Índice de Capítulo

    Algumas leves batidas na porta despertaram Jack de seu sono profundo. Ele se levantou, esfregando os olhos, e lançou um olhar à janela. Escuro. Ainda era madrugada. Por que alguém estaria batendo à sua porta a essa hora? Sem paciência para lidar com a situação, ele foi até a porta e a abriu.  

    Ao escancará-la, ficou completamente surpreso com a cena diante de si. Minggu — Número Sete — estava ali, carregando em suas costas o corpo adormecido de um elfo negro, o temido e implacável assassino de Infra.  

    O contraste era quase cômico: o lendário assassino parecia um bebê, profundamente adormecido, como se estivesse nos braços de uma mãe zelosa.  

    — Er… Jack, posso deixá-lo aqui? — perguntou Minggu, com uma expressão de leve constrangimento.  

    — O quê? Hã… cara… ele tem um quarto, deixa ele na cama dele… — Jack respondeu, visivelmente desconfortável e um tanto envergonhado pela situação.  

    — Eu até pensei nisso… mas ele perdeu a chave durante a luta contra a criatura na floresta… — Minggu lançou um olhar apaziguador, percebendo a expressão de incredulidade de Jack. — A propósito, sobre a criatura… deu tudo certo. Conseguimos matá-la sem baixas.  

    Jack estreitou os olhos, observando o rosto de Minggu. Havia uma marca de garra ali, algo que ele não tinha antes de sair para a missão. O estado atual de Denzel — completamente desacordado — era evidência suficiente de que a batalha fora árdua. A criatura, fosse o que fosse, devia ter sido um oponente formidável, capaz de colocar dois membros de Numerous e o mais habilidoso assassino de Infra em dificuldades.  

    — Não dá pra pedir uma chave reserva…? — perguntou Jack, quase implorando para não ter que lidar com a situação em seu próprio quarto.  

    — Já tentei na recepção… mas disseram que não há chaves reservas. Aliás, parece que ele terá que pagar uma indenização pela chave perdida. — Minggu respondeu, visivelmente preocupado.  

    — Não seria melhor você levá-lo para sua casa, então? — insistiu Jack, ainda buscando uma saída.  

    — Não, não, não, não. — Minggu negou enfaticamente, com uma expressão apreensiva que logo se suavizou. — Ele e a minha… esposa tiveram uma pequena desavença hoje. Acho que, para a segurança e saúde do nosso colega, é melhor que ele fique o mais longe possível dela e da minha casa… hahaha…  

    O sorriso fraco de Minggu sugeria que havia algo estranho naquela história, mas Jack decidiu não aprofundar o assunto. Não tinha a menor disposição para lidar com aquilo agora.  

    — Certo… acho que não tenho escolha… — Jack suspirou, abrindo espaço para que Minggu entrasse. — Coloque-o na cama, por favor.  

    — Certo. Obrigado.  

    Com cuidado, Minggu depositou Denzel na cama. Após isso, Jack devolveu os documentos que Minggu havia trazido consigo. O homem fez uma breve reverência, despediu-se rapidamente e deixou o quarto.  

    Jack fechou a porta, voltando-se para o interior do cômodo.  

    Dividir um espaço com outra pessoa era uma experiência inédita para ele, mas, em vez de sentir qualquer satisfação com isso, tudo o que conseguia era um crescente desconforto e irritação.  

    — Agora que ele ficou com a cama… — murmurou Jack, observando o ambiente ao seu redor. — Onde diabos vou dormir…? 

    ⧫⧫⧫

    Denzel sentia-se surpreendentemente confortável onde estava. Ao olhar ao redor, observou o quarto com atenção. Ele havia acabado de despertar silenciosamente e percebeu que o ambiente se assemelhava bastante ao quarto onde estava hospedado. Em sua mente, a dedução parecia óbvia: após a batalha contra a criatura, Sete provavelmente o carregara de volta para seu aposento.  

    — Certo… — murmurou ele, fitando o teto. Seu corpo já não mostrava sinais de exaustão, a luta parecia uma memória distante, e sua mana estava completamente restaurada.  

    Denzel se sentia revigorado. Ao dirigir o olhar para a janela, notou pelos tons do céu e o silêncio do ambiente que deveria ter acordado bem cedo.  

    Subitamente, a porta do quarto se abriu, revelando Jack. Estava impecavelmente arrumado, embora carregasse uma expressão carrancuda. Em suas mãos, equilibrava dois pratos contendo um típico café da manhã de vilarejo: carne e ovos.  

