Índice de Capítulo

    A batalha havia começado com uma intensidade que poucos poderiam imaginar.

    Douglas permanecia ao comando da vanguarda, seus olhos atentos a cada movimento dos soldados e inimigos. 

    O calor do sol era opressivo, queimando o campo de batalha enquanto o som dos açoites das espadas e os gritos de dor se espalhavam como uma melodia macabra. 

    Seus homens, determinados, avançavam apesar da desordem ao redor. O chão estava coberto de corpos – amigos e inimigos misturados numa massa indistinta de sangue e poeira.

    Douglas limpou o suor da testa com o antebraço, o cabelo desgrenhado colando-se ao rosto enquanto mantinha sua postura firme. Não era momento de hesitar. 

    A vitória, ou pelo menos a sobrevivência, dependia disso. Ele posicionou-se estrategicamente atrás das linhas principais, utilizando a experiência em combate para coordenar as investidas e conservar suas forças.

    O ataque ao ponto defensivo da Avat havia dado frutos. As defesas inimigas foram derrubadas com rapidez impressionante. Então, o céu se encheu de um brilho incandescente.

    Um zumbido crescente foi seguido pelo surgimento de uma bola de fogo monumental. A luz avermelhada refletia-se no suor e sangue dos guerreiros. Douglas, ao olhar para cima, sentiu a onda de calor que fez sua armadura parecer pesar o dobro.

    — Isso é…! — Ele mal teve tempo de formular uma ordem antes que a esfera flamejante descesse.

    O impacto foi devastador. A explosão de calor varreu o campo de batalha, transformando o chão em cinzas e as armaduras de seus homens em armadilhas mortais. Gritos se ergueram, e o caos tomou conta. Douglas manteve-se firme, forçando-se a gritar acima do barulho:

    — Recuem agora! Ajudem os feridos! Arqueiros, mantenham o fogo de cobertura!

    Quando a poeira começou a baixar, a figura de um homem emergiu da entrada do esconderijo. Ele caminhava com a tranquilidade de quem não temia a morte, a luz do fogo refletindo em sua armadura laranja e dourada impecavelmente polida. Um contraste grotesco com o inferno à sua volta.

    Douglas estreitou os olhos. Reconhecia o equipamento – uma armadura dos cavaleiros sagrados de Camelot. Mas aquele homem…

    — Você! Quem é você?! É um ex-cavaleiro sagrado?!

    O estranho ergueu a cabeça, revelando um sorriso desdenhoso. Sua cicatriz, longa e profunda, corria da testa até a orelha direita, enquanto seus olhos de cores diferentes – um azul gélido e outro verde como um bosque – pareciam perfurá-lo.

    — Oh, faz tanto tempo que alguém me chamou assim. — Sua voz era sarcástica, mas carregava uma melancolia oculta. — Cavaleiro sagrado… sim, fui um deles. Bons tempos, bons tempos. Mas sabe como é… a vida muda.

    Douglas apertou a espada com mais força. O homem à sua frente tinha um ar casual, mas não havia dúvidas de que ele era perigoso.

    — Você é Zaracare, o Dragão Flamejante?

    O sorriso do estranho se alargou, e ele soltou uma risada leve.

    — Faz uns bons vinte e cinco anos que ninguém me chama assim. Ah, como eu gostava desse apelido. — Ele inclinou levemente a cabeça, o semblante agora carregando algo mais sério. — Mas e você? Por que um soldado da Ponto Escuro está aqui? Como conseguiram achar esse lugar?

    Douglas ignorou a pergunta. Precisava ganhar tempo, avaliar a situação.

    — Nunca pensei que o grande Dragão Flamejante viraria um mercenário… e se juntaria à Avat. Depois de trair seu próprio reino.

    As palavras pareciam cortar fundo. Zaracare deixou escapar um brilho de raiva em seus olhos, mas rapidamente retomou o controle.

    — Interpretar as coisas do jeito errado é um dom que vocês possuem, não? — Sua voz era fria. — Mas, de fato, estou curioso… quem traiu quem, afinal? E como chegaram tão perto sem que ninguém soubesse? Será que temos um rato em nosso ninho?

