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    Dante e Hick trocaram olhares. Ambos franziram as sobrancelhas, a expressão uma mistura de incredulidade e desprezo.  

    — Uma sombra? — Hick murmurou, sem disfarçar o tom zombeteiro.  

    Mas o elfo não estava brincando. Isso era óbvio na maneira como ele tremia, no pânico que contorcia seu rosto suado. Ele deu um passo à frente, os olhos arregalados e as mãos manchadas de sangue.  

    — Ela apareceu do nada! Matou o Buck… — ele engoliu seco, os lábios tremendo. — Matou todo mundo que foi pra cima dela! Eu só… eu só consegui escapar por um milagre!  

    — Que merda você está dizendo? Uma sombra?! — Dante explodiu, seus olhos se estreitando ainda mais.  

    O homem estendeu uma das mãos trêmulas, pressionando-a contra um ferimento que sangrava em gotas no chão. A lâmina que ele segurava estava lascada, como se tivesse sido usada desesperadamente para se defender.  

    — Ela… ela tá lá em cima — ele sussurrou, a voz quebrada. — É rápida demais, forte demais… eu… quase não saí vivo…  

    Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, um som reverberou pela sala.  

    THUMP.

    O impacto na porta fez todos congelarem. Não era um som normal. Algo — ou alguém — havia batido com força contra a madeira reforçada.  

    O elfo negro girou nos calcanhares, encarando a entrada com puro terror.  

    Hick parou onde estava, suas mãos manchadas de sangue, os bisturis imóveis. Dante endireitou-se, as narinas inflando enquanto sua atenção se fixava na porta.  

    Outro som. Desta vez, mais forte.  

    THUMP.

    A tensão no ar era sufocante. Dante estreitou os olhos. Algo muito, muito ruim estava prestes a acontecer.

    A porta rangeu, abrindo-se lentamente, e um corpo mutilado tombou no chão com um baque surdo. O som era grotesco, como carne ensanguentada sendo jogada sobre uma tábua de madeira. O guarda havia sido partido em pedaços; sangue se espalhava em poças viscosas, tingindo o chão de vermelho.  

    Do lado de fora, passos ecoavam nas escadas. Cada um deles era um aviso, firme e cadenciado. O corredor parecia estender-se infinitamente na penumbra, e o que quer que estivesse descendo ainda não era visível.  

    — M-Merda! É ele! É a sombra! — o homem armado gaguejou, levantando a espada como se isso fosse capaz de deter a coisa que vinha na direção deles.  

    Dante não esperou. Sua mão se ergueu, um comando rápido.  

    — Hick!  

    O chamado foi urgente, e Hick, sem hesitar, puxou uma espada curta de um dos caixotes ao lado e a lançou para Dante. Ele agarrou a lâmina no ar com a destreza de alguém que já havia feito isso muitas vezes.  

    — Ali atrás tem uma balestra! Pegue-a!  

    — Certo! — respondeu Hick, já se movendo. Ele remexeu atrás dos caixotes e emergiu com uma balestra carregada. Era uma arma de emergência, escondida para momentos exatamente como esse.  

    Que droga tá acontecendo aqui…? Uma sombra? Que tipo de merda é essa?  

    O pensamento de Dante era um turbilhão de incertezas, mas algo começava a tomar forma em sua mente. Uma memória, um pressentimento. Ele não gostava disso. Não gostava nada.  

    Enquanto isso, Hick se posicionava, ajoelhado no chão, a balestra apontada diretamente para a porta. Suas mãos tremiam ligeiramente, mas ele se forçava a manter a mira firme.  

    — Não atire assim que aparecer. Espere um pouco. — Dante disse, a voz grave e baixa, os olhos fixos na entrada.  

    — Como? Acha que o que quer que esteja vindo veio para negociar? — retrucou Hick, a incredulidade evidente em sua voz.  

    — Não, mas se for quem estou pensando… não temos chance alguma em um confronto direto.  

    O peso daquelas palavras caiu sobre Hick como uma pedra. Ele engoliu em seco, o nó em sua garganta quase o sufocando. Ele nunca havia visto Dante assim antes. Havia algo nos olhos dele — um brilho de tensão que Hick nunca imaginou ser possível naquele homem.  

    Seja lá o que estivesse vindo, era pior do que qualquer coisa que Hick pudesse imaginar.

