Capítulo 85 - Entrando na Escuridão II
Niko liderou o caminho com uma lanterna de latão em mãos, que iluminava a noite gélida e escura do campo, além de oferecer um pouco de calor aos três. Evelyn e Brigitte seguiam de perto, com o som dos passos sendo abafado pela neve. O frio cortava os rostos, mesmo com os casacos reforçados. E o silêncio do campo era pesado, cheio de uma expectativa invisível.
Então, pararam ao lado direito do celeiro onde os bois mugiam alto e inquietamente, mesmo dias após o ataque. Aqueles sons não eram apenas barulhos aleatórios, eram um testemunho vivo do trauma que os animais haviam presenciado.
Niko ergueu a lanterna, direcionando a luz para a parede lateral do celeiro. Não havia nada demais à primeira vista — tábuas de madeira e pregos envelhecidos — mas então ele ergueu ainda mais a luz, alcançando a linha do telhado. Ali, no ponto mais alto da estrutura, avistou algo curioso: uma janela inclinada, perfeitamente encaixada no telhado. Estava intacta, limpa e fechada.
Seus pensamentos aceleraram. Aquela janela não combinava com a narrativa atual. Se o invasor fosse um ghoul, um híbrido ou até mesmo… um Gorgulante Noturno (Niko não acreditava que estava considerando mesmo aquela hipótese), aquela poderia muito bem ter sido sua entrada. Fazia sentido que ele tivesse escalado e entrado por ali.
— O que você queria mostrar pra gente, chefe? — perguntou Brigitte, com as mãos nos bolsos.
Niko piscou, saindo de seu raciocínio silencioso. Voltou-se para as duas e apontou.
— Aquela janela. Lá no topo. Acho que o invasor entrou por ali. Mas… ela está fechada e não tem marcas de arrombamento…
— O invasor não poderia ter somente aberto ela? — contestou Evelyn.
— Eu não vejo nenhuma rachadura ou marca estranha que indicasse que a trava foi rompida… Não sei como ele poderia ter entrado desse jeito.
Por um instante, Niko sentiu a teoria toda desmoronar dentro da própria mente. Baixou o olhar. A janela estava intacta, sem nenhum sinal de arrombamento. Não havia como o criminoso ter entrado por lá.
Enquanto isso, Evelyn franziu o rosto, como se a resposta fosse óbvia demais.
— Niko… esse tipo de janela não costuma ter fechadura.
Ele voltou seus olhos para cima, pensativo. Sua teoria ainda podia estar certa. Era como montar um quebra-cabeça que as peças foram criadas para parecerem não se encaixar. Ainda assim, existia uma lógica por trás. Complexa, confusa, mas ainda existente.
— Tem certeza?
— Absoluta. Esse tipo de janela usa a gravidade como peso e não precisa… — disse ela, já com um leve tom impaciente. — Usa seu Portal logo e vai conferir, vai, vai.
Niko sacou uma de suas facas. Lançou-a em direção ao telhado e, em um piscar de olhos, seu corpo sumiu, puxado pela aura negra do Portal.
O ar no alto do celeiro era ainda mais frio, e o vento era mais intenso. A luz da lua, parcialmente encoberta pelas nuvens, oferecia apenas um brilho fraco sobre o campo.
Já no alto, Niko se abaixou, passando os dedos ao redor da moldura da janela. Evelyn tinha razão: não havia fechadura alguma. Bastou um puxão relativamente forte para que a janela se abrisse, rangendo levemente nas dobradiças. Lá dentro, o celeiro estava em escuridão total. Mas agora, com a janela aberta, o som dos animais agitados ficou mais claro.
— Você tava certa. — disse ele lá de cima. — A janela não tem tranca e abre bem fácil.
— Eu avisei. — respondeu Evelyn com um sorriso vitorioso, enquanto Brigitte apenas revirava os olhos.
Niko fechou a janela, soltou outra faca, deixando ela cair, e, em segundos, estava de volta ao chão, ao lado delas.
— O invasor escalou o celeiro e entrou por ali. Isso explica como ele entrou. Mas mesmo assim…
Ele se virou, fixando o olhar no velho poço de pedras a poucos metros dali. A tampa, deslocada, ainda chamava sua atenção. Não era apenas aquilo — era uma intuição instintiva, um aperto no estômago que se intensificava toda vez que olhava para ali.
— Acho que tenho uma ideia.
— Você tá falando do poço? — Evelyn já acompanhava seu raciocínio.
— Exatamente.
— Espera aí… — Brigitte estreitou os olhos. — Você acha que tem alguma coisa dentro dele?
Niko encarou as duas, e por um instante seus olhos brilharam em dourado sob a luz da lanterna.
— Só tem um jeito de descobrir.
O trio se aproximou. A tampa, já mal posicionada, foi empurrada por Niko. A escuridão do poço se abriu à frente deles. Era profundo e denso. Niko ergueu a lanterna sobre a boca do poço, tentando iluminar as profundezas, mas não havia nada visível — apenas sombras e um leve cheiro de umidade.
Ele estreitou os olhos. Aos poucos, suas pupilas se ajustaram à escuridão. No fundo, viu a água parada, o que se esperaria de um poço qualquer, cercado por pedras desgastadas… mas então, algo incomum chamou a atenção.
— O que é aquilo?
Havia uma abertura na parede lateral do poço. Uma rachadura larga, com bordas irregulares e arranhadas, como se garras tivessem escavado a pedra. O desgaste ao redor era evidente — algo havia se arrastado por ali mais de uma vez. Aquilo não era natural.
— Tem um túnel lá embaixo. — anunciou, ainda observando. — Parece escavado… e recente.
Brigitte se inclinou sobre a borda, tentando enxergar. Evelyn chegou mais perto, preocupada.
— Isso é sério?
— Muito sério. — disse Niko. — Se eu tivesse que apostar, diria que o invasor saiu dali. É o único caminho escondido o bastante para justificar tudo isso.
Ele se levantou, firme, e ergueu uma faca novamente. Segurando-a entre os dedos com precisão, a lançou em direção ao túnel escuro.
— E só tem uma maneira de saber aonde esse buraco leva.
O albocerno ativou seu Portal e desapareceu, entrando no poço.
Evelyn ficou parada por um segundo, olhando para o vazio com uma expressão entre o cansaço e a exasperação.
— Ele realmente não consegue esperar por nós, né?
— Parece que não. — disse Brigitte, rindo e pulando sem hesitar para dentro do poço.
— Hah… lá vamos nós. — murmurou Evelyn, pegando a lanterna e descendo atrás dos dois, entrando na escuridão.
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