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    Niko sentiu novamente um arrepio percorrer sua espinha. O que mais o incomodava era a possibilidade de Väinö estar certo. O garoto odiava admitir, mas as palavras daquele homem tocavam algo dentro de si, algo enraizado demais para ser ignorado. Ainda assim, isso não significava que confiaria neles.

    — Digamos que eu acredite em você por um instante. — disse Niko, tentando manter a firmeza. — O que exatamente vocês querem de mim?

    — Apenas que você volte à nossa família. — respondeu Dahlia, enfim quebrando o silêncio. Sua voz era doce, quase hipnótica, carregada por uma calma incomum, como se falasse com um velho amigo. — Você faz falta. Você foi arrancado de nós pelos nossos inimigos. Só queremos que retorne às nossas vidas. Foi tudo tão… injusto.

    — Se retornar à Skarshyn, podemos ajudar você a lembrar quem realmente é. Tentar trazer suas memórias de volta. — completou Väinö.

    — Isso é uma oferta?

    — Sim. — ele respondeu. — Uma proposta honesta. Volte para nossa família e nós faremos você lembrar de quem de fato é.

    Era ridículo. Tudo isso era ridículo. Insano. Como podiam falar em família? E por que só agora haviam feito contato direto? Por que não o buscaram antes? Desde que ele acordou naquela floresta, ninguém havia vindo atrás dele — até agora.

    Além disso, era provável que fossem responsáveis pela morte de várias pessoas. Clementine, Ahti, o Cliente, Gregory, Hyandra… Ele não tinha provas, mas sentia que aquela organização era responsável pela morte de todos eles.

    Pensando melhor, talvez aqueles mortos fossem inimigos da Skarshyn. Talvez aquelas mortes fossem parte de um plano para protegê-lo. Mas não tinha como saber. Não havia evidência, nem clareza, só mais perguntas. A única forma de descobrir seria se infiltrando e pegando informações. Mas Niko não faria isso… Não agora.

    — Eu recuso a oferta. — disse Niko, seco, sem hesitação.

    Ele esperava alguma reação. Um avanço. Um ataque. Qualquer sinal de ameaça. Mas os dois permaneceram imóveis. Não houve nenhuma faísca de raiva. Nenhum músculo tenso. Apenas o mesmo silêncio incômodo de antes.

    — Isso… é uma pena. — disse Dahlia, com a voz melancólica, quase maternal. — Sua presença em nossa organização… teria sido maravilhosa.

    Mesmo com o tom triste da mulher, Niko se manteve firme. Ou quase isso. A convicção que teve no começo começava a se desfazer por dentro. Ele estava voltando a pensar.

    E se estivesse sendo irracional?

    Desde o dia em que acordou perdido na floresta, seu objetivo sempre foi encontrar respostas. Era isso o que mais queria. E agora, quando finalmente tinha uma oportunidade de descobrir algo sobre sua vida passada, simplesmente jogava fora?

    Väinö pareceu perceber a hesitação.

    — Bom… caso mude de ideia — disse ele, dando um pequeno passo para trás —, estaremos no mesmo lugar daqui a dez dias. Só dez. Nos vemos em breve… espero eu…

    E então, sem aviso, a lanterna nas mãos de Väinö se apagou. A escuridão preencheu os túneis como uma cortina espessa, engolindo as duas figuras instantaneamente.

    — Espera! — gritou Niko, esticando o braço, como se tentasse alcançá-los no vazio.

    Mas era inútil. Seus olhos demoraram para se acostumar à escuridão. E quando finalmente voltaram a enxergar algo, os dois já haviam sumido.

    Ele permaneceu parado por alguns segundos. Ainda estava digerindo tudo o que havia acontecido. Nada fazia sentido. Mas não podia se dar ao luxo de continuar parado. Brigitte ainda estava sozinha, em perigo. E Evelyn estava enfrentando o ghoul.

    Ele guardou a arma nas costas, girou nos calcanhares e começou a correr pelos túneis escuros.

