Capítulo 41 - Avançar
O vento golpeava seu corpo que despencava como uma pedra. Ele mal teve tempo de processar o choque do que acabara de presenciar. Tiko, completamente incrédulo, não teve sequer um instante para se surpreender antes de seu corpo atingir o mar com uma força considerável. Cada fibra de seu ser doía, como se tivesse colidido contra uma parede de concreto. A dor era compreensível, considerando a altura da qual havia saltado.
Tiko acreditava que, após lançar seu ataque especial — o Corte de Vento —, conseguiria recuperar o equilíbrio no ar, girando o corpo no sentido horário e mergulhando de forma controlada no mar, minimizando os danos.
Contudo, o súbito impacto de seu ataque em Richard, algo que nem ele mesmo esperava, o desconcentrou devido à preocupação, fazendo com que caísse desajeitadamente na água. Submerso, ele não conseguiu nadar para a superfície de imediato, permanecendo completamente afundado. Sentia-se apodrecido por dentro. Richard fora atingido por seu golpe, e se estivesse morto, Tiko seria o responsável pela morte do homem que carregava as esperanças de todo um reino.
Incontáveis pensamentos atravessaram sua mente enquanto permanecia mergulhado, ao ponto de perder completamente a noção do tempo. Apenas quando seu oxigênio estava no limite, ele instintivamente subiu, rompendo a superfície com um suspiro desesperado.
— Ahhh!
Tiko emergiu, a cabeça fora da água. Seus olhos ardiam devido ao tempo que permaneceu com eles abertos, mirando o vazio sob o mar. Cada músculo de seu corpo protestava contra ele, ainda ressentido pelo impacto contra a água. Mesmo assim, ele ergueu o olhar em direção ao topo da colina de onde havia saltado. Richard ainda estaria lá? Ainda estaria estirado no chão, com o corpo dilacerado? Tiko precisava saber se ele estava bem. A culpa não o permitiria abandonar o local sem confirmar o estado de Richard.
Apesar de Richard ter mudado de ideia, Tiko ainda o considerava uma boa pessoa. E isso bastava para justificar sua preocupação. Afinal, além de GolbZedh, Richard fora o único a estender-lhe a mão em um momento de necessidade.
Mesmo com a dor irradiando por todo o corpo, ele se obrigou a nadar até uma pequena praia coberta de pedras. Se Tiko fosse alguém desprovido de sorte, teria se espatifado contra as rochas pontiagudas logo abaixo. A perda de concentração causada pelo choque que vivenciou o fizera despencar desgovernado. Foi pura sorte ele estar vivo, sua queda tendo sido amortecida pelo mar e não pelas traiçoeiras pedras.
— Sou mesmo um sortudo… — murmurou ele, exausto.
O elfo negro correu pela praia e iniciou a subida pela passagem íngreme que conduzia ao topo. Ainda precisaria correr por mais alguns minutos antes de alcançar o pico, já que a praia não oferecia um caminho direto até lá, forçando-o a fazer um desvio. Apesar disso, ele persistiu em sua corrida.
Em dado momento, ouviu o som de passos rápidos aproximando-se. Instintivamente, virou-se em direção ao som, e então um elfo surgiu do outro lado. Era GolbZedh.
— Velho! — gritou Tiko, correndo em sua direção e envolvendo-o em um abraço.
GolbZedh, surpreso por encontrar Tiko ali, apenas retribuiu o gesto. Ele percebeu imediatamente o estado mental do jovem elfo negro. O rosto de Tiko estava marcado por uma expressão de tormento, como se tivesse cometido o pior erro de sua vida. Era semelhante ao semblante de uma criança que, após fazer algo errado, teme as inevitáveis consequências. Apesar disso, GolbZedh decidiu não apressar aquele momento. Após o abraço, pousou as mãos nos ombros de Tiko, a preocupação evidente em seu semblante.
— O que aconteceu? Onde estão os outros? Richard? Jack?
— Eles…
Tiko não tinha ideia do paradeiro de Jack. Contudo, o fato de Jack não ter aparecido para persegui-lo sugeria que Richard pudesse ter lidado com ele de alguma forma. Mas era difícil imaginar Richard — sempre tão íntegro — matando alguém. No máximo, teria expulsado Jack de maneira contida.
Enquanto ponderava, a cena de Richard sendo partido ao meio por seu golpe retornou à sua mente. O rosto de Tiko se distorceu novamente, tomado pela culpa.
— Richard! Eu não pensei que ele fosse ser atingido! Achei que ele, com toda certeza, desviaria!
— T-Tiko?! C-Calma! Explique direito o que está…
— Eu não queria! Não queria matá-lo! Mas ele não desviou! Eu só queria fugir!
O completo desespero tomou conta de Tiko, e GolbZedh lutava para compreender o que ele dizia, sem sucesso. As palavras do jovem elfo eram desconexas, e o modo como ele falava, quase chorando, transbordava arrependimento e angústia.
— Tiko, o que aconteceu?
Sem conseguir responder de imediato, Tiko apenas encarou o elfo idoso com olhos desesperados.
Após se acalmar um pouco, contou a GolbZedh tudo o que havia ocorrido. Embora a história fosse difícil de acreditar, GolbZedh decidiu acompanhar Tiko até o último lugar onde ele vira Richard.
Quando chegaram, o local estava manchado de sangue, e o corpo sem vida de Richard jazia no chão, dividido em duas partes. Sua expressão era vazia, desprovida de qualquer vestígio de emoção.
— Eu… eu… eu…
— Tiko! Feche os olhos! — disse GolbZedh, posicionando-se entre Tiko e o corpo.