    — Oh, até que enfim acordou. — comentou Jack, enquanto depositava os pratos sobre uma pequena mesa. Denzel ergueu-se da cama, sentando-se, e lançou-lhe um olhar direto.  

    — Invadindo o quarto de alguém assim, sem aviso?  

    — Este não é o seu quarto, é o meu.  

    — Como…?  

    Denzel voltou a observar o cômodo ao seu redor e, finalmente, notou pequenas diferenças que o distinguiriam de seu próprio aposento. Agora, estava claro: aquilo definitivamente não era o seu quarto.  

    — O que eu estou fazendo no seu quarto?  

    — Pelo visto, o lendário assassino das sombras não consegue guardar nem uma chave. Minggu te trouxe ontem à noite e pediu para que você ficasse aqui. — explicou Jack, não resistindo à oportunidade de provocá-lo.  

    — Entendi… — murmurou Denzel, desconcertado.  

    Era uma situação completamente nova para ele. Até aquele momento, nunca havia compartilhado um cômodo com outra pessoa. E, claro, não sem motivo: permitir que alguém dividisse o mesmo espaço, independentemente de quem fosse, sempre fora um risco inaceitável para ele. Bastava um pequeno descuido para que a confiança se tornasse traição — e traição, muitas vezes, significava morte. 

    — Coma tudo e coma rápido, partiremos assim que terminar. — ordenou Jack, aproximando o prato do rosto de Denzel, que o aceitou sem protestar.  

    — Certo… Ainda temos de ir até a cidade resolver os problemas… — murmurou Denzel, pensativo. — Como pretende lidar com o nobre que contratou pessoas para roubá-lo?  

    — Hã? Não se preocupe com isso agora, deixe para lá. Temos algo muito mais urgente para resolver.  

    — Algo mais importante?  

    — Talvez eu tenha descoberto a localização atual de Tiko.  

    Denzel ficou visivelmente surpreso por alguns segundos, mas logo sua expressão habitual, uma máscara de indiferença, retornou.  

    — Devo presumir que essa informação veio dos arquivos que Minggu lhe entregou? — perguntou, e Jack confirmou com um leve aceno. — Então permita-me entender algo. Se nem mesmo eles conseguiram identificar algo relevante com as informações que tinham, como você conseguiu?  

    — Eles não conhecem meus pais como eu os conheço. Uma das pessoas mencionadas naqueles documentos tinha vínculos com a minha família… e com o meu irmão. Ele…  

    Jack calou-se subitamente, mergulhado em seus pensamentos. Percebendo a hesitação, Denzel, com um tom direto, pressionou-o.  

    — Ele o quê?  

    — Ele tratou Tiko, meu irmão, de forma cordial… como se não fosse um elfo negro. Não sei… pode ter sido apenas uma fachada para agradar meus pais ou algo assim, mas, ainda assim, acho que vale a pena investigar.  

    Diante da explicação, Denzel relaxou ligeiramente. Era compreensível exigir justificativas, considerando que Jack tinha uma ligação emocional com o caso, algo que poderia facilmente comprometer seu julgamento.  

    — Entendido. Então, precisamos encontrar essa pessoa, correto? A teoria dos Numerous deve estar certa: essa pessoa provavelmente está ajudando Tiko a se esconder.  

    — Exatamente. Tentei obter mais informações sobre ele aqui no vilarejo, mas, ao que parece, ele não mora aqui. Contudo… — Jack pausou, visivelmente refletindo. — Se ele costuma vir comprar suprimentos neste vilarejo, deve morar relativamente próximo. Você se lembra de ter visto alguma casa durante o percurso até aqui?  

    As estradas do reino dos elfos, fora dos vilarejos e cidades, são conhecidas por serem simples caminhos retos, com poucas ramificações. Jack buscava descartar a possibilidade de terem passado por alguma residência isolada sem perceber. Embora raros, alguns elfos preferem viver em locais afastados, construindo suas casas longe dos centros populacionais. Apesar dos riscos inerentes a essa escolha — como a falta de apoio em situações de perigo —, ainda havia quem optasse por esse estilo de vida.  

    — Não… não vimos nenhuma casa isolada pelo caminho até aqui.  

    — Então é provável que a residência esteja no outro lado da estrada. Se seguirmos atentos ao percurso, podemos encontrá-la. 