    Sua mente estava como um campo de batalha. Parte dele queria correr atrás de Väinö e Dahlia, exigir respostas. Outra parte sabia que Brigitte era a preocupação do momento. E no fundo de tudo, ainda havia Evelyn — e o ghoul. Três urgências. Três riscos. Três incertezas. Não sabia o que fazer primeiro. Mas ele correu mesmo assim. 

    Virando uma das esquinas, viu uma luz amarela no fim do corredor. Aproximou-se rapidamente e encontrou uma figura conhecida: uma garota encostada na parede, com a mão sobre o abdômen e uma lanterna caída ao lado.

    Cabelos brancos. Cicatrizes no rosto. Orelhas pontudas.

    — Evelyn! — Niko correu até ela. — Você tá bem? O que aconteceu?

    Ela soltou um longo suspiro e ergueu os olhos para ele, forçando um pequeno sorriso.

    — Aquele ghoul era mais forte do que eu esperava… mal consegui arranhar o maldito… Já ele… — disse, olhando para baixo.

    Niko acompanhou o olhar  da garota e viu. Onde antes havia uma perna fabricada, agora restava apenas o cotoco da canela de Evelyn, que se movia levemente.

    — …ele arrancou e quebrou minha prótese. Não que eu me importe muito. — murmurou, tentando desviar o foco. — Afinal, é só criar uma perna provisória de gelo. Mas… ele ter feito aquilo me machucou… Me machucou bastante…

    Niko sentiu o sangue ferver. Uma raiva destrutiva que nunca sentiu antes. Evelyn estava ferida. Chateada. Desgastada. Aquele monstro não tinha o direito de deixá-la assim. Mas não adiantava se enfurecer agora. O ghoul já havia desaparecido. O foco agora era Brigitte. Com esforço, suprimiu a raiva.

    — Que droga… Você consegue andar?

    Um brilho azul surgiu na perna dilacerada de Evelyn. Em segundos, uma nova perna feita de gelo se formou. Uma perna brilhante, translúcida e firme.

    — Agora eu consigo. — disse ela, com uma risada fraca. Mas os olhos não acompanhavam o tom. Eles ainda estavam cheios de dor. — E você? Aconteceu alguma coisa?

    — Eu encontrei duas pessoas… — Niko começou, mas hesitou.

    Ele poderia simplesmente continuar a história e depois perguntar: “Evelyn, o que você sabe sobre a Skarshyn?” Mas não conseguiu. As palavras morreram antes mesmo de serem formadas.

    — E…? — Evelyn ergueu uma sobrancelha, esperando que ele continuasse.

    — Eles também estavam atrás do ghoul. Eram outros mercenários… mas não disseram muita coisa. Foi… estranho.

    — Espero que a gente encontre esse ghoul antes deles. Assim o pagamento é todo nosso. Mas pra isso… precisamos da Brigitte. Ela é a nossa carta mais forte! — Evelyn empalideceu. — Droga! A Brigitte! Eu tinha esquecido dela! Vamos, Niko!

    Niko assentiu. Os dois começaram a correr pelos túneis, Evelyn iluminando o caminho com a lanterna quebrada. A cada passo, os corredores estreitos os levavam para mais fundo — mais perto da verdade.

    Após alguns minutos de corrida, avistaram uma escada de madeira cravada na parede. Evelyn agarrou os degraus e subiu primeiro. Niko veio logo atrás, atento a cada som, a cada sombra.

    No topo, saíram de um arbusto. O ar fresco da noite os envolveu com uma fria lufada. Mas algo estava errado.

    Havia uma floresta diante deles — mas o cheiro de queimado era forte demais. Havia um calor estranho. Árvores estavam caídas, queimadas e retorcidas. Uma linha reta de devastação rasgava o cenário como se algo colossal houvesse passado por ali. Uma trilha de destruição pura.

    Evelyn ficou em silêncio, paralisada. Niko apertou o cabo da foice. Sentiu o coração pesar. “Brigitte passou por isso?”, pensou ele.

    — O que diabos aconteceu aqui? — murmurou Evelyn.

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