— Eu matei… matei uma pessoa… eu…
Embora já tivesse imaginado que um dia teria que tirar uma vida, Tiko sempre acreditou que isso aconteceria com alguém que realmente merecesse morrer, como aqueles que assassinaram seus pais. No entanto, como se o destino zombasse dele, sua primeira morte foi a de um homem bom, alguém que não merecia tal fim. Tiko havia tirado a vida de um inocente.
— Eu matei ele! — gritou, levando as mãos à cabeça.
— Você…
“Você não matou!” Era o que GolbZedh desejava dizer, mas interrompeu-se no meio da frase. A realidade estava diante deles, inegável. Richard estava morto. E, pela narrativa de Tiko, não havia dúvidas de que ele era o responsável. O golpe fora desferido por Tiko, criado por ele.
Ainda assim, GolbZedh não conseguia entender como Richard Ravens, o homem mais poderoso do reino, havia sucumbido ao ataque de Tiko, um jovem elfo negro que sequer era um cavaleiro sagrado. Como? Como alguém tão grandioso foi derrotado por alguém tão improvável?
— Tiko… por ora, precisamos sair daqui e encontrar outro lugar seguro — disse GolbZedh, tentando trazer o jovem de volta à calma.
— O quê…? Fugir…?
— Tiko, seu irmão estava aqui. Ele pode muito bem reportar sobre nós dois às autoridades competentes! Pior ainda, quando encontrarem o corpo de Richard Ravens, irão culpá-lo!
— Mas é verdade… fui eu quem fez isso… eu que o matei…
— Você estava fugindo! Concentre-se! Não pode se deixar ser capturado por um crime que você não cometeu! Entendeu? — GolbZedh segurou o rosto de Tiko com ambas as mãos, forçando-o a focar toda a sua atenção em suas palavras. — Você fez o que era necessário para continuar avançando, o que precisava para sobreviver! Lembra-se do que me disse antes? Que sempre iria avançar, não importa o que acontecesse?
Avance, avance, avance.
Sentir-se abalado naquele momento não mudaria nada. Richard Ravens já estava morto. O que ele poderia fazer? Existiria alguma maneira de compensar a morte do homem mais importante de todo o reino élfico? Jamais. Nem mesmo se entregando às autoridades e sendo preso ele conseguiria reparar isso. Seu sacrifício seria inútil, e nada mudaria. O mundo permaneceria inalterado, e sua justiça jamais se concretizaria.
— Preciso avançar…
— Isso mesmo, continue avançando, não importa o que aconteça. Agora… — GolbZedh lançou um olhar para o corpo de Richard no chão. — Precisamos lidar com este corpo…
— Como?
— Se o deixarmos aqui, isso pode gerar complicações ainda maiores para você, Tiko. A narrativa de que você assassinou dois elfos para eliminar o cavaleiro sagrado mais proeminente do reino, e o homem considerado o mais poderoso de todo o continente, é um salto perigoso demais! Você seria imediatamente colocado no topo da lista de procurados do reino. Não, você estaria na lista dos criminosos mais procurados de todo o continente!
Permitir que o corpo de Richard fosse encontrado seria um risco excessivo. GolbZedh estava certo de que a melhor alternativa seria descartar o corpo no mar, para que afundasse e desaparecesse completamente, levando consigo qualquer prova ou suspeita.
— GolbZedh… eu sei que isso será egoísmo da minha parte, na verdade, pode até ser considerado uma tolice. Mas quero que o corpo de Richard seja encontrado.
— O quê?!
— Não vou me entregar… na verdade, não posso fazer isso. Não posso simplesmente sentar e desistir de avançar, como você mesmo disse. Mas isso não significa que quero me tornar uma pessoa deplorável. Descartar o corpo dele no mar, privando as pessoas que se importam com ele de sequer saberem se está vivo ou morto, é pior do que a própria morte.
Tiko sabia, ao menos, que seus amados pais estavam mortos. Se ele não tivesse essa certeza e eles simplesmente houvessem desaparecido, certamente teria se perdido em uma espiral depressiva maior do que qualquer outra que já enfrentara.
— As pessoas vão te odiar ainda mais do que já te odeiam! Você será o inimigo jurado de todo o reino élfico! Nem aqui, nem fora do reino, você poderá levar uma vida normal! Você será um criminoso do mais alto nível em todo o continente! — retrucou GolbZedh, na tentativa de trazer lucidez às decisões de Tiko. — Nunca mais terá uma vida normal…
Era evidente que essas últimas palavras pesaram ainda mais para GolbZedh. Dizer aquilo era doloroso. Aceitar que Tiko seria para sempre rotulado como um criminoso por razões injustas era algo que ele não queria admitir. Que destino amargo o mundo havia reservado para um jovem tão bondoso…
— Eu sei. E aceito isso.
— Como você tem coragem de dizer isso, Tiko…?
Tiko abriu um sorriso confiante.
— Cansei de lamentar minha situação. — Ele voltou seu olhar sério para o corpo destroçado de Richard Ravens. — Não sei o que o levou a não desviar daquele golpe. Se fosse você, tenho certeza de que teria escapado. Mas isso não aconteceu. Sinto muito, Richard, mas não derramarei mais lágrimas por sua morte. Vou apenas me concentrar em seguir em frente, em avançar.
Tiko desejava profundamente que Richard pudesse ouvir aquelas palavras, mas não tinha certeza de que isso era possível. A vida após a morte permanecia um mistério para todas as raças do continente. Então, ele disse aquilo mais para reforçar sua própria convicção em continuar avançando e demonstrar a GolbZedh o quão determinado estava.
Quase que Tiko se desestabilizou novamente ao lembrar que havia matado Richard, mas conseguiu rapidamente recuperar sua serenidade e sanidade. Isso se devia à conversa que teve com GolbZedh em um passado não tão distante. Sem aquele diálogo, ele teria sido reduzido a nada, uma casca vazia.

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