    Douglas o estudava com cuidado, tentando encontrar uma brecha. Cada palavra, cada gesto daquele homem parecia uma provocação calculada, uma maneira de medir seu oponente. Ele sabia que Zaracare não era um inimigo qualquer.

    Douglas fixou os olhos no homem à sua frente, assumindo uma postura de combate. O ar ao redor parecia vibrar com a tensão, como se o próprio ambiente reconhecesse que um duelo entre dois guerreiros estava prestes a começar. 

    A poeira levantada pelos passos pesados dos soldados em batalha ainda pairava no ar, e o calor abrasador do sol era reforçado pela presença daquele que já fora conhecido como o Dragão Flamejante.

    Zaracare, mesmo com seus cabelos ruivos levemente desbotados pela idade, mantinha uma postura imponente. Ele não era apenas um homem; era um sobrevivente, um guerreiro endurecido por décadas de batalhas.

    Sua armadura, com detalhes em laranja e dourado, refletia a luz do sol, como se estivesse em chamas. Apesar de ter ultrapassado os cinquenta anos, sua presença era tão intimidadora quanto nos relatos das velhas baladas cantadas nas tavernas. 

    Douglas sabia que não enfrentava um mercenário comum, mas alguém que uma vez fora temido em todo o continente.

    Então é isso que restou do Dragão Flamejante, pensou Douglas, apertando o punho na empunhadura de sua espada. 

    — Parece que conversamos o suficiente, Zaracare — disse Douglas com a voz grave e fria, contendo a raiva. — Você tirou a vida de muitos dos meus homens. Agora pagará por isso.

    Zaracare sorriu, um sorriso que transbordava confiança, quase como se estivesse se divertindo com as palavras de Douglas.

    — Oh, então você quer vingança? — Ele ergueu a mão, e uma pequena esfera flamejante começou a rodopiar sobre sua palma aberta, iluminando ainda mais sua expressão de escárnio. — Vamos ver quem vai virar cinzas primeiro.

    Douglas não perdeu tempo. Com a ativação do fluxo, seu corpo se tornou um borrão de velocidade, sua espada se projetando em direção ao coração do inimigo. 

    O ataque era preciso, devastador, mas Zaracare não era alguém que pudesse ser pego tão facilmente. Com um movimento quase preguiçoso, ele desviou a lâmina, conduzindo-a para fora de seu caminho. O choque entre as armas fez um som metálico agudo que ecoou no campo de batalha.

    Os olhos de Douglas se arregalaram por um instante, surpresos com a facilidade com que seu ataque fora repelido. Porém, a surpresa logo se transformou em um alerta mortal. 

    Zaracare já havia preparado seu contra-ataque. A esfera flamejante em sua mão explodiu para frente em uma linha reta, sua energia incandescente transformando o ar ao redor em ondas de calor sufocantes.

    Douglas se lançou para o lado, a adrenalina guiando seus reflexos, mas não escapou ileso. O calor do fogo raspou sua orelha, deixando um rastro de carne queimada. Ele apertou os dentes, ignorando a dor enquanto se posicionava. Um golpe direto daquela esfera teria sido fatal, o suficiente para abrir um buraco em seu torso.

    Antes que pudesse respirar, Zaracare girou sua lâmina em um arco letal, mirando a cabeça de Douglas. Foi por instinto que o comandante inclinou o corpo para trás, recuando em um salto acrobático que lhe deu um breve momento de respiro. Porém, a distância que ele havia tomado era exatamente o que Zaracare esperava.

    — Que idiotice, seu merda. Eu prefiro lutar à distância! — gritou Zaracare, lançando mais um ataque vindo da esfera de fogo. A energia flamejante cortou o ar com uma precisão mortal.

    Douglas correu em um arco lateral, evitando o ataque. Cada passo seu levantava nuvens de poeira e sangue. Ele sabia que precisava se aproximar, mas o calor do campo de batalha estava começando a cobrar seu preço. Seu corpo estava ensopado de suor, os músculos gritando por descanso. Ainda assim, ele persistiu. Não havia espaço para fraqueza aqui.

    A esfera de Zaracare atingiu em cheio um grupo de combatentes ao fundo. Soldados aliados e inimigos caíram juntos, reduzidos a cinzas em segundos. Douglas sentiu a raiva explodir dentro de si ao ver seus homens queimados vivos.

