Oi! aqui é a autora, espero que estejam bem, que estejam gostando da historia! dito isso p proximo capitulo sai dia 11
Capitulo 12
O quarto de Panacéia era o mais organizado do navio. Ela e Asteria o haviam transformado em uma mini carpintaria, onde cada ferramenta ocupava um lugar preciso, sempre pronta para ser usada. Agora, porém, a ordem do espaço contrastava com o silencio que pairava no ar.
O cheiro denso de ervas medicinais misturava-se ao ferro do sangue. Panacéia jazia em sua rede, o rosto outrora vibrante agora pálido como a lua. Veias negras serpenteavam do ombro ferido até o pescoço, pulsando sob a pele como raízes envenenadas.
Madoc, ajoelhado ao lado dela, tentava extrair o veneno com magia de água. Gotículas cintilantes pairavam sobre a ferida, mas, assim que tocavam a pele da fada, dissipavam-se em névoa. Uma força invisível o repelia a cada tentativa, permitindo-lhe retirar apenas algumas gotas da substância negra.
— É inútil — resmungou, secando o suor com o dorso da mão. — Esse veneno não é comum. É destilado de pesadelos.
A lamparina de óleo de águas-vivas balançava suavemente com o movimento do navio, projetando sombras ondulantes nas feições angulosas de Madoc. Ele ergueu um pequeno frasco, observando o líquido escuro extraído da ferida. A substância pulsava como um coração à beira do colapso.
Na soleira da porta, Vênus segurava uma bacia de água, os dedos crispados na borda. Ela mordia o lábio inferior, o gosto de sangue se misturando ao amargor da impotência.
Nix, por sua vez, permanecia imóvel, o olhar fixo na mulher agonizante. Sua mente fervilhava, mas apenas uma solução lhe parecia viável. Virou-se para os outros, a expressão dura como pedra.
— Vamos arrancar a verdade daquele bastardo! — rosnou Mathew, apontando o polegar para o homem amarrado no mastro. — Ele disse que sabe o antídoto, não?
— Soltem ele.
— Você tá maluca?! — Mathew bloqueou sua passagem, olhos faiscando. — Ele é um parasita de Spades!
— E nós somos o quê? — A cauda de Nix estalou contra o chão como um chicote. — Assassinos. Ladrões. Sonhos. Se ele sabe como vencer pesadelos, vou drená-lo até que não reste mais nada.
Ela se virou para Madoc.
— Traga-o.
Madoc não hesitou. Antes que Mathew pudesse reagir, seus dedos ossudos se fecharam no colarinho de Lucius, arrancando-o do mastro com um puxão seco. O príncipe engasgou, mas Madoc o ignorou e o arremessou para dentro da cabine. Lucius tropeçou, as botas escorregando no sangue seco.
— Que recepção calorosa. — Ele ajustou a camisa rasgada com um gesto teatral. — Então, finalmente admitiu que precisa de mim? Devo cobrar um beijo ou um reino em troca?
Ao lado da rede onde Panacéia agonizava, Nix ergueu o rosto manchado de sangue. Os olhos turquesa brilhavam como lâminas sob a luz mortiça da lamparina.
— Mudei de ideia. Jogue-o num vórtice.
Mathew não precisou de mais incentivo. Agarrou Lucius e começou a arrastá-lo de volta para o convés.
— Não, não! Calma! — Lucius se agarrou à porta, os dedos branquejando de esforço. — Eu ajudo! Sem truques!
Nix hesitou. Um gemido rouco escapou dos lábios de Panacéia, e a fada arqueou as costas. As veias negras sob sua pele pulsavam como vermes famintos.
— Rápido — ordenou Nix, a voz cortante.
Lucius se recompôs, e o sorriso zombeteiro desapareceu sob uma máscara de concentração.
— Precisamos de três coisas: sangue fresco dela, orvalho da manhã, o qual eu não tenho, e… — Ele tirou um frasco do bolso, repleto de partículas prateadas que brilhavam como micro estrelas. — Poeira de estrela cadente.
Madoc soltou uma risada áspera.
— Isso é proibido até nos becos de Spades!
— E eu pareço um cidadão exemplar pra você?
Nix pegou uma garrafa de conhaque esquecida sobre a mesa.
— Afaste-se.
Fechou os olhos. O ar estremeceu. Raios de luz — púrpuras, esmeraldas, âmbares — serpentearam entre seus dedos, envolvendo o frasco. O líquido borbulhou, transformando-se em algo translúcido, exalando uma aura fria, como gelo sob a lua cheia.
— É suficiente? — Ela ergueu a garrafa, agora cheia de orvalho da manhã.
