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    Um arrepio gelado percorreu a espinha de Brigitte, como se uma força invisível tivesse atravessado seu corpo, chamando sua atenção. Uma parte dela queria responder: não vale tanto risco. Mas outra, escondida lá no fundo — pequena como uma semente recém-brotada — começava a entender a princesa.

    Vantrel ergueu a espada.

    — Então vamos, minha princesa. — disse o cavaleiro, com a voz firme. — Até o último passo, vencer Umbral.

    A luz do palco piscou três vezes. O som grave de tambores ecoou da carroça. As cortinas se fecharam por um instante e se abriram para revelar um novo cenário: um vale cinzento, repleta de árvores secas com teias enfeitando os galhos.

    E assim começaram os passos da lenda. A princesa da luz e o cavaleiro do povo cruzaram florestas esquecidas, enfrentaram as Bocas de Névoa, o Cão de Ossos e as Lágrimas de Vidro.

    Pequenos bonecos surgiam para cada desafio: monstros de olhos costurados, sombras que rastejavam pelo chão e criaturas que pulavam em volta dos heróis, cuspindo fumaça e lançando sombras que arranhavam o ar.

    Cada luta era rápida e precisa. A dupla de heróis estava em forte sinergia, mesmo se conhecendo a pouco tempo. Duas pessoas diferentes, com objetivos iguais, podem se tornar um só.

    Brigitte assistia com os olhos brilhando. “Ela luta mesmo com medo…”, pensou, “…mas por quê? Não seria mais fácil se esconder e esperar a luz voltar sozinha?

    A princesa hesitava no início de cada batalha, mas, a cada vila libertada — com lamparinas acesas, crianças dançando e moradores erguendo bandeiras douradas — o sorriso da princesa crescia, junto com sua confiança. Junto com a esperança que crescia no mundo.

    A cada passo, a luz voltava a brilhar nas janelas dos perdidos. A cada vilarejo salvo, um novo canto se erguia. ‘Maldita seja a luz que desafia minhas forças!’, dizia Umbral, temendo pelo seu reinado de horror.

    Brigitte observava as marionetes sorrindo, as vilas celebrando, as mãos unidas do povo e entendeu, finalmente entendeu: eles estão felizes… por causa dela.

    Um novo cenário se ergueu no palco: lá estava a Árvore de Ferro, seca e retorcida, e sob suas raízes, estava ele. A sombra que roubou a luz. O rei da escuridão. O demônio Umbral.

    E toda luz cria uma sombra… E nas profundezas do fim do mundo, Umbral aguardava os heróis. O guardião do silêncio e inimigo da esperança… Desse modo, a batalha final começou.

    Entre golpes sem efeito, a sombra cresceu, dominando o palco. Vantrel caiu logo nos primeiros golpes, deixando Âmbar sozinha. Não havia saída. Não havia esperança.

    Brigitte apertou os joelhos. “Não é justo… ela fez tudo certo… salvou todos… e mesmo assim ficou sozinha… vai perder.

    Mesmo diante da derrota, a princesa ergueu o rosto esperançoso para o céu.

    E quando tudo parecia perdido… Âmbar lembrou-se dos sorrisos. Dos rostos salvos. Das mãos unidas.

    — Basta!, disse ela, forte. 

    Quando a frase reverberou pela sua mente, que a filha do sol finalmente compreendeu…

    Ela esticou o braço. A espiral em seu peito brilhou com uma luz dourada intensa, tingindo o palco. Um estalo abafado ecoou, e um raio amarelo explodiu para cima.

    As crianças da plateia gritaram de surpresa, os mais velhos arregalaram os olhos e Brigitte sentiu os pelos dos braços arrepiarem.

    …que a luz não precisava pedir permissão para existir.

    Faixas douradas surgiram por trás da cortina como rajadas — arremessadas para o alto por varas, elas cortavam o ar e ondulavam pelo palco como serpentes celestiais. Giraram em espiral ao redor de Umbral, que agora se contorcia como se estivesse sendo queimado por dentro. Queimado pelos pecados que cometeu.

    — O quê?! Que poder é esse?! — gritou o lorde, com a voz mais aguda do que devia, abafada pelo som das faixas que o envolviam.

    A sombra estilhaçou-se em um milhão de partes. Pedacinhos escuros voaram pelo palco, raspando a madeira e caindo como pó. Um por um, os olhos vermelhos de Umbral foram apagando. A personificação do horror caiu.

    A Árvore de Ferro, antes retorcida e seca, se desfez, suas raízes deram lugar a uma estrutura coberta por folhas de seda, verdes e suaves ao olhar. Frutas douradas surgiram, penduradas por finos fios brilhantes.

    O palco, que instantes antes era dominado por sombras, foi tomado por um clarão puro e contínuo. As lamparinas se acenderam no mesmo instante, como se todas tivessem aguardado aquele comando.

    A cortina do fundo ergueu-se e revelou uma pintura à mão: um horizonte limpo, campos dourados ao longe e, mais além, uma torre de vidro reluzente.

    Vantrel ergueu-se aos poucos, rangendo as juntas dos fios. Estava ferido, não conseguia se manter de pé. Então, um sorriso sincero escancarou seu rosto de madeira. Era a princesa. Âmbar, ainda frágil, estendeu a mão. Ele a segurou com firmeza, se levantando.

    E assim… nasceu a lenda da princesa caída do céu. A que salvou o mundo da escuridão e devolveu a luz ao povo.

    O público explodiu de emoção. Aplaudiram com vontade, crianças gritaram e os adultos bateram palmas. “Bravo!”, “Bravíssimo!” — as vozes acompanhavam os aplausos que pareciam varrer a praça inteira.

    Janric apareceu, erguendo o chapéu, seguido pelos dubladores de Âmbar e Vantrel, todos se curvaram em agradecimento. A sensação era de um banho de sol quente depois de um inverno rigoroso.

    Brigitte, porém, não bateu palmas. O barulho chegava a ela, mas ela não parecia ouvir. Seus olhos estavam presos aos bonecos e ao palco que tornaram a história da princesa possível.

    Finalmente compreendeu. Compreendeu as ações e desejos de Âmbar.

    Mesmo depois de sofrerem tanto, eles estavam sorrindo. Ela que fez isso. Ela deu esperança para eles… Eu quero fazer isso também.

    Um estalo, quase tímido, vibrou na ponta dos seus dedos — uma pequena fagulha surgiu nos dedos. Brigitte olhou a mão como se acabasse de descobrir algo um segredo preso à sua Alma. Uma vontade que tinha acabado de nascer ali.

    — Mãe, pai… — disse em voz baixa. — Eu quero ser que nem ela.

    Os dois se voltaram, os rostos estavam iluminados pelas lamparinas.

    — Eu quero ser uma heroína! — completou Brigitte, com um grande sorriso no rosto.

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