Capítulo 30 - Negócios com o Empregador
O quarto que Jack havia recebido para passar a noite era, como ele já esperava, absolutamente medíocre. O espaço limitado abrigava apenas alguns móveis funcionais, mas desprovidos de qualquer traço de personalidade ou luxo.
Um cenário típico para um vilarejo simples como este. Sentado em uma cadeira desgastada, ele fechou o livro que estivera lendo, deixando-o cuidadosamente sobre a mesa de madeira próxima. Seus dedos deslizaram brevemente pela capa, como se saboreasse as últimas palavras antes de levantar.
Caminhando até a janela, Jack observou o céu. O sol, lentamente, começava a mergulhar no horizonte, tingindo o mundo com tons dourados e alaranjados. Ele permaneceu imóvel por um momento, perdido em pensamentos.
Desde que ele e Denzel haviam se separado mais cedo, não vira o companheiro novamente.
Não que isso o preocupasse. Enquanto Denzel retornasse vivo e fosse capaz de continuar com o trabalho, Jack não tinha razões para reclamar.
O silêncio do quarto foi quebrado por batidas leves na porta. Jack virou-se, lançando um olhar para a entrada.
— Quem é?
— Denzel. Posso entrar?
— Hm? O que você quer a essa hora?
— Conversar. Há alguém que quer falar com você.
Jack franziu o cenho, surpreso. Alguém querendo falar com ele? Ele não conhecia ninguém neste vilarejo pacato. Na verdade, ele mal conhecia as pessoas em geral. Não possuía amigos. Nunca precisara deles. Quem poderia ser?
Após ponderar por um instante, ele finalmente deu sua permissão.
— Entre.
A porta se abriu lentamente, revelando Denzel, seguido por duas figuras inesperadas. Um elfo e uma elfa. Ambos tinham uma postura digna e calculada, como se escolhessem cada movimento com cuidado. O elfo deu um passo à frente, curvando-se levemente em sinal de respeito.
— Boa tarde.
— Boa tarde. Com sua licença.
A elfa acompanhou o gesto, os dois entrando no quarto com movimentos fluidos, quase elegantes. Denzel, por outro lado, não se deu ao trabalho de qualquer formalidade.
Apenas adentrou o espaço casualmente, como se fosse dono do lugar. Jack os observou em silêncio, respondendo às saudações com um leve aceno de cabeça. Sua expressão, no entanto, permaneceu tão indecifrável quanto sempre.
— Quem são esses dois? — perguntou Jack, sem cerimônias. Seu olhar avaliava os estranhos com frieza, marcando claramente que nunca os tinha visto antes.
— Estes são… — Denzel começou, mas pausou no meio da frase, lançando um olhar questionador para os dois. — Como é mesmo que vocês estão se chamando?
— Que idiota… — disse a elfa, surpresa, enquanto revirava os olhos.
— No momento, me chamo Minggu, e esta é minha companheira e esposa, Amora — respondeu o elfo calmamente, como se já estivesse acostumado a esse tipo de situação.
— Ainda estamos trabalhando. O jeito como você fala é um tanto quanto presunçoso, você não acha? — Amora retrucou, franzindo o cenho, claramente desconfortável com a resposta do parceiro.
— Combinamos com Denzel que não esconderíamos nada do empregador dele. Não vejo razão para mudar isso agora — respondeu Minggu, impassível.
— Hm? — Jack estreitou os olhos, confuso. — Do que vocês estão falando? Quem são vocês e o que querem comigo?
— Esses dois fazem parte de uma organização secreta do governo do Reino dos Elfos. Eles se denominam como Numerous — respondeu Denzel, dando um passo à frente, como se quisesse reforçar a seriedade da situação.
— Hã? — Jack olhou para ambos, incrédulo.
— Eles estão em uma missão no momento e precisam manter a discrição. Contudo, precisam da minha ajuda para algo. Como estou trabalhando para você, não posso aceitar outro serviço sem sua permissão. Esse é o meu código de conduta — continuou Denzel, sua voz soando mais séria que o habitual. — Como meu empregador, você tem o direito de decidir se permitirei ou não. Primeiro, você deve ouvir a situação.
— Que interessante… — Jack murmurou, sua expressão não entregando se estava realmente intrigado ou apenas entediado.
Minggu e Amora trocaram um olhar, e Minggu deu um passo à frente, começando a explicar calmamente a situação e os motivos pelos quais precisavam da ajuda de Denzel. Durante toda a conversa, Jack permaneceu em silêncio, absorvendo cada detalhe.
Sua postura parecia relaxada, mas seus olhos afiavam como lâminas, analisando cuidadosamente as intenções dos dois.
— É isso. Por isso precisamos da ajuda dele. A criatura na floresta precisa ser eliminada. Se deixarmos isso para depois, não só vai ferrar com nossa missão, mas também pode causar problemas graves para o vilarejo — concluiu Minggu, o elfo, sua voz firme, mas carregada de uma urgência contida.
