Capítulo 97 - O Sonho
A praça da vila estava cheia. Quase todos os moradores haviam se reunido para assistir ao tão esperado show de marionetes de Janric, o apresentador nômade que montava suas peças ao ar livre.
Era final de tarde, e a luz do sol dourava as bordas dos telhados e o topo das árvores. Ao redor da praça, barracas de comida exalavam aromas quentes. No centro, estava uma carroça colorida cercada por cadeiras já ocupadas. Panos coloridos pendiam entre estacas, bandeirolas bordadas balançavam com o leve vento e uma cortina vermelha improvisada escondia o palco de madeira do “Teatre dels Fantasiás”.
Brigitte escolheu seu lugar e se sentou entre os pais. Suas pernas balançavam no ar, com os olhos fixos na carroça. Já tinha visto peças de marionete antes — histórias simples, bobas até, sobre fazendeiros atrapalhados, gansos falantes ou pescadores azarados. Aquelas apresentações nunca causaram mais do que um bocejo. Estava indiferente quanto à apresentação. Só estava lá pela comida e por ser um dia especial para a vila.
— Dizem que hoje é a história da Princesa Âmbar. — cochichou a mãe, ajeitando os fios do cabelo da filha atrás da orelha. — É uma história antiga. Meu avô sabia de cor.
Brigitte nunca ouviu falar daquela princesa. Mas o nome, misterioso e cintilante, acendeu algo dentro dela — uma faísca de curiosidade, que logo virou pergunta.
— Como é a história?
— Se eu contar agora, perde a graça. — respondeu a mãe, com um sorriso.
— É só esperar um pouquinho, filha. Já vai começar. — disse o pai.
As lamparinas em torno do palco foram acesas à medida que o sol se escondia por completo. A plateia crescia em silêncio. Um homem de chapéu largo e colete subiu na carroça, segurando um bastão fino com um pequeno sino pendurado.
Plim-plim-plim!
— Boa noite, senhoras e senhores, crianças e adultos de todas as idades! — anunciou ele, com voz teatral. — O Teatre dels Fantasiás apresenta, nesta noite, uma história de coragem, luz e esperança. A lenda da Princesa Âmbar!
Brigitte olhou para o lado, para a mãe, de boca aberta. Estava impressionada com seu acerto. “Como será que ela adivinhou?”, pensou a menina.
Um som suave de flauta cortou o ar. As lamparinas se apagaram no mesmo instante, mergulhando a praça na escuridão. Os olhos de Brigitte se arregalaram. Suas mãos pequenas apertaram as bordas da cadeira. Sem perceber, inclinou-se para frente. Não sabia explicar, mas estava tomada por um estranho fascínio. Por algum motivo, aquela peça era… diferente.
Então, uma única luz lilás brilhou atrás da cortina. Ela projetou sombras em uma lona translúcida ao fundo do palco. E ao som de uma melodia crescente, a história começou.
Há muito tempo, o céu se apagou por sete longos invernos. Nesse tempo, nenhuma estrela nasceu. Os bardos se calaram. E os lobos uivavam sem propósito, apenas para um céu mudo. Uivando como se implorassem para que a luz voltasse novamente. O mundo mergulhou em trevas… pois Umbral, o rei da escuridão, havia enforcado o Sol na árvore de ferro, e roubado toda a luz.
Um trovão metálico ecoou — o som de uma chapa sacudida nos bastidores. Algumas crianças tamparam os ouvidos, outras fecharam os olhos.
A sombra de Umbral surgiu na lona: ele tinha chifres longos, mãos como galhos retorcidos e olhos vermelhos, igual ao fogo do inferno. Ao seu redor, marionetes tremiam, encenando o medo do povo com a chegada daquele rei sombrio.
E foi nesse tempo sem aurora que nasceu Âmbar. Sem mãe. Sem pai. Uma criança caída do céu, envolta em uma concha de luz dourada. Nascida do restante da escuridão para um único propósito: derrotar Umbral e devolver a luz ao mundo. Devolver a esperança para as pessoas.
Uma marionete desceu do alto, envolta em um tecido dourado que levemente cintilava. Tinha cabelos azul-escuro e uma marca em formato de espiral brilhando no peito.
Ela estava sozinha… Não tinha ninguém para guiar a recém-chegada princesa da luz. Sem guia. Sem mapa. A recém-chegada princesa da luz não sabia como vencer a escuridão. Ela não tinha ideia de como concluir seu objetivo. Ali mesmo, refletiu sobre seu propósito… pensou em desistir…
— Oh, senhorita! — ecoou uma nova voz.
Outra marionete apareceu, surgindo ao lado da princesa: um cavaleiro de capa longa e uma alta espada nas costas.
— O que faz uma criança como tu em um lugar tão desolado e esquecido? — perguntou o cavaleiro.
A princesa Âmbar ergueu lentamente a cabeça. Os fios que a seguravam tremiam com delicadeza, como se ela mesma hesitasse em se mover. Como se estivesse viva de verdade.
— Estou perdida. Sou filha do Sol, enviada para trazer luz ao mundo. Mas… não sei como concluir minha finalidade… Acho que falhei em minha missão à terra…
A marionete do cavaleiro moveu-se com uma firmeza exagerada, rígido como o metal que usava, ajoelhando-se diante dela.
— Como falhaste? Teu coração ainda pulsa. Então tua missão ainda vive. Tem de viver. Sou Vantrel, o cavaleiro errante. Jurei proteger o reino. Se dizes que é filha do sol, então podes deter Umbral. Neste caso, eu, minha princesa, irei contigo até o fim de tua jornada. Serei teu guia. Teu escudo. Teu cavaleiro.
Brigitte arregalou os olhos. “Mas… por quê?”, pensou ela. “Por que ele jurou isso? Ele nem conhece ela. Como pode seguir alguém assim, do nada?”
Âmbar abaixou a cabeça, os fios do boneco caindo como se pesassem mais do que podiam sustentar.
— Eu não pedi por este fardo, cavaleiro… Não sei lutar… Mesmo que soubesse… por que eu? O mundo já mergulhou nas sombras… Talvez seja tarde demais para salvá-lo…
Vantrel não respondeu de imediato. Abaixou a cabeça e cravou a espada no chão. Um som seco de metal ecoou.
— Porque só você pode trazer a felicidade de volta. Porque ainda há crianças que choram no escuro. E você, minha princesa… pode evitar isso. Somente a senhorita pode!
As cortinas de trás do pequeno palco se abriram, revelando pintura escura e ondulante representando o Reino de Umbral: torres quebradas, rios pretos e um céu sem lua e sem estrelas.
Brigitte franziu a testa. “Salvar todo mundo? Somente ela e ele? E se a princesa falhar?”
Âmbar olhou para a vila destruída, horrorizada com tal paisagem. Depois, olhou para as próprias mãos — pintadas de dourado, tremendo sob os fios. Então deu um passo. Depois outro. E ergueu o rosto.
— Se eu puder evitar uma única lágrima… então vale a pena lutar por este mundo.
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