Capítulo 45 - Arrependimentos
Breck caminhava pelo corredor estreito e mal iluminado, os passos ecoando como marteladas em sua cabeça. À frente, avistou Mia Ravens sentada em um banco encostado na parede de pedra fria. Ela estava encolhida, os braços cruzados sobre o peito, como se tentasse se proteger de algo invisível. Quando Breck passou por ela, sentiu o peso do momento e parou, incapaz de seguir em frente.
— Como você está? — perguntou ele, a voz mais baixa do que pretendia.
— Estou bem… — murmurou Mia, mas sua voz fraca traiu a mentira mal disfarçada que escapou de seus lábios.
— Ele amava você. De verdade… Era louco por você.
Mia ergueu os olhos, cansados e avermelhados, e o encarou com um brilho fugaz de desafio.
— Está tentando me animar por acaso? — Sua voz carregava um tom levemente ácido, mas a tristeza embargada nela era impossível de esconder.
— Não preciso dessas palavras vazias… — sussurrou, virando o rosto para a parede.
— É… certo.
Breck coçou a nuca, desconcertado. Ele não sabia como confortar uma garota que acabara de perder o irmão — ainda mais de uma forma que podia ser descrita como o choque mais inexplicável do século.
A morte de Richard parecia impossível. Qualquer um que conhecesse suas façanhas fecharia os olhos, abriria de novo, e repetiria o gesto, esperando que a notícia se desfizesse como uma ilusão. Mas não era.
Breck ainda lutava para processar aquilo, como se sua mente se recusasse a aceitar a realidade. Parecia um pesadelo, e ele continuava esperando acordar.
— Eu vou matar… — murmurou Mia, com a voz baixa, mas carregada de um peso sombrio.
Breck ergueu o olhar, alarmado.
— Matar? Do que você tá falando?
— Vou matar quem fez isso com meu irmão… Não vou descansar. Não vou parar… Vou fazer o que for necessário para que essa pessoa — ou essas pessoas — paguem com a própria vida. — As palavras dela eram veneno puro, e lágrimas grossas escorriam por suas bochechas pálidas.
Breck permaneceu em silêncio por um momento, tentando decifrar o que sentia ao testemunhar aquela fúria desabrochando em Mia. Era algo desconfortável, como se uma força incontrolável estivesse tomando conta dela, mas ao mesmo tempo… ele não podia negar que entendia.
Na verdade, parte dele sentia o mesmo.
— Eu não era exatamente amigo dele… — disse Breck, encostando-se na parede com um sorriso fraco. — Mas ainda assim, sinto como se tivessem roubado algo de mim. Parte de mim queria ter tido a chance de enfrentá-lo… e vencê-lo.
Mia ergueu uma sobrancelha, o semblante endurecendo.
— Você? Superar meu irmão? Deixe de ser ridículo.
— Ei, calma aí… Eu também tenho sonhos e objetivos, sabia? Não destrua eles assim tão rápido. — Breck tentou disfarçar o desconforto com uma risada leve. — Eu vou te ajudar.
— Eu não preciso da sua ajuda. — Ela apertou os punhos, ainda tensa.
— Certo. Mas mesmo assim, eu vou ajudar.
Mia o encarou por um instante, parecendo incomodada, mas então soltou um suspiro e deu de ombros.
— Se é o que você quer, não vou impedir.
— Ótimo. — Breck descruzou os braços e olhou para ela com determinação. — Vamos juntos vingar Richard. Nem que seja a última coisa que façamos.
Mia assentiu, os olhos ardendo com a promessa de vingança.
— Certo…
⧫⧫⧫
Suas costas latejavam. Antes de perder os sentidos, Jack havia colidido violentamente contra seu companheiro e então sucumbido ao cansaço. Quando despertou, num sobressalto, encontrou-se em um quarto de madeira, semelhante aos do vilarejo que visitara alguns dias antes. O aposento estava vazio, exceto pelo elfo, que agora se sentava na cama, visivelmente alarmado e desconfiado, observando cada canto do ambiente com um olhar inquieto — chegando até mesmo a deslocar os móveis em busca de algo ou alguém. No entanto, não havia qualquer sinal de outra presença viva naquele espaço.
— O que aconteceu…? — murmurou o elfo, ainda atordoado.
A última lembrança antes de ser subjugado por Richard Ravens era de ter encontrado seu irmão e disparado uma flecha contra um elfo idoso que o acompanhava. As memórias, embora confusas e entrelaçadas, começaram a se organizar à medida que Jack respirava profundamente, tentando recobrar a clareza mental.
Foi então que o peso da realidade o atingiu: Jack havia perdido sua oportunidade.
A chance que conquistara com tanto esforço — e que poderia muito bem ser a última — havia escapado por entre seus dedos. Ele falhara em eliminar Tiko, e a sensação de impotência tomou conta de seu espírito. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu uma profunda raiva de si mesmo e de sua própria fraqueza.
De repente, a porta do quarto se abriu, e Denzel entrou com passos calmos. Ao ver Jack desperto, uma expressão de alívio tomou conta de seu rosto, e ele se aproximou sem hesitação.
— Você dormiu bastante, hein?
— Dormi? Por quanto tempo? — indagou Jack, ansioso.
— Foram três dias inteiros.
— Três dias?!
— Exatamente.
Jack ficou incrédulo. Era difícil conceber que havia permanecido desacordado por tanto tempo. Estranhamente, seu corpo não apresentava sinais de desgaste, sede ou fome, como seria esperado após um período tão prolongado de inconsciência.
— Como posso ter dormido por três dias e ainda assim me sentir tão bem?
— Hein? E como vou saber como o seu corpo funciona? — respondeu Denzel, com um tom irônico. — Eu sei que, se estivesse na sua situação, estaria morrendo de fome agora. Antes de mais nada, deixe-me atualizá-lo sobre a situação.
