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    “Que grupo excessivamente grande… são…” pensou Markus, observando a cena com olhos atentos, absorvendo cada movimento das sombras que se moviam na distante linha do horizonte.  

    — Ponto Escuro… — murmurou Sira, a voz tão baixa que apenas Markus pôde ouvir.  

    A dupla permanecia oculta na espessa vegetação da floresta, próxima ao vilarejo que haviam visitado nos últimos dias, esperando pacientemente que a neblina dissipasse. Durante o tempo que permaneceram ali, os mercenários não os procuraram, preferindo se manter afastados e juntos, em uma estratégia sábia de um capitão que não queria perder mais homens para o desconhecido. Markus não podia deixar de elogiar mentalmente a perspicácia daquele líder.  

    Após a retirada dos mercenários, e com a neblina finalmente abaixando, Markus e Sira haviam ido de casa em casa, na esperança de encontrar algo que pudesse ser útil. Porém, ao que parecia, os mercenários haviam levado tudo, deixando pouco mais do que vestígios de destruição. Decidiram que partiria em dois dias.  

    A razão de sua partida rápida estava nas suspeitas de Markus. Ele temia que os mercenários, fingindo ir embora, na verdade estivessem se escondendo nas florestas ao redor, preparando uma emboscada para aqueles que os haviam desafiado. A confirmação de seus receios veio quando ele mesmo avistou um pequeno grupo de mercenários, escondidos, observando o vilarejo à distância. Se tivessem partido, teriam sido pegos desprevenidos. Isso, pelo menos, foi um alívio para ele.  

    Mais tarde, os mercenários de fato seguiram seu caminho. Markus e Sira, ainda atentos, se esconderam mais uma vez na floresta, permanecendo em silêncio. Foi quando o som de cascos os alertou. Dois cavaleiros, armados e montados em corcéis imponentes, cavalgavam em direção ao vilarejo. Eles rodearam a área e, logo em seguida, partiram.  

    A distância não permitiu que Markus discernisse completamente quem eram aqueles homens, mas a qualidade das armaduras, reluzentes e de aparência refinada, fez com que ele ponderasse: cavaleiros sagrados, ou algo do tipo?  

    Eles continuaram aguardando, não dispostos a correr riscos desnecessários. A paciência de Markus e Sira logo seria recompensada. O som de mais cascos ressoou, mas agora era diferente. Um grupo massivo de mais de cem homens, todos armados, chegou ao vilarejo.  

    — Caralho, mentira! Homens-lagartos?! — Sira exclamou, a voz vibrando telepaticamente com tensão.  

    Markus sentiu seu estômago apertar. “Então aquele rumor era verdade…?” Pensou ele, surpreso, observando a cena se desenrolar diante de seus olhos.  

    Ele se lembrava de um rumor que ouvira, tempos atrás, no reino. O rei estava buscando aliar-se com os homens-lagartos, com a intenção de aumentar o poder militar de seu reino. Isso por si só era uma notícia intrigante. Mas e se fosse apenas o começo? E se, na verdade, fosse o prelúdio de algo muito maior?  

    Uma guerra iminente entre os reinos. Isso assombrava Markus. O medo de que um conflito de tal magnitude pudesse estourar e arrastar todos para o abismo era um pesadelo que podia consumir até os mais corajosos. Afinal, como viver em paz em um mundo onde até os ventos de guerra estavam sendo preparados nas sombras?

    Continuaram a observar de longe, fixando o olhar no grupo que adentrava o vilarejo, agora tomado por uma nova força: a Ponto Escuro. O que antes fora um simples bando de mercenários, agora estava sob o comando do reino, agindo em nome da coroa. Se estavam ali, os cavaleiros que Markus vira mais cedo não passavam de batedores, enviados para avaliar a situação.

    O grupo se espalhou pelo vilarejo com eficiência. Alguns se dedicavam a investigar o local, como se estivessem à caça de pistas ou algo que pudesse guiá-los. Entre eles, um homem loiro, montado em seu cavalo, dava ordens com a autoridade de quem não era apenas um líder de campo, mas alguém de grande importância. Ao seu redor, homens armados com espadas, todas de lâminas negras, marcavam sua presença. Sira reconheceu imediatamente a cor das espadas — eram distintivas da Ponto Escuro.  

    — E agora, Markus? — perguntou Sira, o nervosismo aparente em sua voz telepática.  

    “Vamos sair daqui. Duvido que os mercenários ainda estejam por aqui,” Markus respondeu, sua mente já se movendo em direção a uma rota de escape. Ele viu a cabeça de Sira balançar em sinal afirmativo.

