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    Agora, quatro figuras proeminentes estavam reunidas em uma sala subterrânea, completamente isolada por paredes encantadas com feitiços que neutralizavam qualquer tentativa de espionagem, mágica ou tecnológica. Conhecida como a Sala das Reuniões Secretas, esse recinto era um dos mais seguros e reservados do reino, acessível apenas a capitães de divisões e oficiais de igual ou superior hierarquia. 

    A sala estava mergulhada em sombras, a única iluminação sendo o brilho frio e distante de uma lamparina em cima da mesa. O ambiente cheirava a couro e perfume amadeirado.

    Sentado em uma poltrona de couro cinzento, um elfo de olhos afiados e expressão indecifrável mantinha as mãos unidas diante de si. Sua postura, relaxada, mas ao mesmo tempo tensa, denunciava alguém acostumado a tomar decisões difíceis. O traje negro, detalhado com finas linhas douradas, abraçava seu corpo como se fosse uma segunda pele. Seus cabelos vermelhos caíam de maneira desordenada sobre a testa, mas mesmo a aparente bagunça parecia calculada. Riez encarava o local enquanto analisava o entorno e fazia previsões sobre como seguiria o rumo da discussão que viria a seguir.

    Atrás dele, um homem alto e esguio permanecia em silêncio, a expressão tão fria quanto a luz que os envolvia. Seus olhos, parcialmente escondidos pelas sombras de seus cabelos negros, observavam com cautela, como se esperasse que algo acontecesse a qualquer momento. O cachecol verde e a longa capa conferiam-lhe um ar quase espectral, um guardião das sombras sempre à espreita. Isu, o Vice-Conselheiro apenas encarava Breck e Echia com um olhar atento.

    — Agora podemos conversar com mais tranquilidade — comentou Kiel, acomodando-se com a postura de quem detinha pleno controle da situação. — Na verdade, aquilo que mencionamos sobre o capitão da Primeira Divisão foi apenas uma encenação.  

    — O quê? Então ele não está realmente vindo para cá? — indagou Breck, franzindo a testa em confusão.  

    — Não creio que seja exatamente isso que Kiel está querendo dizer, Breck — interveio Echia.  

    Breck permaneceu perplexo, encarando Kiel em busca de uma explicação mais clara.  

    — Todas as bênçãos de Richard foram subtraídas de seu corpo — declarou Kiel, sua voz carregada de gravidade.  

    As expressões de Breck e Echia eram um retrato vivo do choque e descrença. O impacto de suas reações era quase palpável.  

    — O quê?! Roubaram todas as bênçãos dele?! — exclamou Breck, com incredulidade.  

    — Eu sabia que Richard possuía mais de uma bênção… ou, pelo menos, suspeitava disso… Então é verdade que todas as bênçãos de Richard Ravens foram roubadas? — murmurou Echia, tentando assimilar a informação.  

    — Foi o velho? Aquele que matou Richard? — perguntou Breck, a dúvida clara em seu tom.  

    — Não pode ter sido ele — respondeu prontamente o vice-conselheiro. — O homem que afirma ter matado Richard não possui habilidades nem para enfrentar um cavaleiro sagrado mediano. É evidente que está mentindo, provavelmente para encobrir outra pessoa.  

    — Já se passaram, ao que parece, um dia e meio desde a morte de Richard. Aquele que assumiu a investigação antes de minha chegada à cidade conduziu um trabalho deplorável — comentou Kiel, com um suspiro de frustração. — Tudo indica que foi uma manobra bem arquitetada para desviar nossa atenção. O objetivo real era ganhar tempo, levando-nos a crer que havíamos capturado o verdadeiro assassino, enquanto o culpado real fugia do território do reino élfico. Minha chegada tardia, combinada com as horas necessárias para revisar aqueles relatórios medíocres, impossibilitou que eu interviesse desde o início. Agora, é tarde demais para destacarmos cavaleiros sagrados às fronteiras. Quem quer que tenha assassinado Richard terá pouca dificuldade para escapar.  

    — Devo solicitar uma licença formal para demitir o homem que esteve à frente do caso, senhor? — questionou Isu, com tom de indignação.  

    — Não será necessário — respondeu Kiel, com frieza. — Já ordenei sua prisão. Pelo crime de incompetência flagrante, ele passará muitos anos atrás das grades. É o mínimo que sua negligência merece. 

    — Então é isso? Vamos desistir de prender o verdadeiro assassino apenas por isso?! — indagou Breck, a frustração transparecendo em sua voz.  