    Jack se sentou na cadeira em frente à mesa, mas a girou antes, posicionando-a de forma que pudesse encarar Denzel, que já começara a devorar o conteúdo do prato em suas mãos.  

    — Assim que terminar, arrumaremos nossas coisas e partiremos. Entendido? — ordenou Jack com firmeza.  

    — Certo. Acho que vale a pena conduzir uma investigação. Mas preciso ser direto com você sobre algo antes de seguirmos… — Denzel hesitou, seu tom revelando uma certa relutância, o que imediatamente despertou a curiosidade de Jack.  

    — O quê? — insistiu Jack, sua expressão transmitindo mais urgência do que mera curiosidade.  

    Denzel recordou-se de uma conversa que tivera anteriormente com outra pessoa. Durante aquele diálogo, ambos ponderaram sobre o que poderia ter realmente acontecido com Tiko, o irmão de Jack. A hipótese deles era fundamentada no conhecimento e nas vivências que compartilhavam como elfos negros.  

    Embora os elfos enfrentassem certo nível de preconceito por parte dos humanos, o reino dos humanos ficava a centenas de quilômetros do território élfico, tornando improvável que um elfo que sempre vivera em seu próprio reino tivesse experimentado tal discriminação. Além disso, o estilo de vida dos elfos era, em muitos aspectos, superior àquele dos elfos negros, que viviam à margem da sociedade.  

    Esse contexto tornava difícil para um elfo comum compreender a perspectiva que Denzel e a outra pessoa haviam formulado. Era esse o motivo pelo qual Denzel hesitara tanto em compartilhar sua teoria com Jack. Ainda assim, um impulso inexplicável o levou a acreditar que deveria falar, mesmo correndo o risco de gerar algum atrito entre eles.  

    — Não acredito que seu irmão tenha matado seus pais. — declarou Denzel, de forma direta e incisiva, sustentando o olhar de Jack.  

    A curiosidade que antes marcava o semblante de Jack desapareceu, dando lugar a uma expressão inabalável, fria e desprovida de emoções.  

    — Entendo. — respondeu Jack, levantando-se imediatamente.  

    Denzel não conseguiu discernir se Jack estava irritado com suas palavras, mas sabia que apenas afirmar “ele é inocente” não seria suficiente para convencer Jack da profundidade e gravidade da situação em que seu irmão poderia estar envolvido.  

    — Minha teoria é de que tudo foi meticulosamente armado. Tiko pode ter sido incriminado por algum elfo com poder e influência suficientes para tal, unicamente por ser um elfo negro. Acredito que o plano envolveu o assassinato de seus pais para eliminar qualquer oposição que pudessem representar ao reino, ao mesmo tempo em que reforçaram o medo e o preconceito dos elfos contra os elfos negros. — Denzel expôs sua hipótese de maneira clara e pausada, fazendo uma breve pausa antes de concluir. — É isso. Não sei se você vai acreditar no que eu disse, mas isso não muda meu compromisso. Vou até o fim com a missão que tenho, mas achei que deveria compartilhar que seu irmão pode, sim, ser inocente.  

    — Conta outra… Como se eu já não tivesse pensado nisso. — Jack respondeu com desdém, desviando o olhar e exibindo um sorriso cínico.  

    Denzel ficou confuso com a reação de Jack, mas, ao passar alguns segundos, algo lhe ocorreu. Seus olhos se arregalaram, tomado por incredulidade.  

    — Você já sabia…? — perguntou Denzel, estupefato.  

    Se Jack já havia considerado essa possibilidade, então por que carregava tanto ódio contra seu irmão? Por que desejava matá-lo? Embora fosse difícil confirmar se a teoria era verdadeira, a menos que Jack tivesse provas, o fato de ele já ter cogitado essa ideia anteriormente — algo que Denzel acreditava que jamais passara por sua mente — levantava uma questão ainda mais inquietante: por que ele perseguia Tiko com tamanha fúria no coração? 

    — Uma desculpa…? — indagou Denzel.  

    Jack riu suavemente ao ouvir a pergunta, mas não havia humor em seu semblante.  

    — Talvez, quem sabe? — retrucou ele, com um tom teatral, gesticulando exageradamente e exibindo um sorriso sarcástico. — Você disse que faria o seu trabalho, não foi? Então, deixe essas questões de lado e concentre-se na sua missão, Denzel.  

    Denzel franziu o rosto diante das palavras de Jack, mas sabia que, no fundo, ele tinha razão.  

