Capítulo 86 - O Covil II
Antes que Niko pudesse terminar sua frase, um estrondo ecoou pelos túneis da mina como um trovão subterrâneo. O som invadiu seus peitos como um soco seco, e as vigas de madeira acima deles rangeram e derrubaram poeira, como se prestes a ceder. O chão tremeu e o ar pareceu vibrar.
— O que foi isso?! — exclamou Evelyn, com os olhos arregalados.
A mente de Niko foi tomada por um único pensamento: Brigitte. Será que ela estava bem? Ela foi atingida por aquilo? Estaria em perigo? A resposta queimava como uma lâmina quente. É claro que ela estava em apuros! A ideia de deixá-la sozinha agora parecia insana. Um plano estúpido.
Niko ativou sua Alma, tentando fazer a garota voltar ao grupo. Esperou… Nada… Tentou de novo… Nada de novo… Um arrepio percorreu sua espinha. A faca… havia sumido?
— Droga! — rosnou, os olhos arregalados.
— O que foi, Niko?
— Eu não consigo mais acessar a Alma da faca que deixei com a Brigitte!
Sem a marca de Alma, não teria como trazê-la de volta. Isso significava que ela estava longe demais para Niko puxá-la, ou pior, sua marca foi destruída. Teriam de agir de outra maneira para trazer Brigitte de volta e rápido.
— A gente precisa agir agora. Ela pode estar correndo perigo nesse exato instante!
Ele não podia simplesmente ficar parado. Era culpa sua que Brigitte estava passando agora. Seu corpo se moveu antes da mente decidir. Suas pernas se mexeram para frente, mergulhando na escuridão da mina.
— Ei! Espera! — Evelyn gritou, mas ele não ouviu. Ou melhor, ouviu, mas não conseguia parar.
Evelyn começou a correr atrás de Niko, enquanto ele avançava pelos corredores estreitos. A lanterna que a elfa segurava estava distante, sua luz mal alcançava Niko. Mesmo com a única fonte de luz ali estando longe dele, o albocerno conseguia ver no escuro com nitidez. Seus sentidos estavam aguçados, o coração batendo com força, as mãos trêmulas. A mente girava em círculos.
Onde ela tinha ido? Para onde ele deveria ir? Ele virou um corredor, depois outro, e outro. Tudo parecia igual. Sombras, poeira, estruturas rachadas. Mesma coisa. Sempre a mesma coisa.
— Niko, espera! — Evelyn gritou. — A gente nem sabe pra onde estamos indo!
Niko parou de repente. Os pés deslizaram na poeira do chão da mina. Ela tinha razão. Ele sabia disso desde o início da corrida. Mas o estrondo o deixou confuso, e o medo que sentia por Brigitte distorceu sua razão. Precisava deixar o medo de lado agora. Precisava ser racional.
Evelyn parou perto dele, respirando com dificuldade.
— Não faz isso de novo. A gente precisa de um plano primeiro. Correr de um lado pro outro não vai adiantar nada.
Niko apertou os punhos com força e mordeu o lábio. O silêncio da mina o incomodava profundamente. Saber que sua amiga estava sofrendo enquanto ele não fazia nada, pois precisava pensar em algo, o irritava muito. Se sentia inútil. Ansioso. Precisavam logo de um plano.
— Tem razão. — murmurou. — A gente precisa encontrar ela logo. Onde será que a Br-
Não conseguiu terminar a frase. Algo o atingiu com força. Um vulto na escuridão. Um peso esmagador caiu sobre seu peito, jogando-o ao chão. Ele sentiu garras rasparem contra seu manto, quase perfurando a pele. A coisa era rápida, brutal e animalesca.
A luz da lanterna de Evelyn caiu ao chão e girou, quebrando o vidro parcialmente e iluminando a cena.
Niko viu uma máscara branca, lisa como porcelana, com grandes olhos ovais e rachaduras nos cantos. A boca serrilhada da máscara se abriu, revelando dentes pontiagudos — reais, por trás da peça — e olhos escarlates que brilharam intensamente ao se encontrarem com os dele.
“O ghoul?”, foi a única coisa que conseguiu pensar.
— Sai de cima dele! — gritou Evelyn.
Com um gesto rápido, ela conjurou um porrete de gelo e o golpeou com força. O impacto lançou o monstro longe, em direção à escuridão. A criatura caiu de pé, deslizando e apoiando-se com as garras no chão, ajoelhando-se em uma postura estranha — entre elegante e bestial.
Niko se levantou de imediato, puxando sua foice, se preparando para o combate.
O ghoul se ergueu. Vestia um longo casaco negro de couro, um colete por baixo e luvas justas nas mãos. Apesar da aparência grotesca, havia uma aura de nobreza corrompida em sua postura.
— Isso me trouxe algumas lembranças… Quase um dejavu. — disse, com a voz seca, grave, e distorcida. — A única coisa diferente é que, da última vez, você não tinha essa elfa ao seu lado.
Niko arregalou os olhos. “Da última vez?” O que ele queria dizer com isso? Mas então Evelyn, com o olhar firme e a temperatura ao redor começando a cair, disse:
— Niko, vá atrás da Brigitte. Eu seguro esse desgraçado.
Ele hesitou. Os olhos carmesim da criatura pareciam puxá-lo para dentro de algum pesadelo antigo. A presença do ghoul era densa como fumaça venenosa. Mas Evelyn estava falando sério.
— Você tem certeza?
— Vai logo! Ela precisa de mais ajuda do que eu!
O dilema desafiava Niko. Deixar Evelyn sozinha era impensável, mas Brigitte estava sozinha contra sabe-se lá o quê. O estrondo parecia ter sido um forte ataque, e o fato de que a faca sumiu o deixava ainda mais inseguro.
Seu instinto gritava para ficar, lutar junto de Evelyn. Mas o tempo estava contra ele. Ele precisava fazer uma escolha — uma escolha já tomada desde que ouviu o estrondo.
Ele lançou um último olhar para a amiga, ela retribuiu com um olhar firme, determinado, girando o porrete levemente em sua mão. Niko deu um suspiro, virou as costas e correu, disposto a encontrar Brigitte.
O ghoul observou-o desaparecer entre as sombras, e soltou um som entre um grunhido e uma risada baixa. Sua voz voltou, estranhamente articulada, como se falasse com algo viscoso na garganta.
— Então você vai ser minha adversária?
— Pode apostar que sim. — respondeu Evelyn, girando o porrete com confiança. Um sorriso se formava em seu rosto. Estava animada para a luta.
O ghoul inclinou a cabeça, com um sorriso por detrás da máscara.
— Vou adorar roer seus ossos depois dessa luta.
Enquanto os dois se preparavam para o embate, Niko corria pelos túneis. A respiração pesava a cada passo. Ele procurava qualquer pista — um som, uma luz, um movimento, qualquer coisa que indicasse que Brigitte estava próxima.
E então viu. Um brilho, fraco, no fim do corredor.
“Uma lanterna?”
Ele correu em direção à luz, esperançoso. Mas quando se aproximou seu corpo enrijeceu.
Não era Brigitte.
Havia duas figuras ali, paradas, imóveis. Usavam roupas e máscaras semelhantes à do ghoul. Elas permaneciam caladas, observando-o. Sem fazer nenhum movimento. Sem emitir nenhum som.
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