Capítulo 87 - A Nevada
— Vou adorar roer seus ossos depois dessa luta.
Evelyn girou o porrete de gelo na mão e o apoiou no ombro, segurando-o com ambas as mãos. O ar ao redor começou a esfriar, fazendo a respiração do ghoul visível.
— Duvido que consiga.
Então, ela avançou. Seu corpo disparou como um projétil, com a força concentrada em cada músculo. O primeiro golpe veio direto na lateral do ghoul, entre o peito e o abdômen. Quando o golpe iria acertá-lo, ele se inclinou para trás com uma fluidez sobrenatural, desviando com facilidade.
Evelyn girou no próprio eixo e atacou novamente, agora de cima para baixo. O impacto rachou o chão de pedra, ecoando com força pelo túnel — mas o ghoul já não estava mais lá.
Evelyn viu apenas um vulto no canto antes de um impacto atingir suas costelas. A dor foi afiada e súbita. Seu corpo foi lançado para trás, girando no ar e batendo no chão. A poeira subiu, fazendo ela respirar e tossir o pó que inalou. Evelyn sentiu sangue em seus pulmões. Respirar se tornou um esforço.
O monstro se aproximava novamente. Ele não atacava como uma besta — seus movimentos eram frios e calculados, quase cirúrgicos. Ela ergueu uma parede grossa de gelo, fechando o túnel e isolando a única lanterna de luz do outro lado. Ganharia segundos, no máximo.
“Que porra foi aquilo? Ele simplesmente apareceu atrás de mim. Nem vi!”, pensou, arfando, a mão pressionando no busto sangrando.
— Pensei que seria mais rápida. — sussurrou uma voz viscosa atrás dela.
O corpo de Evelyn congelou. Um arrepio subiu por sua espinha. “Como ele…?”
Algo quente, úmido e áspero tocou sua nuca — a textura lembrava um pano molhado. Veio com um som de respiração pesada. Em um reflexo rápido, ela girou, o porrete veio junto em um ataque lateral violento, mas o responsável pelo toque já havia desaparecido.
— A carne do seu pescoço é bem macia. — disse a voz, agora mais à direita. — E você tem um aroma ótimo também.
Ela girou, olhos arregalados. “Como ele está aqui? Eu o tranquei atrás da parede… Ele passou por mim? Quando?!”
— Além disso, senti um toque salgado. Suor. Pela adrenalina. Você está com medo?
Ela deu um passo para trás, a mandíbula tremia e o coração martelava dentro do peito, sua respiração era irregular. Estava, sim, com medo. Nunca tinha se sentido assim. Nem mesmo contra Hyandra.
Hyandra era mais forte. Mais experiente. Mas seus ataques podiam ser vistos. Antecipados. Além de que, pelo menos, mantinha distância. O ghoul não. Era diferente. Invisível, como uma sombra viva. E cada fala da criatura parecia ser uma corrente apertando seu coração.
Evelyn rangeu os dentes de frustração. “Medo? Por quê? Por que estou com medo?” O medo da garota acabou na hora em que se questionou do porquê estava com medo. Não queria estar com medo. Ela não podia estar com medo. Não agora. Não aqui. Se tivesse medo não demoraria muito até que seus amigos sofressem com sua covardia.
Ela renunciou a esse sentimento. O tremor no corpo virou fúria. O corpo logo começou a queimar de raiva.
— Eu não estou com medo. Só ansiosa para arrancar sua cabeça e levar para o Sigurd e ganhar uma boa recompensa por ter te matado!
Avançou para a criatura com passos firmes e determinados. Criou uma lâmina de gelo — longa e curva como uma antiga espada Khalidica, reluzente à escassa luz dourada da lanterna. Ela atacou com um golpe vertical de baixo para cima.
O ghoul desviou, mas Evelyn já esperava por esse movimento. Girou o punho no último instante, mudando a trajetória. A lâmina rasgou de raspão suas costelas, fazendo a ponta da lâmina ser pintada de vermelho.
— Hah! — sorriu, os olhos brilhando de emoção. Seu ataque finalmente teve efeito. Por um momento, sentiu que podia vencê-lo. Se ele sangra, então pode morrer!
O ghoul recuou meio passo. Em vez de recuar ou reagir com fúria, ele apenas… riu. Um som baixo, arrastado e distorcido, que reverberava nas paredes da caverna.
Ele passou a mão na ferida, vendo o sangue tocar a pele com prazer e a levou à boca. A boca da máscara se abriu. A língua lambeu o sangue devagar.