    Era uma sombra, de fato. Humanoide, envolta em um manto negro que parecia engolir a própria luz, o ser se materializou na entrada com uma calma sobrenatural. 

    O rosto estava oculto, perdido na escuridão da capa, mas o sangue que cobria algumas partes de seu corpo contrastava com a escuridão, tingindo-o de vermelho profundo. Nas mãos, duas lâminas sangrentas — Katar, socos ingleses com lâminas largas, reluziam como serpentes prontas para atacar. 

    O manto preto envolvia quase todo o seu ser, mas ainda era possível discernir uma cota de malha que forrava seu torso, além de um colete de couro reforçado, reforçando a impressão de que o homem estava mais preparado para a morte do que qualquer outra coisa. Alguns cintos cruzavam seu peito, exibindo mais adagas, como se ele carregasse a própria essência da morte.  

    — Um assassino… — murmurou Hick, a voz tensa.  

    — Esse cara não é normal… ele matou todos lá em cima como se fosse um monstro! — o guarda completou, a voz falhando.  

    Dante avançou, tomando sua posição de batalha com a frieza de quem já estava acostumado com o risco de morte. Seus olhos, fixos no homem à frente, não demonstravam medo — apenas pura concentração.  

    — Denzel, o assassino das sombras. — As palavras saíram de sua boca com um tom de certeza gelada.  

    — C-Como?! É ele?! — Hick exclamou, a incredulidade estampada em seu rosto, os olhos arregalados.  

    O nome não era novidade em Infra. Denzel, o assassino das sombras. Não havia ninguém que vivesse na cidade e não tivesse ouvido falar dele. O homem que matava com a facilidade de quem corta o ar, cujo calibre de habilidade era tão alto que parecia sobrenatural. 

    Aqueles que o haviam visto em ação e sobrevivido — alguns que não eram seus alvos, mas apenas por sorte — diziam que Denzel não parecia ser uma pessoa de carne e osso. Era mais uma sombra que se movia entre as sombras, uma presença imortal que só deixava um rastro de corpos.  

    Ser o alvo desse homem era uma sentença de morte, pois não existia proteção contra a sombra em uma cidade como Infra, onde a escuridão reinava em cada esquina.

    — Você foi contratado para me matar? É isso? Vamos conversar! Posso cobrir o que te pagaram! Não, pago o dobro! — Dante tentou, a voz forçada, como se estivesse tentando negociar com a própria morte. O homem à sua frente não dizia uma palavra, seus olhos permaneciam fixos no chão, ocultos pela sombra de seu manto.  

    Lutar contra esse homem? Seria uma loucura, não, pior — beirava à insanidade. O silêncio absoluto que se seguiu após a porta ser aberta era um indicativo de que ele havia acabado com todos os homens de cima. 

    Se fosse medir a habilidade, seus guardas eram robustos, treinados para combate, e mesmo assim, em uma luta contra um número considerável de oponentes, eles saíam bem. Estavam armados, equipados, preparados para qualquer coisa.  

    Mas um único homem… E não apenas qualquer homem, mas ele — Denzel, o assassino das sombras — havia descido as escadas, e dos seis que estavam na base, cinco haviam sido exterminados. Dante só podia concluir uma coisa: se o homem que escapou conseguira sair vivo, ele era o único que teve sorte. De resto, todos haviam caído.  

    Dante já enfrentou espadas em sua vida, mas nunca foi um grande espadachim — no melhor dos casos, um amador iniciante. Até um dos seus próprios guardas provavelmente seria mais habilidoso em combate do que ele. Hick, bem… Hick não era do tipo de lutar, ele era um cientista maluco. Então não se podia contar com ele para algo como aquilo. 

    O guarda ferido era a única esperança, mas Dante tinha sérias dúvidas. Se nem mesmo os cinco homens inteiros foram capazes de impedir Denzel, o que poderia fazer um homem ferido e aterrorizado?  

    A resposta, cruel e simples, era evidente. Ou ele conseguia negociar com aquele monstro, ou morreria ali, naquele momento.

    — É de extrema cortesia terminar um trabalho antes de aceitar outro, não? — A voz do assassino se arrastou como um sussurro, vindo das sombras que pareciam responder a ele, preenchendo o espaço com uma tensão mortal. As palavras saíram sem pressa, como se ele já soubesse o destino de todos na sala. 