    — Idiota! Mire direito! — rugiu Douglas, seus olhos ardendo tanto quanto o calor ao redor.

    — Ah, vamos lá! Isso aqui é guerra, não acha? Baixas são inevitáveis! — respondeu Zaracare, gargalhando com a mesma leveza de quem fazia uma piada em um banquete. — Afinal, “fogo amigo” não é só um ditado bonitinho, é?

    Douglas rangeu os dentes. Esse homem. Não vou deixá-lo sair daqui vivo. Enquanto o sangue escorria de sua orelha queimada, o comandante se preparava para o próximo movimento, estudando cada passo de seu inimigo. 

    Zaracare era experiente, mas todo monstro tem seu ponto fraco, e Douglas sabia que precisaria encontrar o dele antes que mais vidas fossem perdidas.

    Douglas avançou novamente, seus passos firmes na terra marcada pelo calor e pelo sangue. 

    A chama na mão de Zaracare havia se apagado, deixando o ar com uma sensação densa de calmaria antes da tempestade. Douglas percebeu a oportunidade. O feitiço parecia ter se esgotado, e seu adversário estava vulnerável. Esta era a chance de finalizar a luta antes que Zaracare pudesse conjurar outra ameaça de fogo.

    Ambos os guerreiros usavam o fluxo, a energia que lhes dava velocidade e força sobre-humanas. Douglas, porém, sentia-se superior nesse confronto direto. Sua espada, uma extensão de sua vontade, desferia golpes rápidos e potentes, forçando Zaracare a recuar com defesas cada vez mais apressadas.

    As espadas se chocavam em um ritmo frenético. O som do aço ressoava como trovões no campo de batalha. Apesar de sua idade, Zaracare ainda possuía técnica, mas a ferocidade de Douglas era avassaladora. Cada movimento tinha uma intenção letal, e, pouco a pouco, o equilíbrio da luta pendia a favor do comandante.

    Um golpe certeiro rasgou a lateral da armadura de Zaracare, penetrando a carne. O veterano soltou um gemido abafado, recuando com os dentes cerrados. Sangue escorreu, pingando na terra seca e evaporando em contato com o calor residual.

    — Agora entendo — disse Douglas, um sorriso vitorioso surgindo em seus lábios. — Você prefere manter distância porque sabe que não consegue lidar comigo de perto.

    Zaracare rangeu os dentes, mas um sorriso debochado se formou em seu rosto. Seus olhos brilharam com algo entre desafio e loucura.

    — Porra… obrigado pelo tempo, seu merda — murmurou ele, agarrando a espada de Douglas e segurando-a firmemente no lugar.

    Douglas estreitou os olhos. Algo estava errado. Sua mente processou o que via num instante que pareceu uma eternidade. Acima de suas cabeças, uma esfera colossal de fogo começou a se formar. 

    Chamas giravam em espirais selvagens, alimentadas pela gama que Zaracare havia acumulado em segredo. O calor aumentava rapidamente, tornando o ar quase impossível de respirar.

    Dois feitiços ao mesmo tempo?! pensou Douglas, seu coração acelerado. Enquanto ele mantinha aquela bola de fogo menor para me distrair, estava canalizando energia para isso?!

    Era um feito inacreditável, um reflexo da maestria elementar de Zaracare. O homem havia jogado de forma cruel e astuta, forçando Douglas a pensar que estava em desvantagem no combate corpo a corpo, apenas para preparar o golpe final.

    Zaracare riu, sua voz ecoando pelo campo devastado.

    — Eu te avisei, seu merda! — gritou ele, soltando a espada de Douglas e recuando com um salto ágil. — Vou te transformar em carvão!

    A gigantesca bola de fogo desceu, iluminando o céu como um segundo sol. Douglas instintivamente recuou, seu corpo reagindo antes que sua mente pudesse formular uma estratégia. O impacto foi devastador. A explosão que se seguiu lançou ondas de calor e destruição por todos os lados. Homens, mercenários e aliados, foram consumidos pelas chamas em um instante.

    O chão tremeu com a força do ataque, abrindo uma cratera profunda que revelou passagens subterrâneas escondidas. Douglas foi jogado para trás, seu corpo atingiu o chão com força. Ele tossiu, os pulmões queimando pela fumaça e pelo ar abrasador.