Jack, que até então mantinha uma expressão apática, estreitou os olhos. Ele inclinou levemente a cabeça para o lado, como se analisasse cada palavra dita com cuidado.
— Entendi a situação, mas há algo que não faz sentido. Por que vocês simplesmente não mandam uma equipe de elite para lidar com essa criatura? Não seria mais fácil? — Jack perguntou, cruzando os braços. Seu tom era firme, quase desafiante. — Vocês afirmam fazer parte de uma organização tão importante. Então, por que estão limitados a pedir a colaboração de Denzel para algo assim?
Houve um breve silêncio. Minggu trocou um olhar com Amora, que apenas suspirou, parecendo exasperada.
Jack percebeu o desconforto. Para ele, estava claro que havia algo sendo ocultado. Apesar da aparente sinceridade durante a conversa, certos detalhes permaneciam obscuros. Por exemplo, em momento algum eles mencionaram que tipo de criatura estava na floresta. A ausência dessa informação era, no mínimo, suspeita.
Jack estreitou ainda mais os olhos, sua expressão agora levemente irritada. Ele concluiu que, antes de procurá-lo, eles provavelmente discutiram com Denzel o que poderiam ou não revelar. Era lógico assumir que Denzel agiu como um filtro, decidindo quais informações seriam seguras para compartilhar.
— Numerous não existe — disse Minggu, de forma abrupta e direta, cortando o silêncio.
— …Entendo — respondeu Jack, após uma pausa.
De repente, tudo fez mais sentido. Uma organização secreta como a Numerous provavelmente operava nas sombras, fazendo o trabalho sujo que o governo não poderia assumir publicamente. Isso explicava a limitação de recursos e a necessidade de discrição.
Não havia uma ligação oficial entre eles e o governo, o que os forçava a depender de métodos alternativos, como solicitar a ajuda de terceiros confiáveis.
Mesmo que desejassem mobilizar uma força-tarefa para eliminar a criatura, o tempo não estava a seu favor. Organizar uma equipe levaria dias, algo que eles claramente não tinham. Numa situação onde cada segundo contava, hesitar poderia significar a morte.
— Numerous não possui esse tipo de autoridade. E mesmo se tivéssemos… — Minggu estreitou os olhos, sua voz carregada de resignação.
Antes que ele pudesse concluir, Amora interrompeu com um olhar penetrante, quase julgador.
— A ajuda não chegaria a tempo. — Sua voz foi firme, mas havia um traço de frustração.
Era evidente que a situação dos dois era desesperadora. Se Denzel recusasse a ajuda, a dupla teria de enfrentar a criatura sozinhos. E, pelo jeito que as coisas estavam sendo apresentadas, essa não era uma opção que desejavam.
Talvez o monstro fosse algo tão perigoso que até mesmo eles, operativos de uma organização secreta, temessem enfrentá-lo diretamente.
Jack cruzou os braços, sua expressão mostrando um misto de análise e oportunidade. Ele compreendia o poder da posição que ocupava. Denzel estava sob seu contrato, o que lhe dava a palavra final. Essa realidade colocava o destino dos dois elfos em suas mãos.
Ele percebeu uma chance única. Numerous, embora incapaz de mobilizar tropas para a situação atual, ainda era uma organização com uma importância notável para o reino.
Seria tolice ignorar o valor que poderiam trazer em troca. Informação, influência, ou mesmo assistência em sua própria missão—era impossível ignorar a oportunidade de barganhar.
— Certo. — Jack quebrou o silêncio, sua voz soando calculada. — Permitirei que Denzel os ajude, mas isso terá um custo. Quero algo em troca.
As palavras ecoaram no ar, fazendo Amora arquear as sobrancelhas com uma expressão que beirava o desagrado. Denzel, por outro lado, parecia satisfeito com a decisão, seu rosto exibindo um leve sorriso de aprovação.
Amora, no entanto, não era do tipo que lidava bem com negociações. Seu olhar frio e sua postura rígida demonstravam uma clara relutância. Jack percebeu que seria mais produtivo direcionar suas demandas para Minggu, que parecia mais inclinado a encontrar um terreno comum.
— Certo…! — Minggu assentiu, mas sua expressão mostrava um toque de cautela. — Contudo, você entende que nossa situação é crítica, certo? Então seja razoável com suas exigências.
— Não se preocupem, tenho certeza de que vocês poderão me ajudar com o que quero pedir. — Jack declarou, sua voz carregando um tom confiante, mas calculado.
Antes que Minggu ou Amora pudessem responder, Denzel ergueu uma mão, interrompendo a conversa.
— Antes disso… — Sua voz ecoou pelo ambiente, chamando a atenção de todos. Seus olhos estavam fixos em Jack. — Se vou fazer mais do que o meu trabalho já estipulado, então no final do meu contrato, ganharei um bônus a mais, certo?
Jack não conseguiu conter um sorriso ao ouvir a declaração descarada de Denzel. Direto ao ponto e sem rodeios, o homem não havia perdido tempo em transformar uma situação vantajosa para Jack em uma ainda mais proveitosa para si mesmo.