    A presença dele era esmagadora, e a intenção assassina que emanava dele crescia a cada segundo, apertando o ar ao redor de Dante, Hick e o guarda.  

    Quando o assassino deu mais um passo, seus pés se movendo lentamente, uma sensação gelada de desespero tomou conta de Dante.  

    — E-Espere! Podemos pagar o triplo! Não, 4 vezes mais o quanto pagaram a você! Por favor… E-Espere…! Vamos negociar! — A súplica de Dante escapou, desesperada, tentando barganhar com a morte, mas a resposta foi o silêncio absoluto, como se ele já estivesse condenado desde o início.  

    — Temos que fazer algo! Dante! — O grito de Hick quebrou o silêncio, e ele ajustou ainda mais a mira da balestra, preparando-se para um disparo que não poderia ser feito.  

    — Não! Não atire! Não temos chance alguma! Você! Espere! Por favor! Vamos negociar! — Dante gritou, desesperado, a visão turva pelo pânico, enquanto o assassino se aproximava, seus passos firmes e lentos, arrastando-se na quietude como uma sombra ameaçadora.  

    Cada movimento dele parecia projetado para destruir a coragem que restava, como se estivesse alimentando o medo que se espalhava pela sala.  

    — C-Chefe… me desculpa… — O guarda ferido murmurou, mas antes que Dante pudesse entender, o homem se virou de repente, socando-o com toda a força, surpreso e impotente diante da traição.  

    — S-Seu filho da—  

    — Fique parado!! — O grito do guarda cortou a ameaça, e, com um movimento rápido, ele agarrou Dante, colocando a lâmina da espada na garganta do chefe. Dante sentiu o metal frio contra sua pele, e antes que pudesse reagir, a espada foi pressionada com força, forçando-o a soltar sua própria lâmina.  

    Hick, tremendo de medo, fez um movimento rápido, apontando a balestra para o guarda, mas antes que pudesse atirar, o homem se moveu com uma velocidade absurda. Ele empurrou Dante contra si, usando o corpo dele como escudo, e a sala ficou quieta, o ar pesado.  

    O assassino parou de caminhar, encarando a cena com a cabeça baixa, observando o caos com uma calma quase assustadora, enquanto o medo se espalhava como um veneno invisível.

    — Espera aí, assassino das sombras! Espera! Eu não sou a sua presa, não? — O homem, com a espada ainda pressionada contra o pescoço de Dante, gritou, tentando barganhar enquanto o chefe parava de se debater, temendo o corte fatal. — Me deixe ir, e pode ficar com ele! Só ele! É só ele que você quer, não é? Então não precisa me matar!  

    Hick, paralisado, olhava a cena com os olhos arregalados. Ele tinha feito cálculos, previsto o que aconteceria, mas agora estava diante de algo que quebrava todas as suas suposições. 

    Nada fazia sentido. O homem, que sempre confiou em sua mente estratégica, estava completamente perdido, sem saber o que fazer.  

    O assassino permaneceu imóvel, como se estivesse avaliando a situação com um interesse distante, observando o homem que se desesperava e o medo crescente nos outros dois.  

    — Me solta, seu filho da puta! — Dante, no limite da frustração e raiva, gritou, mas o homem que o segurava parecia ignorar cada palavra.  

    — Cala a boca! E-Então?! O que me diz? Tem um acordo ou não? Você fica com ele, e eu saio em paz, certo? — O homem falou, sua voz tremendo de pânico, mas com uma falsa confiança, como se estivesse tentando manter algum controle da situação.  

    O assassino não respondeu de imediato, permanecendo em seu silêncio assustador, como se pesasse cada palavra. Então, finalmente, ele se virou ligeiramente e falou, sua voz calma, mas implacável.  

    — Sinto muito.  

    — Hhm… C-Como? — O homem perguntou, as palavras escapando sem sentido.  

    — Sinto muito. Não posso deixar nenhum membro da equipe de Dante continuar vivo. Meu contratante deixou claro que todos devem ser mortos… então, sinto muito. — O assassino curvou-se ligeiramente, com uma reverência que beirava o grotesco, como se estivesse expressando algum tipo de pesar. — Se fosse só o Dante, eu teria entrado sem ninguém perceber e o matado discretamente. Mas, como todos deveriam morrer, entrei pela porta da frente.  