— Quatro anos, sete meses e dezenove dias. Esse foi o tempo que alguém me feriu pela última vez… Kiha, kiha, kiha. Ah… tinha me esquecido dessa sensação. É tão… boa. Dor é algo que me faz sentir vivo.
Evelyn não queria saber das bizarrices que o ghoul dizia. Bateu o pé no chão com força, conjurando espinhos de gelo em todas as direções, cercando a criatura no centro da caverna, limitando seus movimentos. Era sua chance. Avançou com fúria, mirando um golpe direto no pescoço do monstro.
…Rápido demais. O ghoul desviou de todos os espinhos, se abaixou no ataque de Evelyn no último instante e, com um movimento repulsivo, agarrou a perna da elfa com suas duas fileiras de dentes que tinha — os orgânicos e os da máscara.
— O QUÊ?!
Antes que ela pudesse reagir, o ghoul puxou com brutalidade. O mundo pareceu girar. Sentiu uma pressão esmagadora na perna, tão intensa que soltou sua arma por reflexo. Um estalo seco cortou o silêncio da mina. Mas a dor… nunca veio.
Em vez disso, Evelyn caiu para trás, sentindo o chão contra as costas. Seu cérebro levou um segundo para processar.
O ghoul estava parado bem à sua frente. Segurando algo na mão. A perna dela… ou melhor, sua prótese. O silêncio pesou no ar. A criatura observou o objeto com atenção, confuso, depois voltou os olhos para ela.
— Ah… então já quebraram você antes. Que pena. Odeio isso. Odeio ficar em segundo lugar.
Evelyn ficou sentada, tremendo. O suor descia em gotas, o choque enrijeceu cada músculo. Mesmo sendo uma prótese, vê-la arrancada daquela forma abriu uma ferida antiga. Trouxe de volta lembranças horríveis — memórias da guerra, do momento em que perdeu a perna… e um amigo. Tudo no mesmo segundo.
O ghoul deu um passo, se agachou ao lado dela e colocou a prótese no chão. Com uma calma perversa, passou os dedos frios pelo rosto dela, que ainda mantinha a boca entreaberta, sem forças para reagir de qualquer forma.
— Antes, você parecia tão confiante. O que mudou? Por que agora você não está mais confiante? Por que virou uma presa tão fácil de ser devorada?…
Evelyn tentou recuar, se arrastar, se afastar daquele monstro, mas seu corpo não respondia. Estava travada, presa na própria mente. O ghoul inclinou a cabeça, seus olhos escarlates brilhavam com intensidade. Chegou ainda mais perto, até que ela pudesse ver sua boca se mover atrás da máscara.
— …Foi algo que eu fiz? O jeito que fiz? Ou foi por causa da sua perna? Ela te lembrou de algo? Um amigo? Ou talvez… um familiar?
A raiva explodiu dentro dela. Ele não tinha direito de falar de algo tão pessoal com ela. Não sabe nada sobre ela. Não sabe o que aconteceu. Não sabe quem ela perdeu.
Com o que lhe restava de força, Evelyn conjurou uma estaca de gelo e tentou perfurar o peito do monstro. Mas o ghoul apenas segurou a lâmina com as mãos nuas. O sangue escorria por entre os dedos, se misturando ao frio do gelo.
— Ainda tentando lutar? Admirável. De verdade. Eu não esperava por isso. Admirável… mas inútil.
Ele a agarrou pelo colarinho e a ergueu no ar com facilidade. Seu rosto se aproximou do dela — os olhos eram como brasas vivas em uma escuridão absoluta.
— Eu adoraria continuar brincando com você. Mas… não agora. Ainda não. E, pra ser honesto, você me decepcionou. É sua culpa que o show acabou antes do previsto. Vou precisar de um tempo pra tirar esse gosto horrível da boca.
Então, a soltou. Evelyn caiu pesadamente no chão. O ar fugiu de seus pulmões na queda. Estava respirando com dificuldade. Parecia que seu coração iria parar de bater a qualquer momento.
O ghoul recuou, frustrado com o resultado da batalha. Não havia prazer em despedaçar algo já danificado. A simples ideia de arrancar os membros de alguém quebrado já o deixava com nojo.
Sem dizer mais nada, desapareceu na escuridão da mina. Enquanto isso, Evelyn ficou ali. Imóvel. Tremendo. Assustada. Completamente derrotada. Agora, abraçando sua prótese.
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