— Hah. — O riso de Jack escapou antes que ele pudesse se conter, mas logo foi engolido pelo peso de seus pensamentos.
Espera aí…
Enquanto o silêncio se prolongava, Jack começou a conectar os pontos. Sua mente, como engrenagens em movimento rápido, revisitava os eventos que haviam ocorrido até aquele momento.
A criatura na floresta… O encontro com Minggu e Amora… A presença oportuna de Denzel…
A expressão de Jack tornou-se uma careta de surpresa enquanto as peças do quebra-cabeça se encaixavam em sua mente.
Esse desgraçado…
Ele começou a enxergar o jogo por trás da fachada tranquila de Denzel. Era difícil dizer com certeza se ele havia manipulado tudo desde o início, mas havia algo inegável: Denzel era um mestre em transformar coincidências em oportunidades.
A situação parecia natural, quase casual, mas agora Jack percebia os fios invisíveis que Denzel havia puxado. Desde o momento em que a criatura surgiu na floresta até o encontro com os agentes da Numerous, tudo parecia uma cadeia de eventos imprevisíveis. No entanto, Denzel havia usado isso para forjar uma vantagem.
Ele jogou com aqueles dois e os colocou em dívida comigo. Desde o começo… Esse cara transformou uma situação de pura coincidência em uma forma de ganho, não apenas para ele, mas para nós dois.
Se esses dois tivessem alguma informação sobre Tiko, então, de repente, a posição deles mudaria de irrelevante para crucial. Nesse instante, Jack percebeu algo mais profundo.
Denzel armou tudo para que eu conseguisse essa informação.
Foi uma jogada ousada, quase arrogante, confiar que Jack seria capaz de interpretar os movimentos e agir conforme esperado. Mas o pior – ou melhor – é que havia funcionado.
Ele realmente previu que eu pensaria em negociar com esses dois?
Jack desviou o olhar para Denzel, o coração batendo mais rápido enquanto a compreensão começava a se formar.
O homem permanecia em silêncio, observando a situação como um lobo que havia se afastado do campo de batalha, mas ainda mantendo controle total. Havia algo no jeito relaxado de Denzel que parecia gritar que tudo estava dentro de seus cálculos.
Jack não conseguiu evitar. Ele olhou para Denzel com uma expressão de incredulidade, quase um misto de admiração e desconforto. Na mente de Jack, pensamentos confusos giravam como uma tempestade.
Quem diabos é esse homem…?
Denzel, no entanto, sequer reagiu ao olhar de Jack. Ele apenas ajeitou o colarinho com uma casualidade irritante, como se não estivesse sob o escrutínio intenso de seu empregador.
— Heh. — Jack deixou escapar outro pequeno som de escárnio, mas não de desprezo. Era algo mais próximo de resignação. Se ele está jogando esse tipo de xadrez, é melhor que eu esteja à altura.
— Para começar, deixem-me apresentar apropriadamente a vocês. — Jack inclinou levemente a cabeça para frente, mantendo os olhos fixos nos dois membros da Numerous. Havia um tom casual em sua voz, mas uma tensão subjacente que deixava claro que aquilo não era uma conversa trivial. — Meu nome é Jack Mingardi.
O impacto foi imediato. Os olhos dos dois elfos se arregalaram, e seus corpos ficaram visivelmente tensos, como se tivessem sido apunhalados por uma lâmina invisível. O silêncio que se seguiu era quase palpável, preenchido apenas pelo som abafado da respiração deles.
Exatamente como imaginei.
Jack manteve o rosto inexpressivo por um momento, analisando a reação. Sua pequena encenação havia funcionado perfeitamente, pescando a reação que ele queria. Era claro como o dia que eles conheciam aquele nome – e, por extensão, conheciam também a história que o acompanhava.
A história de uma família destruída.
E mais importante, conheciam Tiko, o homem que carregava o peso desse massacre.
Jack reprimiu o impulso de apertar os punhos. Agora não era hora de deixar as emoções transparecerem. Em vez disso, deixou seu rosto se abrir em um sorriso, mas não um sorriso amigável. Era algo mais… distorcido. Amargo.
— Quero toda e qualquer informação que possuam sobre o meu querido irmãozinho. — Sua voz estava carregada de um veneno frio, e ele deliberadamente enfatizou as palavras finais, como se mastigasse cada sílaba. — Esse é o preço.
Seu sorriso alargou-se, tomando um contorno quase grotesco, como o de um predador que acabara de encurralar a presa. O tipo de sorriso que podia fazer até os mais endurecidos hesitarem.
— Tsk. — Amora, a elfa ao lado de Minggu, franziu o cenho, claramente incomodada tanto com a exigência quanto com o comportamento de Jack. Sua mão repousava instintivamente no cabo de sua arma, como se a qualquer momento pudesse decidir que uma luta resolveria as coisas mais rápido.
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