Lucius inclinou-se, os olhos âmbar dilatados de fascínio.
— Como… isso é transmutação pura? Sem runas, sem canalização…
— Runas são muletas — rebateu ela, suando de esforço. — Elas sugam magia do ambiente. Eu crio a minha.
— Um gerador humano — ele murmurou, avaliando-a. — Ineficiente, mas… impressionante.
— Você realmente tem um desejo de morte, não é, garoto? Rápido!
Lucius ajoelhou-se ao lado de Panacéia e retirou uma lâmina de prata, afiada como uma navalha.
— O sangue dela. Preciso de algumas gotas.
Mathew hesitou, mas Nix pegou a lâmina e, sem hesitar, fez um corte raso no antebraço da fada inconsciente. O sangue rubro escorreu, e Lucius segurou um pequeno cálice de vidro sob o fio quente do líquido. Assim que a quantidade foi suficiente, ele misturou as gotas ao frasco de poeira de estrela e orvalho.
O líquido sibilou, tornando-se espesso como mercúrio. Um aroma agridoce se espalhou pelo ar, algo entre jasmim e metal queimado.
— O veneno é um parasita — ele explicou, girando o frasco. — Essa mistura vai atraí-lo para fora do corpo dela.
Ele mergulhou a agulha no líquido e, com precisão cirúrgica, fincou-a no peito de Panacéia, bem acima do emaranhado de veias negras. A fada gritou, um som rouco e animal.
As veias negras se contorceram, fluindo em direção à agulha como cobras hipnotizadas. Quando a peça de prata ficou completamente enegrecida, Lucius a arrancou e mergulhou-a em um cálice de água salgada. O líquido fumegou, cristalizando-se em gelo negro e opaco.
— Agora, costure. — Ele entregou a Nix um carretel banhado no orvalho da manhã. — Com magia, não toque na linha.
Nix passou os dedos sobre a ferida exposta. Fios de luz começaram a se mover sozinhos, tecendo músculo e epiderme como renda delicada. Cada ponto cintilava com intensidade crescente, até que a carne se fechou, deixando apenas uma cicatriz prateada em forma de estrela.
Panacéia arfou e sentou-se de súbito. Seus olhos violeta, ainda turvos, focaram em Nix.
— Por que… sinto gosto de rum e fracasso? — tossiu, agarrando sua antiga garrafa de conhaque como se fosse uma arma.
— Porque você é teimosa — sorriu Nix, exausta, mas aliviada. Então, virou-se para Lucius. — Saia.
Ele ergueu as mãos em rendição, mas o sorriso de autossatisfação continuava lá.
— Como desejar, Capitã.
Quando a porta se fechou, Nix olhou para as próprias mãos. O carretel brilhava em seus dedos, mais pesado do que deveria.
A cozinha do Semente do Caos era um caos, apesar das falhas tentativas de Vênus de manter organizado. Panelas penduradas tilintavam suaves com o balanço do navio, e o cheiro de pimenta defumada e rum barato impregnava o ar. a komodo remexia um caldeirão de sopa que fervia em fogo baixo, enquanto Madoc, encostado na porta, afiava uma faca serrilhada com movimentos precisos. Mathew, ainda com as asas meio abertas e as penas eriçadas, batia o pé no chão como um relógio humano. Panacéia, pálida mas alerta, estava sentada em um barril, envolta em um cobertor remendado, sua cicatriz prateada brilhando sob a luz das lanternas de óleo.
Nix ocupava o centro da sala, os dedos tamborilando na mesa de madeira carcomida. O silêncio era espesso, cortado apenas pelo estalar das chamas e o gemido das pranchas do navio.
— Certo, agora que salvamos sua fada teimosa, me expliquem uma coisa… — Ele bateu a mão espalmada na mesa. — O que diabos um príncipe está fazendo no nosso navio?
Todos os olhares se voltaram para Nix. Ela tamborilou os dedos sobre a mesa, a mandíbula travada.
— Ele é Zadkiel Saphire — disse, por fim. — Príncipe herdeiro do Reino de Spades.
Um silêncio espesso caiu sobre a cozinha.
Então, Vênus começou a rir. Uma risada alta, cheia, quase histérica.
— A que maravilha! — Ela enxugou uma lágrima imaginária no canto do olho. — Além de sermos caçados por causa de uma profecia, agora também sequestramos o príncipe herdeiro! Perfeito! Fomos de tripulação iniciante para inimigos públicos de um reino inteiro em tempo recorde.
— Não o sequestramos — Nix rosnou, os nós dos dedos branquejando ao se agarrarem à mesa. — Ele veio por conta própria.