    — Até onde você ouviu? Não importa se tentarmos enviar cavaleiros agora, será um esforço completamente em vão. As pessoas responsáveis já saíram do território antes mesmo de chegarmos perto do local — respondeu Kiel, com um tom de resignação.  

    — Mas ainda assim… — Breck insistiu, sem conseguir conter a inquietação.  

    — Não, não podemos perder tempo com uma batalha já perdida. Precisamos focar no que está por vir. O que podemos fazer agora é mitigar os danos que enfrentaremos e tentar manter, ao máximo, a estrutura hierárquica que possuíamos antes do falecimento de Richard.  

    — E o que você sugere? — questionou Echia, mas, percebendo a falta de clareza em sua pergunta, rapidamente corrigiu-se. — Na verdade… o que já foi feito até agora?  

    — Primeiramente, é imprescindível que apenas os capitães das divisões, além de mim e meu Vice-Conselheiro, saibam sobre o roubo das bênçãos de Richard.  

    — Por que isso? — perguntou Breck, desconfiado.  

    — Bênçãos são poder, são armas, e as que Richard possuía eram, sem dúvida, formidáveis. Eu mesmo o instruí a tomar algumas de inimigos que ele derrotou no passado. Embora os outros reinos não saibam exatamente quais bênçãos Richard detinha, eles estavam cientes de que o número delas superava o habitual, possivelmente três ou mais. E como essas bênçãos pertenciam ao homem mais poderoso, é lógico supor que eles as considerariam “armas” que acompanhavam o nível de excelência do próprio Richard. Portanto, se ainda passarmos a impressão de que possuímos as bênçãos e podemos transferi-las para os corpos de outros cavaleiros sagrados sob nosso comando, conseguiremos amenizar, nem que seja um pouco, o impacto da perda de Richard. “Eles perderam as bombas, mas não perderam os canhões”, é basicamente isso.  

    — Certo, isso faz sentido. É uma jogada política — comentou Echia, compreendendo a estratégia.  

    — Mas você mencionou isso dentro da base dos cavaleiros. Acha que essa informação não vai se espalhar para os outros reinos? — questionou Breck, visivelmente preocupado.  

    — Nossa… quanta ingenuidade… — murmurou Isu, com um suspiro exasperado.  

    — O que foi?! Acham que nossos próprios companheiros vão nos trair, trocando informações com outros reinos?! — Breck replicou, indignado.  

    — Exatamente isso, seu energúmeno. Temos espiões entre nós, e não é difícil perceber isso — respondeu Isu, com um olhar severo.  

    — Da mesma forma que os espiões podem ser uma ameaça caso descubram informações vitais, eles também são, de certa forma, bastante úteis para disseminar as informações que desejamos que cheguem aos outros reinos, especialmente quando sabemos de sua presença — comentou Kiel.

    Dinheiro, itens do exterior, conhecimento… Todos esses recursos podem, sem dúvida, ser utilizados para subornar elfos dentro do reino, colocando-os a serviço dos humanos dos reinos externos. Quem não compreender essa dinâmica política não conseguiria sobreviver neste mundo onde tudo funciona com base em trocas de influência.

    — Seguindo essa linha de raciocínio, há duas ações que precisamos realizar com urgência: garantir que ao menos dois capitães dos cavaleiros sagrados se tornem paladinos e encontrar uma pessoa capaz de substituir Richard Ravens — disse Kiel, com um tom firme.  

    — Substituto? Isso é sequer viável? — perguntou Echia, visivelmente desconcertada.  

    Breck permaneceu em silêncio, ciente de que, se falasse, a lembrança da última frase de Kiel sobre o próprio filho tornaria a conversa ainda mais delicada.  

    — Não é impossível, mas extremamente difícil. Richard era um elfo entre os elfos, e duvido que alguém com suas características e habilidades surja novamente nos próximos mil anos.  

    — Então como vamos encontrar um substituto? Um capitão de divisão? — questionou Echia, com um olhar atento.  

    — Permita-me ser sincero, Echia. Nenhum de vocês, capitães de divisão, possui talento ou capacidade para sequer se aproximar do poder de Richard. Compará-los a ele seria como comparar um adulto experiente a uma criança que se diverte com espadas de madeira.  

    Echia, visivelmente irritada pela comparação, lutou contra o impulso de refutar, engolindo o orgulho para não prolongar a reunião mais do que o necessário.  

