Capítulo 7 - Os Portões
— …Ev-…-ell-…
Uma voz distante ressoava alguma coisa. Era uma voz acolhedora, calma e calorosa, uma voz que, mesmo não sabendo suas intenções, já era possível deduzir que ela só queria ajudar.
“Quem é? O que está acontecendo?”, esses foram pensamentos jogados ao ar por alguma pessoa que estava naquele local desconhecido, onde tudo era claro e borrado.
— …A gen-… -ir agora! El-…
Novamente, a mesma voz distante falava algo, agora mais alto que antes. A voz parecia alertar a pessoa que estava naquele local desconhecido, primeiro a chamando e depois a alertando sobre a situação. “A gente, o quê? Sua voz é familiar”, a pessoa, que antes considerava aquela voz como desconhecida, agora percebeu que, na verdade, já havia a escutado antes, uma voz que não ouvia há muito tempo, que trazia um sentimento de conforto, paz, amor e nostalgia.
— Mãe? — disse o ouvinte desconhecido, tão silenciosamente que mal era possível ouvi-lo.
— Evellyn, você tem que acordar.
Então, o ouvinte desconhecido abriu os olhos. À sua frente estava um garoto com chifres de cervo, chamando pelo ouvinte desconhecido, enquanto controlava a carroça em que estavam.
“Esse sonho de novo”, pensou Evellyn, que estava com algumas partes do rosto e da roupa congeladas, tirando-as ao passar a sua mão pelo seu corpo, enquanto despertava e se espreguiçava.
— Estou acordada. O que você estava falando, Nikoooo~? — disse a elfa de forma tão sonolenta que acabou bocejando no final de sua frase.
— A gente chegou em uma fila. O que é para fazer agora?
Niko e Evellyn estavam na sétima posição da fila, que era formada por várias carroças e somente uma carruagem.
— Deve ser o pedágio. Deixa que eu resolvo issoooo~.
Niko pegou da mochila de Evellyn uma garrafa metálica e entregou à garota, que bebeu sem nem pensar direito, somente no impulso. Niko pensava que isso a faria despertar melhor, tirando um pouco de seu sono. Parecia que Evellyn voltaria a dormir a qualquer momento e o garoto não podia permitir que isso acontecesse.
— Obrigada, Niko… espera, como você sabia que eu tinha água na minha mochila?
— Eu não aguentei e procurei por mais um devaneio na sua mochila… desculpa.
— Agora são quarenta cêntimos.
Niko havia ajudado Evellyn a despertar, não da forma que imaginava, mas acabou que seu plano deu certo, mesmo que isso fizesse perder o dinheiro que nem tinha ainda.
— Agora é só esperar chegar nossa vez. Ah, Niko, você não tem identidade, né?
O garoto respondeu, balançando a cabeça em forma de negação.
— Nesse caso, vai ser mais difícil. Franell é um país rígido em relação à segurança, principalmente nos últimos dez anos. Acho que você vai passar por um interrogatório para saber se pode entrar na cidade.
— Como é esse interrogatório? E o que acontece se eu não for aceito?
— Você só vai ter que responder umas perguntas e só isso, e se você não for aceito, só usa sua Alma e atravessa a fronteira ilegalmente, fácil.
A naturalidade de Evellyn ao sugerir que Niko cometesse um crime demonstrava bem sua personalidade despreocupada. Ela parecia não se importar com leis ou regras impostas por outras pessoas e fazia o que quisesse desde que fosse de seu interesse, ou seja, ganhar dinheiro.
Passaram alguns minutos e finalmente eles eram os primeiros da fila, onde um portão enorme obstruía a passagem da estrada dos veículos, com uma passagem aos lados que facilmente uma pessoa podia passar e uma cabine onde o operador ficava.
— Estão transportando o quê? — disse o operador. Um homem quase idoso, com cabelos e barba relativamente compridos, além dos seus olhos, que estavam visivelmente cansados.