    Embora sua curiosidade tivesse sido instigada pela resposta desdenhosa de Jack, que revelava mais do que aparentava, ele não tinha o direito de questionar. Contudo, algo parecia claro agora: Jack não acreditava, de fato, que Tiko havia assassinado seus pais, mas ainda assim nutria um ódio imenso por ele.  

    A morte dos pais de Jack e a culpa atribuída a Tiko eram apenas um pretexto conveniente para justificar a raiva que ele carregava no coração.  

    — Sim, perdoe-me por ser invasivo. Apenas pensei que você não havia considerado essa possibilidade. — Denzel retornou ao seu tom habitual, tentando dissipar a tensão.  

    — Não sou idiota. Assim que matar Tiko, irei atrás das verdadeiras pessoas que assassinaram meus pais. Simples assim.  

    — Posso fazer uma pergunta? — questionou Denzel, desta vez com um tom mais cauteloso. — Saiba que não deixarei a missão, aconteça o que acontecer. Sou um assassino e já tirei vidas inocentes para sobreviver, mas a curiosidade é uma parte intrínseca de mim.  

    Jack bufou impacientemente, mas acenou com a cabeça, concedendo-lhe permissão.  

    — Por que você odeia tanto seu irmão? É pelo fato de ele ser um elfo negro?  

    Jack demorou um instante antes de responder, o rosto carregado por uma expressão de gelo.  

    — A culpa é dele.  

    — Como assim?  

    — Meus pais teriam morrido se ele estivesse conosco? — Jack disparou, a voz carregada de frieza, embora houvesse uma faísca de raiva no fundo. — Meus pais teriam sofrido o que sofreram apenas por criá-lo? Eu estaria sem meus amados pais hoje se não fosse por ele?  

    Ele percebeu que havia elevado demais a voz, e um esforço visível para se acalmar tornou-se evidente.  

    — Ele é uma maldição — continuou Jack, com o olhar perdido. Esse olhar se transformou em ódio, ele ergueu a mão sobre o rosto e torceu os dedos como se estivesse no limite da sanidade — Um bebê amaldiçoado que deveria ter sido abandonado naquele maldito rio onde foi encontrado. Deveria ter se afogado ou sido devorado por alguma criatura. Se isso tivesse acontecido, meus pais não teriam morrido… não teriam sofrido… e eu ainda os teria comigo.  

    A cada palavra, o rancor de Jack parecia aflorar com mais intensidade.  

    — A existência dele por si só me enoja. Eu não me importo com ele ser um elfo negro ou não. O tempo que passei convivendo com ele apagou completamente qualquer preconceito que um dia poderia ter existido em mim. Meus pais me criaram sem ódio no coração, e fui influenciado por isso. Não o odeio por ser um elfo negro; odeio-o porque ele entrou na minha vida e destruiu tudo.  

    Jack pausou por um momento, tentando manter a compostura, mas logo continuou, com os punhos cerrados.  

    — Tiko é uma maldição que preciso exterminar a qualquer custo. E sim, eu sei que ele não tem culpa. Ele não escolheu nascer como nasceu, não escolheu passar pelo que passou e, definitivamente, não escolheu que meus pais sofressem por criá-lo. Mas, mesmo assim, eu não consigo deixar de odiá-lo. Por mais irracional que seja, cada parte de mim o despreza. Se ele tivesse morrido, minha vida não teria sido destruída pela sua maldita existência.  

    Jack oscilava entre o ódio e a tristeza enquanto falava. O sentimento que nutria pelo irmão era enraizado em uma dor profunda e irreparável. Para ele, a mera presença de Tiko era uma ferida aberta que jamais cicatrizaria.  

    Após um longo suspiro, Jack virou-se para Denzel.  

    — A resposta foi esclarecedora o suficiente?  

    — Sim… — respondeu Denzel, embora ainda estivesse atônito.  

    O extenso discurso de Jack deixara Denzel surpreso e inquieto. O motivo de Jack querer a morte de seu irmão era, de fato, uma raiva irracional. Ele sabia que Tiko era inocente e não nutria ódio por ele ser um elfo negro, mas, mesmo assim, não conseguia evitar sentir repulsa pela sua simples existência, que, em sua mente, havia “amaldiçoado” sua família.  

    Era um ódio que desafiava a lógica, alimentado apenas por uma dor que Jack parecia incapaz de superar.

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