Denzel começou a relatar os eventos que ocorreram após o desmaio de Jack. À medida que as informações eram compartilhadas, um detalhe específico capturou sua atenção e estampou em seu rosto um misto de espanto e descrença.
— Richard está morto?!
— Pelo menos é o que dizem. A notícia veio diretamente do pai dele, então acredito que seja verdade.
Enquanto Jack permanecia adormecido, foi Denzel quem o trouxe de volta ao vilarejo onde haviam se hospedado por um breve período. As notícias sobre o destino de Richard espalharam-se rapidamente pelo reino, causando tumulto e incertezas.
— As coisas estão estranhas lá fora. E isso não se limita apenas ao vilarejo. A morte de Richard deixou muitas pessoas apreensivas quanto ao futuro… o reino está em uma situação delicada agora — concluiu Denzel.
— Você não me disse o mais importante — Jack interrompeu, a voz carregada de inquietação. — Foi Tiko quem matou Richard?
O tom trêmulo na pergunta revelava o temor que o consumia. Seria mesmo possível que seu irmão tivesse tirado a vida do homem mais poderoso do continente?
— Ninguém sabe ao certo. Pelo menos, não divulgaram oficialmente o responsável pela morte de Richard. O que se sabe é que um elfo idoso foi preso sob a acusação de ter auxiliado no assassinato. É o mesmo elfo que encontramos ao lado de Tiko.
— GolbZedh… — murmurou Jack, sombrio. — Duvido que aquele velho tenha conseguido matar Richard. Ele foi atingido por uma flecha minha em cheio, enquanto Richard segurou uma das minhas como se fosse um brinquedo!
Ao pronunciar essas palavras, um peso recaiu sobre seus pensamentos.
— Então foi Tiko quem o matou…?
Jack pareceu murmurar essa última questão mais para si mesmo do que para Denzel, como se buscasse desesperadamente uma explicação para o que acontecera.
Mesmo diante de tais pensamentos, Jack não conseguiu aceitar a possibilidade dessa realidade que se desenhava à sua frente. Seu irmão havia assassinado o homem mais poderoso do continente? Quão formidável Tiko teria se tornado para realizar tal feito? Isso seria sequer plausível? Não. Jack sacudiu a cabeça, rejeitando veementemente essa ideia. Era inconcebível, absolutamente inconcebível.
Por conhecer profundamente Tiko, podia afirmar que ele não possuía habilidades suficientes sequer para derrotar um cavaleiro sagrado experiente em combate, muito menos Richard Ravens, um homem que transcendera completamente o que os elfos consideravam como normal. Assim, a hipótese mais plausível era a intervenção de algum fator extraordinário.
No entanto, o que mais desestabilizou Jack foi a súbita ideia que lhe atravessou a mente no instante seguinte. Após ter seu esconderijo descoberto, o que Tiko faria? Em algum momento, o reino inevitavelmente tomaria conhecimento dos acontecimentos. Talvez, se Jack colaborasse com os relatos do que presenciara, isso pudesse inclusive acelerar o processo. Dessa forma, Tiko não teria a menor chance de permanecer no reino dos elfos.
Viver como um criminoso de nível 3 era uma coisa. A tabela de classificação de criminalidade — que variava do nível 1 ao 10 — era padronizada em todos os reinos. Essa padronização auxiliava tanto o reino dos elfos a avaliar criminosos de outros territórios quanto os reinos externos a fazerem o mesmo. Contudo, era evidente que, por ser um território menor, permanecer no reino dos elfos caso o nível de criminalidade de Tiko aumentasse seria uma decisão irracional. Ele não teria qualquer possibilidade de sobrevivência se fosse classificado como um criminoso de nível mais elevado.
A partir do nível 8 de criminalidade, o indivíduo era considerado uma ameaça extremamente perigosa e de alcance nacional, representando um risco para todo um reino. Nesse contexto, a possibilidade de Tiko ser acusado do assassinato de Richard inevitavelmente elevaria seu nível de criminalidade a patamares nos quais ele se tornaria um criminoso de notoriedade nacional.
— Ele vai deixar o reino… — murmurou Jack. Denzel apenas assentiu, confirmando silenciosamente o raciocínio.
— Sim, considerei o mesmo. Permanecer aqui seria um ato insensato. Pensando nisso, acredito que o elfo idoso tenha se entregado para ganhar tempo e permitir sua fuga.
— Então, neste momento…
— Ele já deve ter deixado o território do reino. — concluiu Denzel.
Jack cerrou os dentes, apertou os punhos e assumiu expressões que variavam de raiva a uma tristeza quase insuportável. Sua testa franzia-se com uma intensidade esmagadora, como se um turbilhão de emoções conflitantes o consumisse por dentro. Tiko havia escapado de suas mãos mais uma vez, e, dessa vez, caso realmente tivesse deixado o reino dos elfos, encontrá-lo e eliminá-lo seria uma tarefa incomensuravelmente mais difícil.
A situação o fez soltar um grunhido de raiva. O som crescia a cada instante, e Jack levou ambas as mãos à cabeça, perdendo completamente o controle. Seus gritos tornaram-se agudos e estridentes, a ponto de ecoarem pela hospedaria, alcançando os ouvidos das pessoas no primeiro andar.
Então, subitamente, como se nada houvesse acontecido, os gritos cessaram.
Jack permaneceu estático, encarando o chão de madeira. Seus braços caíram lentamente, e ele sentiu um vazio abismal consumir-lhe por dentro.
Denzel limitou-se a observá-lo durante todo aquele colapso, abstendo-se de proferir qualquer palavra nas horas que se seguiram.
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