidade com um brilho limpo e luxuoso. Estava intacto — talvez até mais brilhante do que antes da perseguição.
— Claro que sim. Olha só isso.
— Ufa. Vamos ter o pagamento completo, então.
Evelyn se largou para trás, deitando no chão áspero e com restos neve do beco como se fosse uma cama de grama macia. Ela olhava para cima, para o retângulo de céu visível entre os prédios.
— “VOLTEEEEEM AQUI AGORA! DEVOLVAM O OBJETO ROUBADO!” — imitou ela, entre risadas. — Hahaha! Deixei algumas pessoas bem irritadas, acho que eu não vou poder voltar pra Gryznóv por um bom tempo. Não que eu me importe, é claro.
Niko não respondeu de imediato. Estava apenas aproveitando a calmaria depois de toda a confusão. O contraste entre o caos da fuga e aquele instante de silêncio o fez perceber o quanto havia acontecido em tão pouco tempo.
— E você, Niko? — perguntou a elfa, virando o rosto na direção dele. — O que achou da missão? Eu te chamei porque achei que você ia gostar. Tava certa?
Uma leve brisa soprou da rua, passando pelo beco como um sussurro. O vento tocou os cabelos de Niko, fazendo-os se mover suavemente para trás. Ele fechou os olhos por instinto, sentindo o frescor da noite em seu rosto.
— Eu gostei… Foi emocionante. Me diverti bastante. A parte da perseguição foi bem intensa, mas mesmo assim, divertida. Obrigado por ter me chamado pra essa aventura. Eu… tava mesmo precisando disso. — disse ele, sorrindo com sinceridade.
Evelyn sorriu de volta, sem palavras.
Por alguns minutos, os dois ficaram em silêncio. Apenas escutando a calmaria da cidade. O céu, antes completamente escuro, começava a clarear suavemente, denunciando que o amanhecer se aproximava. Foi então que Evelyn se sentou novamente, com uma ideia clara nos olhos.
— Ei, Niko… quero te mostrar uma coisa.
— O quê?
— É surpresa. Huhum.
Ela se levantou e esticou a mão para o amigo, puxando-o do chão com um gesto animado. Em seguida, deu um salto para alcançar a escada externa do prédio ao lado. Niko tentou imitar o movimento, mas não era tão ágil. Após duas tentativas frustradas, viu a mão de Evelyn novamente estendida, pronta para puxá-lo. Com sua ajuda, ele alcançou o primeiro nível.
Os dois subiram escada após escada, cinco andares acima do beco. O ferro das grades rangia sob seus pés e o frio aumentava conforme subiam. Ao chegarem ao terraço, foram recebidos por uma leve brisa e uma vista silenciosa da cidade. Lá de cima, podiam ver os telhados tortos, as janelas iluminadas, e as luzes dos edifícios distantes piscando como estrelas artificiais.
Evelyn foi até a beirada do prédio e se sentou com os pés balançando sobre o nada. Niko a seguiu, sentando-se um pouco atrás, de pernas cruzadas.
— O que você queria me mostrar? — perguntou ele, curioso.
— Espera um pouco. Você vai ver. — disse ela, com os olhos fixos no horizonte.
Niko não insistiu. Ficou em silêncio, observando ao lado dela. Então, o céu escuro começou a dar lugar a um azul tímido. Um brilho dourado surgiu no ponto mais distante, e em questão de segundos, o primeiro raio de sol apareceu. A luz se espalhou com calma, colorindo os prédios com tons quentes e suaves.
O nascer do sol chegou.
Evelyn fechou os olhos, inspirando o calor suave na pele, sentindo o rosto ser acariciado pela primeira luz do dia. Um suspiro longo escapou da sua boca. Niko, por outro lado, mantinha os olhos abertos, observando a linha do horizonte. Sentia o peito aquecer por dentro. Esta sentindo algo que não sabia o nome.
— Eu queria te mostrar isso. — disse a elfa, com a voz mais baixa, quase devota. — O sol já ia nascer, então… achei que seria legal compartilhar isso com você. Bonito, né?
— Sim… É bem bonito mesmo. — respondeu ele, quase em um sussurro.
O silêncio que se seguiu não era vazio — era confortável. Um intervalo onde nenhuma palavra era necessária.
— Eu já tinha visto o nascer do sol antes, quando acordei naquela floresta. — comentou Niko, sem olhar diretamente para ela. — Naquele dia, eu senti algo estranho… uma espécie de sentimento de novidade, mas também de vazio. Não tinha ninguém pra dividir aquilo comigo. Eu tava sozinho. Sem ninguém pra compartilhar minhas ideias, minhas dúvidas, meus desejos…
Ele deu uma pausa. Por um instante, olhou para baixo e olgo voltou seus olhos para o horizonte.
— Mas agora…
— Você não está. — disse Evelyn, completando a frase, com um sorriso calmo. — Agora você pode dividir tudo isso comigo. Afinal, é pra isso que amigos servem, né? Pra dividir sentimentos. Então? O que você está sentindo agora?
Niko ficou em silêncio por alguns segundos, encarando o céu. Tentava encontrar uma palavra que expressasse o que sentia. Era um sentimento forte e íntimo. Que trazia uma sensação de calor.
Além disso, desde que conheceu Evelyn, sentia algo desconfortável por dentro. Quase que o reverso do que sentia agora. Agora ele sabia o nome daquilo: medo. Um medo de perdê-la. De ficar sozinho de novo.
Observando o dourado do céu, finalmente encontrou a palavra que descrevesse seu sentimento. Inspirou fundo e falou:
— Eu sinto um sentimento… áurico.
— Um pouco específico demais.
— Foi a melhor palavra que encontrei.
Evelyn bocejou, se espreguiçou com os braços para cima e um som abafado na garganta. Depois se levantou, ficou de costas para o nascer do sol, com as mãos na cintura e os olhos semicerrados.
— Toda essa aventura me deu uma fome. Que tal um café da manhã?
— Apoio a ideia.
Antes que Niko tentasse se levantar sozinho, viu novamente a mão da elfa estendida, com o sol brilhando atrás. Aquilo parecia uma pintura. Ele sorriu e segurou a mão da elfa, que o puxou para cima.
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