— E em boa hora — Panacéia interveio, ajustando o cobertor no ombro. Sua voz era fraca, mas o olhar afiado. — Salvou minha vida.
— Salvou pra ganhar confiança — Madoc cravou a faca na madeira, fazendo todos pularem. — Abandonemos ele no próximo porto.
Mathew cruzou os braços, as asas batendo uma vez, rápido.
— Ou jogamos ele pro mar agora. Tubarões adoram carne real.
— Ou… — Panacéia ergueu uma garrafa de rum que tirara de debaixo do cobertor. — Fazemos dele o médico da tripulação. Um príncipe doutor tem seu charme.
Vênus soltou uma gargalhada.
— Pelo menos é bonito de olhar.
Nix fechou os olhos, cada fala fazia sua cabeça girar, nauseante. O cheiro de sangue e sal queimava suas narinas, misturando-se ao aroma do caldo de Vênus. As runas do navio sussurravam em sua mente, o controle escorregando lentamente de suas mãos.
— Primeiro, ele precisa comer — Vênus cortou a discussão trazendo a capitã a realidade, servindo uma tigela de ensopado.
— Eu levo para ele. — Nix pegou a tigela e fugiu da cozinha.
Lucius estava sentado na cama quando ela entrou, os olhos analisando o pequeno quarto.
— Espero que não esteja esperando um banquete — disse entregando a tigela.
— A essa altura, qualquer coisa serve — respondeu ele, pegando a comida sem hesitação.
Nix observou enquanto ele dava a primeira colherada, então se encostou na parede, cruzando os braços.
— Estamos indo para a Baía dos Sussurros. Você tem como voltar para Spades sozinho?
Lucius pausou por um instante antes de negar com a cabeça.
— Não.
Ela riu, inclinando a cabeça.
— Que azar o seu.
O silêncio pairou entre os dois por alguns segundos. Então, Nix afastou-se da parede e apontou para ele com a propria cauda.
— Se for ficar aqui, tem algumas regras que precisa seguir.
Lucius ergueu uma sobrancelha, interessado.
— Regras?
— Regra número um: a tripulação vem em primeiro lugar. Se você colocar o navio em risco, está fora.
— Justo.
— Regra número dois: sem mentiras entre nós. Você não precisa contar tudo, mas se mentir sobre algo importante, vamos ter problemas.
Lucius escondeu um sorriso.
— Regra número três: liberdade acima de tudo. Se quiser partir, a porta está aberta. Poderá ficar se seguir as duas primeiras regras.
Dessa vez, ele não respondeu imediatamente. Apenas ficou em silêncio, absorvendo cada palavra.
Então, recostou-se na cama e suspirou.
— Bem, acho que já quebrei a segunda regra.
Nix arqueou uma sobrancelha.
— E o que exatamente você mentiu?
Lucius sorriu.
— Eu não sou um náufrago. Meu imediato comprou um novo navio depois que o Bruma afundou, mas eu não sabia qual era. Então, quando vi um navio novo no porto, simplesmente subi a bordo.
Nix piscou.
— Você entrou no meu navio por engano?
— Tecnicamente, sim.
Ela ficou em silêncio por um instante antes de explodir em uma gargalhada.
— Você é um imbecil!
Lucius deu de ombros, sorrindo.
Nix ainda ria quando se virou para sair.
Perguntas fervilhavam na mente de Nix, por que ele queria fingir que era apenas um marinheiro? O que estava fazendo tão longe do palácio? … Ela sentia que quanto mais soubesse mais estaria em perigo. Se era assim que ele queria, ela jogaria o jogo.
A sala de máquinas do Semente do Caos era um labirinto de engrenagens adormecidas, tubos metálicos e cristais sem brilho embutidos na estrutura. Diferente dos navios comuns, ele não precisava de vento ou remos — sua força vinha de dentro, um mecanismo vivo que pulsava sob a madeira e metal. Mas agora, tudo estava frio.
Nix passou os dedos pelo painel central, sentindo a superfície desgastada sob a ponta das unhas. Nada se movia.
Mathew encostou-se na parede, de braços cruzados.
— Ele está desligado.
— Ele está esperando — corrigiu Nix, sem olhar para ele.
— E como ligamos isso?
Nix inspirou fundo. Desde o início, sabia que o Semente do Caos precisaria de algo além de madeira e aço para ganhar vida. Golems normalmente eram criados com almas de animais à beira da morte, mas a ideia de sacrificar qualquer ser vivo lhe parecia intolerável. Então, projetou apenas a casca—um corpo oco à espera de algo que o animasse.