    Ambos começaram a caminhar em direção ao fundo da floresta, com a intenção de deixar o vilarejo para trás e seguir pela estrada, como se fossem simples viajantes. Mas algo os fez hesitar. Markus percebeu uma presença na floresta, algo mais do que apenas uma sensação vaga. Não era um único ser, mas vários.

    — Foi uma boa ideia separar um grupo para entrar na floresta e procurar por pessoas escondidas. — disse um homem-lagarto, segurando uma espada com firmeza.

    Ali, diante deles, estava um grupo incomum. Uma mistura de homens-lagartos e humanos, que se destacava pela excentricidade e pela diversidade em sua composição. 

    De repente, um dos humanos se aproximou, espada em mãos, com um olhar cauteloso.  

    — Quem são vocês? — perguntou ele, a espada ainda empunhada, pronta para qualquer movimento. — Me chamo Berco. Somos da Ponto Escuro. Vocês são moradores?

    A última palavra perdeu força quando ele percebeu quem estava diante dele. Nem Markus, com sua postura imponente e sua grande espada, nem Sira, com a katana pronta ao lado, se pareciam com simples moradores de um vilarejo. Era óbvio, até para o mais desatento, que ambos possuíam habilidades muito além do padrão comum.

    O homem ergueu a espada na direção de Markus, seus olhos estreitados e o tom carregado de autoridade.  

    — Temos algumas perguntas para vocês. Larguem suas armas no chão, e ninguém sairá ferido.  

    Sira reagiu imediatamente, seu sorriso fino mascarando a indignação que fervilhava por dentro.  

    — Está dizendo para largarmos nossas armas? Só pode estar louco. — Sua voz era cortante, quase zombeteira.  

    Antes que ela pudesse continuar, Markus ergueu uma mão, sua voz firme e calculada interrompendo o impulso de sua parceira.  

    — Faça o que estão mandando, Sira.  

    Ela virou a cabeça bruscamente, encarando-o com olhos arregalados, uma mistura de choque e incredulidade estampada em seu rosto.  

    — Você ficou louco? É isso? A velhice finalmente te alcançou?  

    Markus manteve a calma, embora sua expressão fosse grave.  

    — Não temos chance de vencer, nem de fugir. Olhe em volta, são muitos. Além disso, não há motivo para acreditarmos que eles pretendam nos machucar. Não somos mercenários, muito menos temos ligação com o ataque ao vilarejo.  

    Sira hesitou, o peso da lógica de Markus lentamente se sobrepondo ao orgulho que a impedia de obedecer. Seus dedos apertaram o cabo da katana por um instante antes que ela soltasse um suspiro pesado. Relutante, puxou a lâmina junto com a bainha e a lançou ao chão, onde pousou próxima aos pés de Berco.  

    O homem olhou para a arma, o leve brilho da lâmina atraindo seu olhar curioso. Ele franziu o cenho, inclinando a cabeça enquanto examinava o objeto.  

    “Esse tipo de arma… não é comum por aqui…” pensou Berco, sua mente já traçando as possibilidades do que aquilo significava.  

    Markus soltou um suspiro pesado e lentamente começou a desatar a espada de sua cintura. Com movimentos calculados, colocou-a no chão e ergueu as mãos em sinal de rendição.  

    — Meu nome é Markus, e esta jovem que me acompanha é minha neta, Sira.  

    Berco observou os dois atentamente, mas não encontrou neles sinais de malícia. Sua mão relaxou no cabo da espada, que foi devolvida à bainha com um movimento decidido. Ele deu alguns passos à frente, seu semblante mais aberto, embora ainda mantivesse um ar cauteloso. Com um gesto discreto, indicou que seus homens permanecessem atentos à área ao redor.  

    — Sou Berco, como já disse, da Ponto Escuro. Viemos para este vilarejo depois de receber notícias do ataque. — Seus olhos se estreitaram levemente. — Você afirmou que não faz parte do grupo de mercenários que atacou o vilarejo, mas foi encontrado observando nossa comitiva à distância. Pode explicar isso?  

    Markus assentiu e começou a relatar os eventos que o levaram àquela situação. Suas palavras eram firmes, mas contidas, evitando detalhes desnecessários. Berco o ouviu com atenção, a expressão suavizando enquanto as peças se encaixavam.  

    — Entendido. Antes de qualquer decisão, vou levá-los ao nosso capitão. Ele está no centro do vilarejo.  

    No vilarejo devastado, um homem de porte robusto e expressão séria aguardava. Seu manto carregava o emblema da Ponto Escuro, e sua presença exalava autoridade. Ao avistar os recém-chegados, aproximou-se com passos firmes e estendeu a mão.  