— Nós estamos transportando um lufador e, caso pergunte, aqui está a licença, junto com meu RI. — disse a garota enquanto levantava as cortinas frontais da carroça, mostrando o cadáver do animal, depois entregando ao homem um papel que havia tirado de sua mochila.
— Uhm, tudo certo. Enquanto ao RI desse moço?
— Eu n- — “Eu não tenho esse RI”, era o que Niko falaria quando Evellyn o cortou.
— Esse cara do meu lado não tem um porque é um vagabundo, sem casa e sem emprego. Eu só decidi levá-lo junto comigo porque senti pena desse coitado.
Niko se sentiu um pouco humilhado com as duras palavras de Evellyn, mesmo reconhecendo que aquilo foi em um intuito de brincadeira. Embora ela tecnicamente não estivesse errada, o garoto não gostou nada daquela brincadeira e queria que Evellyn pedisse desculpas a ele.
— Eu não gostei do jeito que você falou isso, Evellyn.
— Eu menti, mendiguinho? — respondeu a moça, com um sorriso irritante em seu rosto.
Percebendo que nada iria conseguir arrancar um pedido de desculpas de Evellyn, o ser de chifres somente decidiu relevar a situação, que não traria nada além de dor de cabeça.
— Nesse caso, preciso que você responda umas perguntas neste documento para que eu te dê um passe provisório. Odeio quando isso acontece. — disse o operador enquanto entregava um documento a Niko, murmurando a última parte da fala.
Niko pegou o documento do homem. Era uma folha com quinze perguntas, sendo algumas delas sobre seu nome completo, idade/data de nascimento e endereço atual. Obviamente, Niko não sabia a resposta de metade das perguntas do documento, o que o fez ficar preocupado e suar frio. Então, com o resto de calma e confiança que tinha, respondeu da maneira mais sincera possível, pedindo ajuda a Evellyn quando não sabia o que responder.
Niko entregou ao homem o documento preenchido. Quando o operador viu as respostas do garoto, ficou automaticamente com uma expressão facial de confusão. Na parte em que teria que responder seu nome completo, respondeu apenas “Niko”, na idade e data de nascimento “Não sei” e no endereço atual estava uma caligrafia diferente das outras duas respostas: “Na casa da linda garota ao meu lado (Rua Emma Ave, Nº14 ap37)” e as outras doze respostas continuaram nesse mesmo estilo. O cobrador ficou abismado, nunca na vida dele viu algo assim.
— Vocês estão brincando comigo? Como que você não sabe as respostas dessas simples perguntas?
Niko estava muito envergonhado para falar qualquer coisa. Percebendo isso, Evellyn resolveu falar pelo garoto.
— Ele é amnésico. Esqueceu de tudo da vida dele. — disse Evellyn com um sorriso sem graça no rosto.
— Isso é verdade, garoto?
— Eu queria que não fosse. — respondeu Niko, olhando para o chão.
— Esperem um pouco.
O homem pegou um livro que havia em debaixo de sua mesa e começou a lê-lo extremamente rápido ao mesmo tempo em que lia o documento amaldiçoado de Niko.
— Ele está muito sério. Você acha que vai conseguir entrar?
— Eu sinceramente não sei.
Passou-se um minuto e o operador deu um grande suspiro, se preparando para anunciar se Niko poderia entrar ou não em Velikdorf.
— Certo. Você pode entrar. — disse o homem, parecendo que envelheceu mais dez anos somente com esse estresse que passou com os dois.
O cobrador logo puxou uma manivela que tinha dentro de sua cabine que fez o portão abrir, deixando um caminho livre para Niko e Evellyn entrarem de vez na capital.
— E não voltem mais! — falou o cobrador em tom alto à medida que Evellyn e Niko se afastavam do pedágio.
— Pode deixar, senhor!
Após esse momento de ansiedade, os dois ficaram aliviados e Niko ficou mais empolgado do que nunca. Ele, depois de tanto tempo, iria finalmente conhecer a capital.
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