    O homem, perdido em choque, balbuciou a realidade de sua situação se desintegrando diante dele.  

    — Você entrou pela frente… porque quis? — A pergunta saiu mais como uma dúvida sem resposta, como se a mente dele estivesse tentando entender a lógica de algo que não poderia ser compreendido.  

    O assassino simplesmente olhou para ele, sem pressa de responder. O homem começou a chorar, as lágrimas escorrendo lentamente pelo seu rosto, sua expressão quebrando, finalmente perdendo qualquer semblante de controle.  

    O silêncio na sala se estendeu por um momento eterno, até que, finalmente, o assassino falou, sua voz fria como gelo.  

    — Agora que entenderam a situação… vamos continuar.

    O assassino deu um passo à frente, e o simples som de seus pés tocando o chão foi suficiente para fazer o homem que segurava Dante perder o controle. Movido por um terror irracional, com uma força alimentada pela adrenalina, ele lançou Dante em direção ao assassino, jogando-o como se fosse uma marionete desgovernada. 

    Ao mesmo tempo, o homem correu para o canto do corredor, tentando se esconder e ganhar tempo para fugir, na esperança de que o movimento distraísse o assassino.  

    Hick, ainda atônito com a situação, puxou o gatilho da balestra impulsivamente. A flecha disparada passou sem rumo, fincando-se na parede, deixando-o perplexo ao ver que havia falhado. Sentado no chão, observava a cena com os olhos arregalados, como se o que estivesse acontecendo fosse uma realidade de outro mundo.  

    Dante foi arremessado, seus pés deixaram o chão, e ele sentiu o ar frio batendo contra seu rosto enquanto voava em direção à morte. Quando se aproximava do assassino, o homem que corria pela parede, tentando escapar, passou ao seu lado, mas já era tarde. O assassino, murmurando quase para si mesmo, disse:  

    — Aqui vai mais duas vidas, minha amada.  

    Em um movimento tão rápido que a visão mal acompanhou, o assassino fincou a lâmina de seu Katar na perna do homem que tentava fugir, cortando-a completamente, fazendo o homem cair antes que pudesse sentir a dor. 

    E, sem hesitar, com a mesma fluidez, empalou Dante com a lâmina afiada, indo do pescoço à cabeça, deixando o corpo do homem estendido no chão, seu pescoço espirrando sangue, que banhou o assassino inteiro.  

    — Aaaaggghhhaaaaa! Minha pernaaaaa! — O homem no chão, que agora era apenas um pedaço de carne, gritava, a dor excruciante da perda de sua perna causando-lhe convulsões, enquanto tentava estancar o sangramento, mas sem sucesso.  

    — Acho que fui rápido demais. — O assassino murmurou, observando a cena com desinteresse enquanto se virava para o homem agonizante.  

    Hick, apavorado, puxava com todas as suas forças a corda da balestra, seus músculos frágeis tremendo com o esforço. Ele olhou para a frente, tentando ver a situação, e foi então que sentiu uma sensação fria em seu rosto. 

    Algo gelado tocou sua pele, seguido de uma onda quente. Antes que pudesse reagir, o sangue escorreu de sua testa, e a dor de uma lâmina afiada perfurando seu crânio fez seu corpo cair inerte no chão. A adaga, lançada com precisão mortal, havia se cravado em seu rosto, afundando profundamente até atingir o cérebro.  

    — Contando com os de cima e esses aqui de baixo, foram… 8. Isso, 8. — O assassino falou para si mesmo, como se estivesse apenas registrando uma anotação mental, depois de arremessar uma adaga de seu cinto.  

    O homem que ainda estava no chão, ferido e moribundo, continuava a gritar, seu medo agora palpável.  

    — Naoooooooo!! Por favor! Não me mate! Por favor! — implorava, a voz rouca pela agonia e desespero.  

    O assassino olhou-o com um olhar gélido, sem emoção, e, em um movimento quase imperceptível, cortou sua garganta. O golpe foi tão preciso e rápido que o homem não teve tempo de reagir. 

    O sangue, que demorou um momento para se manifestar, jorrou do pescoço partido, e o corpo, sem cabeça, tombou para o lado, enquanto o assassino apenas observava a cena, como se estivesse cumprindo uma obrigação sem importância.

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