    — Sou Douglas, capitão da Ponto Escuro, responsável por esta missão de emergência.  

    Markus aceitou o cumprimento com firmeza, mas sua postura era humilde.  

    — Meu nome é Markus, apenas um viajante comum, sem títulos ou afiliações.  

    Douglas olhou para Sira, que mantinha o queixo erguido, embora seu semblante carregasse uma expressão emburrada.  

    — E esta jovem? — perguntou, sorrindo de maneira amigável.  

    Markus deu um leve aceno para a garota.  

    — É minha neta. Sira, apresente-se.  

    Ela suspirou, cruzando os braços antes de murmurar rapidamente:  

    — Meu nome é Sira.  

    Douglas riu, quebrando a tensão.  

    — Um prazer conhecê-la, Sira. Agora, Markus, Berco já me informou sobre a sua situação. Estamos atrás dos homens que fizeram isso com o vilarejo.  

    Embora Markus estranhasse o tom respeitoso, manteve sua voz neutra. Sobreviver ali era a prioridade, e ele já havia transmitido instruções a Sira por meio da bênção de telepatia da garota.  

    — Entendo. Vimos os responsáveis, como mencionei antes. Acabamos enfrentando dois deles e os matamos para nos defender. Diga-me, como podemos ajudá-los?  

    Douglas cruzou os braços, ponderando antes de responder.  

    — Não muito. Gostaríamos apenas de saber se tem alguma informação sobre eles. Notou algum brasão em suas roupas? Ou ouviu algo sobre o nome do grupo?  

    Markus balançou a cabeça negativamente.  

    — Infelizmente, não havia brasão, nem ouvi qualquer menção ao nome do grupo. Contudo, vi o homem que parecia ser o líder deles.  

    Os olhos de Douglas brilharam com interesse.  

    — Isso já ajuda muito. Pode descrevê-lo?  

    Markus respirou fundo, reunindo as lembranças.  

    — Certamente. Ele era…

    Markus passou mais alguns minutos descrevendo o líder do grupo que atacara o vilarejo. Suas palavras eram precisas, tecendo um retrato mental claro. Quando terminou, Douglas chamou Berco e outros soldados para se juntarem à conversa.  

    — É um grupo pequeno, sem grande renome, com cerca de cinquenta homens — começou Douglas, olhando para os rostos atentos de seus companheiros. — Parece que partiram logo após a neblina desta região se dissipar, mas devemos estar próximos deles, já que saímos antes da Floresta dos Homens-Lagartos. Além disso, deixaram homens nas florestas próximas, provavelmente para capturar quem tentasse fugir do vilarejo. Contudo, pelo que parece, desistiram após um tempo.  

    A expressão de Douglas era grave, mas firme. Um dos soldados ao seu lado estreitou os olhos e balançou a cabeça, incrédulo.  

    — O que mais me intriga é eles não terem matado vocês depois de encontrar dois de seus homens mortos.  

    Markus assentiu, cruzando os braços. Sua resposta veio com a calma de quem já pensara naquilo diversas vezes.  

    — Nós eliminamos os dois em completo silêncio e escondemos os corpos. Tenho uma teoria… O líder parecia disposto a minimizar perdas a qualquer custo. Não enviou homens para nos caçar porque sabia que isso resultaria em mais mortes entre os seus.  

    — Covardes. — murmurou Sira, com um sorriso gelado de raiva.  

    Douglas arqueou uma sobrancelha e cruzou as mãos atrás das costas.  

    — Faz sentido. Eles tomaram uma decisão calculada.  

    Ele começou a explicar sua lógica com a clareza de um comandante experiente. Todos ouviram em silêncio, absorvendo cada palavra.  

    — Mercenários, especialmente grupos pequenos como este, dependem da quantidade de homens para sobreviver. Quando operam em territórios como o de Grão-Vermelho, onde o poder militar é esmagador, cada vida conta. Só este ano, a Ponto Escuro já destruiu mais de quinze bandos de mercenários fora da lei. Reduzimos o número de membros de organizações maiores e mais influentes. Nesse cenário, cada homem é um recurso precioso.  

    Douglas fez uma pausa, olhando ao redor. Sua voz ficou mais grave.  

    — O capitão desse grupo sabe disso. Ele sacrificou o mínimo necessário e evitou ações que pudessem custar mais vidas. Isso não é covardia. É estratégia.  

    Ele abaixou a cabeça levemente, pensativo. Um brilho perigoso surgiu em seus olhos.  

    — Um estrategista. Este homem pode ser perigoso.  

