Capítulo 43 - Desacreditado
Uma notícia havia o abalado de uma maneira que ele jamais imaginara possível. O dia começara como outro qualquer, não fosse pelo fato de Richard estar em reunião com um criminoso procurado. Richard não fornecera muitos detalhes sobre o caso, apenas dissera que ajudaria o elfo negro de alguma forma, o que deixara Breck profundamente inquieto.
Confiar em um elfo negro poderia acarretar sérios problemas para Richard, especialmente se ele fosse visto em companhia de alguém notoriamente famoso por seus crimes no reino. Ainda assim, Breck decidira confiar no homem que ocupava o posto mais elevado no reino. Nada poderia acontecer a Richard, ou pelo menos era o que ele acreditava.
— Onde ele está?!
Breck escancarou as portas duplas com força, sua respiração ofegante. A notícia que recebera mais cedo de um dos seus companheiros cavaleiros sagrados era suficiente para deixar qualquer um em estado de descrença, especialmente alguém como ele, que conhecia Richard de perto e testemunhara sua ascensão militar. Era inconcebível, completamente inconcebível.
— Breck, por favor, acalme-se.
Uma mulher uniformizada aproximou-se, gesticulando de maneira tranquila para apaziguá-lo. Uma mulher de cabelos verdes e beleza impressionante, trajando o uniforme característico dos cavaleiros sagrados.
Capitã da quarta divisão dos cavaleiros sagrados, Echia. Ela se aproximou com cautela ao notar a expressão distorcida de Breck, que parecia estar completamente fora de controle.
— Aceita um copo de água?
— Que se dane isso! Eu ouvi… eu ouvi… ele…
— …
Echia não respondeu com palavras, mas com seu silêncio eloquente. Ela sabia exatamente sobre o que Breck se referia, o que ele queria confirmar.
— AHHHHHHH!
Um grito ecoou por todo o departamento dos cavaleiros sagrados. Era uma voz feminina, aguda, quase infantil. Um grito de desespero, dor e lágrimas, vindo de uma sala ao lado cuja porta estava fechada. No entanto, mesmo fechada, a porta não foi capaz de conter o som angustiante que reverberava por todo o salão principal. A maioria dos presentes desviou o olhar para o chão, relutantes, como se o peso daquela dor fosse insuportável. Estavam atônitos, completamente desmoralizados.
— Essa voz… — Breck reconheceu imediatamente. Era a voz de alguém que ele já conhecera em companhia de Richard.
— É a irmã dele — respondeu Echia com o semblante inalterado, carregando uma seriedade imperturbável.
— Permitiram que uma criança entrasse na sala?!
A sala de onde viera o grito era destinada a preservar os corpos dos cavaleiros antes de seus funerais. Equipado com um mecanismo de resfriamento, o ambiente mantinha os cadáveres em perfeitas condições até o momento do sepultamento. O frio no interior era tão intenso que, normalmente, quem precisasse entrar deveria vestir uma capa especial, projetada para mitigar os efeitos torturantes da baixa temperatura.
Sem esperar que a mulher diante dele respondesse à sua indagação carregada de indignação, Breck avançou em direção à sala. Contudo, foi abruptamente detido por um homem que se colocou em seu caminho.
O homem era amplamente conhecido em todo o reino. Após Richard Ravens, ele era considerado uma das figuras mais influentes. Tratava-se de ninguém menos que o patriarca da família Ravens — Kiel Ravens.
— Vejo que continua sendo uma criança impulsiva, jovem Breck — disse Kiel, mantendo sua expressão inalterada. Seu olhar, frio e penetrante, parecia sondar até a alma de Breck, que sentiu um calafrio ao encarar aqueles olhos límpidos.
— É sua filha lá dentro, não é? O corpo de Richard… — Breck cerrou os dentes, tomado pela raiva ao imaginar o corpo daquele homem inerte sobre uma mesa. — Como pôde permitir que ela visse o corpo dele?!
— Isso é necessário. Especialmente diante da calamidade que estamos prestes a enfrentar.
— O quê?! Que maldita calamidade você está falando?!
— Acalme-se, Breck. O Mestre Kiel está aqui para lidar com os assuntos relacionados à sua família. É melhor não interferir nisso. — Com uma mão firme em seu ombro, Echia tentou persuadi-lo, mas recebeu em troca um olhar glacial de Breck, que afastou o toque, incomodado.
— Echia, o relatório que li está repleto de inconsistências. Tem certeza das informações ali contidas? — perguntou Kiel, impassível.
— Não posso afirmar que estão 100% corretas, afinal, não foi escrito por mim. No entanto, solicitei que cada cavaleiro revisasse seus apontamentos sobre a descoberta do corpo de Richard. Também achei difícil acreditar no que li.
— Um velho sem qualquer habilidade de combate ou talento excepcional em magia assassinou Richard? Se isso não é uma piada, é algo tão absurdo quanto uma. E, como sabe, odeio piadas. — O tom de Kiel permanecia constante, frio e quase mecânico, soando antinatural.
— Quem seria capaz de matar Richard? Quem é esse homem? — questionou Breck.
— Esse é o problema, Breck — respondeu Echia. — Ninguém. Um “ninguém” afirma ser o assassino do homem mais poderoso do reino. Consegue compreender o quão absurdo isso soa?
