Índice de Capítulo

    A convocação veio sem aviso. Bruce, Shayax, Ibri, Sigurd e Vick caminhavam pela base sob a penumbra da noite, seus passos ecoando pelos corredores silenciosos. Havia algo solene no chamado, algo que os fazia suspeitar de que notícias importantes estavam prestes a ser entregues. O ar estava pesado, carregado por uma tensão que ninguém ousava mencionar.

    — Bem que poderiam ter esperado amanhecer para chamar a gente… — murmurou Shayax, esfregando os olhos, tentando afastar o sono que ainda pesava sobre ele.

    — Se nos chamaram a essa hora, deve ser algo sério. — Bruce respondeu, mas não esperava que Shayax desse muita atenção às suas palavras. O amigo apenas bocejou, resmungando algo inaudível, e Bruce riu ao ver sua expressão de cansaço.

    A poucos passos deles, Ibri caminhava em silêncio. Seu semblante estava mais fechado do que o habitual, sua expressão carregada de algo que ia além do simples cansaço. 

    Bruce já havia notado isso desde que voltaram da última missão — a missão que os levara até a base da Avat, onde enfrentaram o troll vermelho. Desde aquele dia, ela não parecia mais a mesma.

    — Ibri, está tudo bem? — perguntou Bruce, quebrando o silêncio.

    Ela piscou algumas vezes, como se sua mente estivesse distante e sua consciência só agora retornasse ao presente.

    — Ah…? Ah… desculpe, acho que estou um pouco avoada.

    — Não precisa se preocupar com isso. Como tem passado?

    Ela desviou o olhar, encarando o chão enquanto andava. Seus punhos se cerraram levemente ao lado do corpo. Havia algo sombrio em seu semblante, uma luta interna da qual Bruce não fazia parte.

    — Eu disse que ele morreria primeiro… — murmurou ela.

    Bruce franziu a testa.

    — O quê?

    — Afrem… — sua voz soou mais amarga agora. — Você lembra? Um tempo atrás, eu disse que, por ser todo otimista e imprudente, ele seria o primeiro a morrer. E olha só… ele foi mesmo. O primeiro de nós quatro a cair. — As palavras saíram cortantes, quase como se fossem um veneno que ela precisava expurgar.

    Bruce sentiu um peso no peito. A memória da batalha voltou à sua mente como um vendaval. O rugido do troll vermelho, o cheiro de sangue no ar, a força do golpe que deveria tê-lo matado… e então, o impacto. Afrem empurrando-o para o lado. 

    O olhar decidido, o sacrifício silencioso. Bruce nunca esqueceria o som dos ossos do amigo se partindo sob a força brutal da criatura.

    — Não era como se você realmente quisesse isso. — disse ele, mantendo a voz firme. — Você só o aconselhou porque estava preocupada.

    Ibri mordeu o lábio, sua expressão contraída em frustração.

    — Eu sei… mas ainda assim, é difícil. Não sei como lidar com isso.

    Bruce suspirou. Também demorara a aceitar a morte de Afrem. Por um tempo, sentira-se sufocado pelo peso da culpa. O amigo havia morrido para salvá-lo, sacrificando-se sem hesitação. Mas qual seria o sentido desse sacrifício se ele apenas se entregasse ao luto?

    Naquele momento, ele lembrou-se de sua própria história, de como seus ancestrais haviam lutado para que a tribo dos homens-lagarto encontrasse a paz. Lembrou-se de seus pais, que tombaram em batalha para garantir que as futuras gerações vivessem. O sacrifício de Afrem não era diferente.

    — Eu sei como é esse sentimento… essa impotência. — Bruce falou, a voz saindo mais baixa, mas carregada de uma força contida. — Eu senti isso por todo o meu corpo quando estava no chão, fraco, incapaz de fazer qualquer coisa contra aquele monstro.

    Ibri tremeu ao ouvir a menção ao troll vermelho. Mesmo agora, apenas pensar naquela criatura fazia seu sangue gelar.

    — Eu não sei se um dia terei força para enfrentar algo assim sozinho… — continuou Bruce. — Mas sei que farei o necessário para garantir que nunca mais passemos por isso.

    Ibri abriu a boca para responder, mas, antes que pudesse dizer algo, o grupo chegou diante da porta da sala de reuniões. O momento de conversa havia acabado.

    A porta rangeu ao se abrir. Do lado de dentro, o salão estava iluminado por tochas presas às paredes de pedra, lançando sombras dançantes pelo cômodo. Fileiras de cadeiras de madeira já estavam dispostas ao redor da mesa central.

    Bruce parou por um instante ao notar uma figura conhecida sentada ali.

    Douglas.

    Então ele estava de volta.

    O que significava que os assuntos pendentes que Berco havia mencionado dias atrás haviam, enfim, sido resolvidos. Mas o que isso significava para eles?

    Eles estavam prestes a descobrir.

    O silêncio que pairava sobre a sala foi quebrado pelo som grave da voz de Berco. Seu olhar percorreu os rostos presentes, avaliando cada um dos membros reunidos.

    — Certo, agora que todos estão aqui, acho que podemos começar. — Sua voz era firme, carregada de autoridade. Com um leve movimento da cabeça, ele cedeu a palavra a Douglas antes de se sentar.

    — É um prazer rever todos vocês novamente. — Sua voz era grave, mas controlada, sem traço algum de afetação. — Passei algum tempo fora… juntando os cacos das casas nobres. O mesmo de sempre.

    O tom enigmático com que disse isso não passou despercebido. Seus olhos se estreitaram levemente antes de continuar.