    O sussurro de Douglas fez o ar ao redor pesar. Entre os homens da Ponto Escuro, uma mistura de ansiedade e excitação tomou conta. Não era a primeira vez que enfrentavam desafios desse tipo, mas um estrategista trazia uma camada de complexidade que poucos monstros ou inimigos comuns poderiam igualar.  

    — Estrategistas… — murmurou Berco, quebrando o silêncio. — Esses são os mais difíceis de lidar.  

    Douglas assentiu, sua expressão sombria.  

    — Já enfrentamos trolls, ogros, e até wyverns. São monstros fortes, mas burros. Mercenários inteligentes, por outro lado, podem transformar um pequeno grupo em uma força formidável.  

    Ele virou-se para o grupo, o tom de voz mais severo.  

    — Organizações lideradas por estrategistas sempre dão mais trabalho. Eles sabem como evitar batalhas desnecessárias, como usar o terreno e, mais importante, como transformar cada derrota em uma vantagem.  

    Douglas fez uma pausa para respirar, seus olhos passando por cada rosto à sua volta.  

    — Esse homem não será fácil de lidar.  

    O peso de suas palavras era inegável, mas havia uma faísca de determinação em todos os presentes. Eles sabiam que o desafio seria grande, mas a Ponto Escuro estava pronta para enfrentá-lo.

    Assim que a breve discussão estratégica terminou, Douglas reuniu todos os seus homens no centro do vilarejo. Humanos e homens-lagarto formaram um semicírculo ao redor dele, enquanto Douglas improvisava um palco com caixotes de madeira. De cima, ele podia ver cada rosto atento, cada olhar carregado de expectativa.  

    Douglas começou a falar, explicando o plano e delineando a estratégia que usariam para derrotar o inimigo. Mas, no meio de sua fala, ele fez uma pausa. Observou os homens-lagarto com atenção, permitindo que o silêncio se tornasse pesado. Seus olhos fixaram-se brevemente em um deles: Bruce. Aquele que, após uma derrota humilhante, havia pedido para ser treinado pessoalmente por Douglas.  

    “Afinal, isso é um treino, tanto para eles quanto para você,” pensou Douglas, antes de continuar.  

    — Durante esta campanha contra os mercenários que destruíram este vilarejo, eu não serei o comandante.  

    O burburinho começou imediatamente. Murmúrios atravessaram o grupo. Quem lideraria, se não ele? Todos naturalmente olharam para o vice-líder, e Douglas confirmou o que eles pensavam.  

    — O líder desta missão será Berco.  

    Berco, que estava ao lado de Douglas, arqueou as sobrancelhas em surpresa. Não fora avisado de antemão, mas, apesar do choque, ele endireitou os ombros, aceitando a responsabilidade com um leve aceno de cabeça.  

    — Eu ficarei aqui com dez soldados. O restante seguirá com Berco para cumprir esta missão. — Ele fez uma pausa, seus olhos fixos em Bruce. — E o vice-comandante será você, Bruce.  

    Todos os olhares recaíram sobre o homem-lagarto, surpresos. Bruce apontou para si mesmo, como se quisesse confirmar que não havia engano.  

    — Eu?  

    — Sim, você.  

    — Mas… Eu nunca estive em uma posição de liderança antes.  

    — Então aprenda.  

    — Não acha que é muito cedo? Não sei como vocês humanos… digo, como a Ponto Escuro opera. Não conheço suas táticas, sua força real. — Bruce falou rapidamente, sua voz carregada de hesitação.  

    Douglas cruzou os braços, encarando-o.  

    — Apenas desculpas.  

    — Como?  

    — Você pediu para mostrar serviço, não pediu? Aqui está sua chance. Não é como se fosse fazer isso sozinho. Coloquei Berco no comando por um motivo. Você será o braço direito dele, ajudará a cobrir seus pontos cegos, assim como ele cobre os meus.  

    — Ainda assim…  

    Douglas inclinou a cabeça, sua voz ficando gelada.  

    — Está se recusando?  

    O peso da pergunta caiu sobre Bruce como um golpe. O tom sério de Douglas era quase palpável, e Bruce sentiu cada fibra de seu corpo se arrepiar. Nunca antes ele estivera no centro das atenções assim. Liderança era um território desconhecido, algo que normalmente cabia à sua irmã.  

    Mas havia algo nos olhos de Douglas que fez Bruce engolir suas dúvidas. Ele respirou fundo.  

    — Com toda certeza, eu aceito. É uma oportunidade como qualquer outra. E eu vou aproveitá-la.  

    Douglas abriu um sorriso discreto.  

    — Essa era a resposta que eu queria ouvir. 

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