    O calor era sufocante, e o som do fogo devorando tudo ao redor ecoava como o rugido de um dragão enfurecido. Douglas lutou para se erguer, sentindo a dor do impacto em cada fibra de seu corpo.

    Esse maldito… pensou ele, olhando para Zaracare, que observava a destruição com um sorriso satisfeito. O veterano parecia exausto, mas triunfante, enquanto as chamas dançavam ao seu redor.

    Douglas apertou o punho de sua espada, os olhos brilhando de determinação. O jogo estava longe de acabar.

    — Acho que isso foi uma aula de bons modos, não, seu merda? — disse Zaracare, rindo animadamente, embora estivesse visivelmente exausto. Seu sorriso triunfante era um contraste grotesco com o suor que escorria de sua testa e o sangue que manchava sua armadura.

    Douglas, tomado pela fúria e pela dor, forçou seu corpo ao limite para se erguer. Cada músculo gritava em protesto, e o calor residual da explosão fazia o ar parecer pesado. 

    Ele apertou os punhos com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. Porém, enquanto se preparava para continuar a luta, algo inesperado aconteceu.

    Zaracare, o homem que parecia ter o controle absoluto do combate, foi subitamente puxado para trás. Não por um golpe ou magia, mas por algo que emergiu das profundezas. 

    Uma mão grotescamente grande, coberta de veias saltadas que pulsavam como se tivessem vida própria, agarrou sua perna com força desumana. Os dedos grossos, parecendo troncos retorcidos, envolveram o tornozelo do homem e o arrastaram para baixo.

    — O quê?! — gritou Zaracare, a expressão de zombaria sendo rapidamente substituída por puro terror.

    Douglas apenas observou, atônito, enquanto Zaracare era puxado abruptamente para o interior da cratera que sua própria magia havia aberto. 

    Os gritos do homem ecoaram pelo campo como lamentos de uma alma condenada. Em segundos, o silêncio foi quebrado por um som úmido e grotesco vindo das profundezas.

    Então, algo foi arremessado do buraco com força brutal. A sombra do objeto subiu vários metros no ar, girando de maneira desajeitada antes de começar sua queda. 

    Quando finalmente atingiu o chão, o som foi um baque seco, acompanhado de um ruído nauseante de carne esmagada. Sangue espirrou para todos os lados, formando poças rubras ao redor do que restava do corpo.

    Douglas sentiu o estômago revirar ao olhar para os restos de Zaracare. Seu corpo, outrora orgulhoso e imponente, estava reduzido a uma massa disforme. 

    Ossos perfuravam a carne em ângulos impossíveis, e uma de suas pernas havia sido arrancada, como se tivesse sido abocanhada. Mas o mais aterrorizante era que Zaracare ainda estava vivo. Seus olhos semicerrados buscaram Douglas, implorando silenciosamente pelo alívio da morte.

    Douglas ficou paralisado. A visão era pior do que qualquer campo de batalha que ele já presenciara. Ele podia imaginar a agonia que Zaracare sentia, com os ossos quebrados perfurando os órgãos e o corpo destroçado além do que um ser humano poderia suportar. 

    O cheiro de sangue fresco e carne queimada tomou conta do ar, tornando difícil até mesmo respirar.

    Antes que pudesse reagir, um rugido reverberante ecoou das profundezas. Não era um som humano, nem algo que pertencesse ao mundo natural. 

    Era um rugido primal, carregado de violência e fome. A terra ao redor da cratera tremeu, e uma sombra monstruosa emergiu do buraco.

    A criatura saltou para fora com uma força descomunal, pousando no chão com um impacto que rachou a terra ao redor. Era um ser gigantesco, com quase seis metros de altura. 

    Seu corpo era uma massa grotesca de músculos deformados, coberto de sangue e tripas que pingavam em longos fios viscosos. Seus dentes tortos se projetavam para fora de sua boca como presas, e seu nariz enorme e achatado dava ao rosto uma expressão bestial. Seus olhos, pequenos e brilhantes, fitaram Douglas com uma fome inumana.

    — Um troll vermelho…?! — murmurou Douglas, a voz quase um sussurro. Seu coração disparou, e a mão que segurava a espada tremeu. Era como se a própria terra houvesse cuspido uma encarnação de ódio e destruição.

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