    — A única pessoa que pode, talvez, ter uma chance de beber da mesma água que Richard bebeu, é sua irmã, Mia, minha filha.  

    — Aquela garota?  

    — “Aquela garota”, como você a chama, é mais forte que a maioria dos cavaleiros sagrados de sua divisão, sendo cinco vezes mais jovem que eles. Quanto ao talento, é claro que ela não possui nem de longe a mesma magnitude que seu irmão. Contudo, se tivesse que apostar em alguém, seria nela. E é isso que farei. Assim como treinei Richard desde a infância, farei o mesmo com ela, transformando-a em uma cavaleira sagrada que, ao menos, consiga se arrastar até o nível de seu irmão, mesmo que em sua última centelha de vida.  

    Breck, enquanto ouvia aquelas palavras, não pôde deixar de refletir sobre a infância horrível que Richard provavelmente teve sob a tutela de um pai como aquele. Ele desejava poder ter conversado com Richard mais uma vez, talvez ser mais gentil, ao menos uma vez. O arrependimento o corroía.  

    — Então, os capitães se tornarem paladinos seria, basicamente, uma forma de ganhar tempo? — perguntou Breck, com uma expressão pensativa.  

    — Exatamente — respondeu Kiel, afirmando com convicção. — Embora não seja o ideal, se conseguirmos convencer os reinos humanos a permitir que ao menos dois elfos se tornem paladinos, isso pode amenizar a situação por algum tempo, até que Mia esteja pronta para substituir seu irmão. Claro, dois paladinos do nível dos capitães são praticamente nada comparado ao homem que eu criei. Richard valia mais como guerreiro do que todos os cavaleiros sagrados juntos, isso é incontestável. Mas precisamos de uma forma de ganhar tempo, e é isso que faremos.  

    — Quero ver como vamos convencer os reinos humanos a permitir isso… foi difícil o suficiente permitir que Richard se tornasse um paladino, imagina permitir dois cavaleiros? — ponderou Echia, com um olhar preocupado. — Espera… aquilo que você mencionou mais cedo, no salão principal…  

    Echia olhou curiosa, e também surpresa, para o Vice-Conselheiro, que respondeu apenas com um sorriso irônico.

    — Pedi a Isu que reportasse a situação atual o mais rápido possível e enviasse um decreto aos outros reinos solicitando uma reunião de emergência no reino élfico. Se tudo ocorrer como planejado, a reunião deve acontecer em três meses, sendo otimista; se formos um pouco mais realistas, talvez em quatro ou cinco meses — respondeu Kiel, esclarecendo a dúvida de Echia, que se surpreendeu com a rapidez e eficiência com que o homem estava lidando com as medidas para contornar a situação.

    — Então, se tudo correr bem, teremos uma reunião com os reis de todos os reinos do continente em breve para discutir o futuro do reino élfico… hahaha — Breck soltou uma risada amarga. — Não faz nem dois dias que ele morreu e já estamos vendo o cenário do continente mudar a uma velocidade assustadora.

    — Enquanto isso, claro, continuaremos investigando nas sombras o que realmente aconteceu com Richard. É impensável que o responsável por essa tragédia se escape assim, ainda mais tendo roubado as bênçãos de Richard. Precisamos nos reerguer de qualquer maneira. Por isso, eu mesmo pedi a colaboração do juiz Clementine para me ajudar no julgamento do suspeito. Não o acusaremos de ser o assassino de Richard Ravens, mas de ter auxiliado o verdadeiro responsável. Ele será enviado para Decadência, onde faremos todo o possível para extrair informações dele.

    — V-Você está falando em tortura? — perguntou Breck, visivelmente desconfortável.

    — Sem dúvida.

    — Isso jamais seria permitido!

    — Sua ingenuidade ainda me impressiona, garoto. Com um pouco de influência, tenho certeza de que conseguiremos prender o velho e obter as informações necessárias através de dor. E eu sei exatamente quem chamar para esse trabalho hediondo: o carrasco, conhecido como Gôr, a besta do chicote serpente. Tenho plena confiança de que um homem tão insano quanto ele será capaz de arrancar as informações que precisamos. Só temo que, se o velho permanecer em silêncio por muito tempo, ele acabe sucumbindo antes de revelá-las.

    Com um amargo sabor de resignação na boca, Breck não teve escolha a não ser aceitar a situação. Aquela reunião privada foi, sem dúvida, uma das mais desagradáveis que ele já havia participado, especialmente logo após a morte de uma pessoa que, de alguma forma, era importante para ele.

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