Breck assentiu, ainda processando a informação. Um ar gélido começou a envolvê-lo enquanto a porta da sala de resfriamento se abria. Dela, emergiu uma garota com olhos apagados, como se sua alma tivesse sido deixada para trás naquele quarto.
— Pai… — murmurou Mia, quase sem forças.
— Hm… Mia. Agora que viu a situação com seus próprios olhos, precisamos nos preparar para as mudanças que estão por vir — respondeu Kiel, quase sem direcionar seu olhar para a filha exausta, mantendo o tom impassível.
— Ei… mas que droga é essa…? — questionou Breck. — Seu filho está morto… sua filha está arrasada por ver o corpo do irmão morto, e você está preocupado com qualquer outra coisa?!
Parecendo perder um pouco da paciência, mas sem demonstrar claramente essa perda, Kiel voltou seu rosto para o incrédulo Breck e respondeu prontamente.
— Ah, então o mais sensato seria relaxar um pouco e cruzar os braços diante de uma crise nacional?
— …
— Sei que para um cavaleiro comum como você pode ser difícil entender o que Richard representava para todo o reino. Contudo, ignorar a situação crítica em que se encontra o reino élfico é algo inaceitável para qualquer cavaleiro sagrado, concorda?
Chamar um capitão de divisão de “cavaleiro comum” era praticamente desdenhar de todos os outros. O comentário repercutiu no ambiente, gerando olhares de indignação por parte dos cavaleiros presentes. Kiel havia ferido profundamente o orgulho dos guardiões do reino.
Sem demonstrar o menor interesse pelos olhares alheios, Kiel prosseguiu com uma calma glacial:
— A partir deste momento, não apenas o reino, mas a estabilidade de todo o continente estará em xeque. Perdemos a única constante de força reconhecida entre os demais reinos. Estamos, por assim dizer, expostos, como se nossa armadura impenetrável tivesse sido arrancada abruptamente. Richard Ravens era, em todos os sentidos, a personificação da invulnerabilidade estratégica e militar. Sua perda não é apenas difícil de aceitar, é simplesmente incomensurável.
Com a experiência de quem previu cenários catastróficos, Kiel continuou:
— Naturalmente, como líder da família Ravens e conselheiro-chefe do Reino Élfico, antecipei um plano de contingência para emergências dessa magnitude. Contudo, devo enfatizar que tal plano nunca deveria ter sido mais que uma precaução teórica. A realidade de ativá-lo, mesmo parcialmente, não mitigará nem metade das adversidades que enfrentaremos como nação. Se não agirmos de imediato, é plausível que sejamos arrastados para uma guerra em múltiplas frentes. E, nesse cenário, seríamos obliterados. Você compreende o que é enfrentar três reinos simultaneamente, cada um com forças armadas três vezes superiores às nossas?
Breck permaneceu mudo, incapaz de refutar a avalanche de argumentos sólidos que Kiel lhe lançara. Seu silêncio revelava a plena consciência de que não havia espaço para contestações. Ninguém na sala ousava questionar a lógica do conselheiro-chefe, por mais insensíveis que suas palavras pudessem soar.
Para muitos ali, Richard não era apenas um herói, mas uma figura quase divina. Muitos cavaleiros haviam seguido seus passos, inspirados por sua lenda. Contudo, ouvir a dor coletiva tratada como algo irrelevante era um golpe difícil de suportar para aqueles que carregavam o peso da honra.
Kiel, porém, implacável, declarou:
— Compreendo plenamente o desejo de todos de vivenciar seu luto. Respeito isso. Mas não temos o luxo do tempo para tais trivialidades.
Breck explodiu, incapaz de conter a indignação:
— Como ousa chamar isso de trivialidade?! Não era o seu filho?!
O olhar de Kiel, frio como gelo, pousou sobre Breck antes de responder:
— Sim, ele era. No entanto, se somos de fato os guardiões do futuro deste reino, devemos nos manter um passo à frente. Estamos prestes a enfrentar o maior revés da história do Reino Élfico. As chances de recuperação são ínfimas, menores do que a probabilidade de um raio atingir o mesmo lugar duas vezes. Devemos enterrar nossas emoções e agir com a mente clara e resoluta. Caso contrário, todo o legado construído por nossos antecessores será reduzido a pó.
Breck tentou reagir, mas, antes que pudesse, um homem vestido de branco desceu as escadas. Seu semblante exaurido e as roupas amarrotadas indicavam que ele não desperdiçara nem um instante. Era o vice-conselheiro do reino, Isu.
— Conselheiro-chefe Kiel! — exclamou Isu.
— O que foi, Isu? — perguntou Kiel, sem desviar o foco.
— As mensagens foram enviadas para os três reinos.
— Excelente. Quanto mais cedo essa reunião acontecer, melhor. O futuro do reino depende de nós.
— Sim, senhor! Imediatamente, senhor! — respondeu Isu, com firmeza.
— O capitão da Primeira Divisão já foi convocado? Precisamos de seus conhecimentos para os procedimentos relacionados ao corpo de Richard.
— Ele está a caminho, senhor.
Echia, incapaz de conter sua curiosidade, interveio:
— Procedimentos?
— Acredito que seria mais apropriado discutirmos isso em particular. Disponibilizem uma sala reservada — solicitou Kiel.
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