Ao invés de uma alma roubada, preencheu o vazio com sua própria magia, um fio de consciência costurado entre as engrenagens, como uma promessa inacabada. Mas faltava algo essencial: um motivo para despertar.
Com dedos hábeis, deslizou a mão pela lateral do painel e pressionou um botão oculto entre os entalhes. O metal vibrou sob seu toque, e um sussurro sutil percorreu as tubulações, como se o navio tivesse sentido sua presença.
— Isso deveria fazer algo? — Mathew arqueou uma sobrancelha.
— Ainda não — murmurou.
Fechou os olhos e respirou fundo, deixando sua energia fluir pelas veias adormecidas do navio.
“Eu sei que você está ouvindo.”
O silêncio se aprofundou, denso e expectante.
— Queria fazer isso junto de Asteria — sussurrou. — Mas não temos tempo para cerimônias.
Um estalo profundo rompeu a quietude.
Os cristais embutidos nas paredes se acenderam, derramando luz azulada pelo ambiente. Engrenagens ocultas começaram a girar, lentas e pesadas, como um gigante despertando de um longo sono.
— Opa… — Madoc deu um passo para trás quando os tubos ao redor começaram a exalar vapor.
O Semente do Caos soltou um suspiro.
E, pela primeira vez, respondeu.
Madoc observava as engrenagens, cutucando uma delas com o cabo da adaga.
Acima deles, o estalar da madeira e o ranger das velas denunciavam que o convés também ganhava vida. O Semente do Caos estava acordando.
Nix abriu os olhos e deslizou a mão pelo painel, sentindo o pulsar quente sob a palma.
— Leve-nos até a Baía dos Sussurros.
O navio tremeu, absorvendo a ordem, e então moveu-se sozinho, cortando as águas como um predador finalmente libertado.
Na cozinha, Panacéia, Vênus e Lucius estavam sentados ao redor da mesa quando o navio respirou.
Foi sutil no início. Um estremecer sob os pés, um arrepio que percorreu as vigas e os móveis. Então, as prateleiras vibraram, panelas tilintaram umas contra as outras, e o ar pareceu ficar carregado de eletricidade.
— Ah… O que diabos foi isso? — Lucius perguntou, o garfo pairando no meio do caminho até a boca.
Panacéia, que bebia chá, parou antes de engolir. Um brilho reconhecível passou por seus olhos antes de assentir para si mesma.
— Finalmente acordaram ele.
Vênus deu um sorriso satisfeito e se esticou preguiçosamente.
— O bebê de Nix está respirando sozinho.
O principe piscou, completamente perdido.
— Bebê?
— O Semente do Caos — explicou a tia, colocando a xícara de chá de lado e levantando-se.
— Ele está vivo — completou Vênus, sorrindo.
Lucius franziu a testa e se levantou junto com elas. Vivo? Isso explicava a sensação esquisita, como se o próprio navio tivesse uma pulsação própria. Mas era impossível… Certo?
Antes que pudesse questionar, o navio se moveu sozinho.
Do lado de fora, as velas se esticaram sem que ninguém as tocasse, o leme girou suavemente e a embarcação deslizou pela água como se uma força invisível a guiasse.
Dentro da cozinha, as mudanças começaram.
As paredes se expandiram ligeiramente, absorvendo a vibração do navio. A madeira ficou mais quente ao toque, e pequenos detalhes surgiram — marcas gravadas no balcão, como se mãos invisíveis tivessem decorado com símbolos antigos. O cheiro de canela e ervas se intensificou no ar.
Lucius sentiu um arrepio na nuca.
— O que… é isso?
Vênus deslizou os dedos pela parede e sorriu.
— Ele está se ajustando. Nix falou sobre, mas não achei que funcionaria.
— Ajustando?
Antes que pudessem responder, um rangido ecoou pelo corredor, e Lucius viu uma porta que não estava ali antes. Seu coração acelerou.
O interior era modesto. Poucos móveis, nada supérfluo. Mas na parede, bem à sua frente, algo chamou sua atenção—um mapa antigo de Spades, detalhado de uma forma que apenas um seleto grupo de pessoas conhecia.
O príncipe passou a mão sobre o papel envelhecido, reconhecendo cada contorno, cada marcação secreta. O navio não o estava apenas acomodando. Estava falando com ele.
— Não é hospitalidade… é um recado.
O casco rangeu levemente, um som quase divertido, como se o Semente do Caos estivesse rindo dele. Lucius apertou os lábios, lançando um olhar enviesado para o teto.
— Engraçadinho.
Fechou a porta atrás de si, sem saber ao certo se deveria se sentir intrigado ou perturbado.
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