    — Amanhã, teremos outra missão.

    — Eita… — murmurou Vick, seu sorriso cansado denunciando o que sentia.

    Sentado ao lado do irmão, Sigurd cruzou os braços e soltou um suspiro resignado.

    — Não se passaram nem três meses desde o ataque à base da Avat. Sei que não fiz nada tão grandioso a ponto de merecer descanso, mas… caramba, vocês da Ponto Escuro trabalham pra caralho.

    Berco apenas meneou a cabeça. Seu semblante permaneceu impassível ao responder.

    — Não temos muito tempo para nos permitir pausas prolongadas. A Ponto Escuro não foi absorvida para se acomodar. Somos uma organização moldada para missões constantes, enviando destacamentos para locais distintos em curtos períodos de tempo. É nossa natureza.

    Os presentes assentiram, pois sabiam bem o que aquela vida exigia. Reclamações não levariam a nada — e, para alguns, como Vick e Sigurd, a Ponto Escuro era a única coisa entre eles e uma cela úmida e esquecida.

    — Certo, então… qual será a missão dessa vez? — perguntou Shayax, inclinando-se para frente, seu olhar inquisitivo.

    Douglas fez uma breve pausa antes de prosseguir, como se estivesse pesando suas palavras.

    — De certa forma, essa missão será diferente. Mais especial do que qualquer uma que enfrentamos até o momento. Por essa e outras razões, trabalharemos com um número reduzido de soldados. Cada um de vocês aqui, com exceção de Bruce e Berco, será encarregado de liderar uma equipe.

    Um silêncio surpreso recaiu sobre o grupo.

    — Espere, espere… nós vamos liderar equipes? — Vick piscou, apontando para si mesmo e para o irmão com um misto de incredulidade e apreensão. — Tem certeza disso? Nós meio que somos as iscas aqui dentro, não somos?

    Douglas não hesitou. Seu olhar se manteve fixo enquanto respondia.

    — Sim, mas não há muito que eu possa fazer sobre isso. Subaru, Igris e Sirus foram mortos na campanha contra a Avat. Não me restam tantas pessoas em quem eu possa confiar para assumir uma missão tão importante quanto essa.

    Ele fez uma breve pausa, observando a reação dos dois irmãos antes de continuar.

    — Por mais que sejam vistos como iscas para atrair o nobre responsável pelo ataque ao vilarejo, vocês dois possuem algo que os torna valiosos. São mais capazes em combate do que a maioria dos soldados à nossa disposição e, além disso… têm anos de experiência no comando de uma organização.

    As palavras de Douglas foram como correntes invisíveis que prenderam qualquer protesto que Vick pudesse ter. O guerreiro fechou a boca e se acomodou na cadeira, cruzando os braços em sinal de aceitação silenciosa.

    Foi então que Bruce ergueu a mão.

    — Desculpe, mas gostaria de fazer uma pergunta.

    Douglas arqueou levemente a sobrancelha, como se já previsse o que viria a seguir.

    — Imagino que seja sobre o fato de você não ter sido escolhido para liderar uma equipe. Estou certo?

    Bruce assentiu.

    Douglas exalou um suspiro breve antes de continuar.

    — Para esclarecer isso, peço que prestem atenção no que vou dizer a seguir. Assim, ficará mais fácil entender por que nem você, nem Berco, foram designados como líderes desta vez.

    Bruce acenou com a cabeça, endireitando-se na cadeira.

    — Certo. Irei prestar total atenção.

    Os demais também se ajeitaram, cientes de que as próximas palavras de Douglas revelariam o verdadeiro peso daquela missão. 

    — Há pouco tempo, foi publicado um relatório sobre Richard Ravens, o paladino do reino dos elfos. Estão todos cientes disso? — A voz firme de Douglas cortou o silêncio da sala, recebendo em resposta acenos afirmativos de alguns dos presentes.

    Shayax ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.

    — Richard Ravens… é aquele que dizem ser o mais forte do continente, não é? Acho que já ouvi alguém mencionar isso.

    Douglas assentiu lentamente.

    — Isso mesmo. Mas ele foi assassinado.

    — O quê?! — A incredulidade de Shayax era evidente. — O homem mais forte do continente foi morto?! Como isso é possível?

    Douglas manteve-se impassível diante da reação. Seus olhos percorreram os rostos atônitos antes de prosseguir.

    — Ainda há muitas lacunas sobre sua morte. O que sabemos é que há dois culpados. Um deles está sob custódia no reino dos elfos, enquanto o outro conseguiu escapar e permanece foragido. Os nomes deles são GolbZedh, um elfo idoso, e Tiko, um jovem elfo negro. — Ele fez uma breve pausa, permitindo que os ouvintes assimilassem a informação antes de continuar. — O curioso é que GolbZedh não tem qualquer histórico militar ou experiência em combate, o que levanta ainda mais dúvidas sobre como conseguiram tal feito. Por outro lado, Tiko tem um certo treinamento, mas nada que o colocasse no mesmo nível de um cavaleiro sagrado. O que nos informaram é que ele foi ensinado a lutar pelo próprio pai.

    Ibri franziu a testa, refletindo sobre a questão.

    — Então podemos presumir que Tiko fez todo o trabalho enquanto o outro apenas auxiliou de alguma forma?

    Douglas balançou a cabeça.

    — Não podemos tirar conclusões precipitadas. O que sabemos sobre Tiko é que, mesmo tendo sido treinado, ele não deveria ter o poder necessário para derrotar Richard Ravens. Ao menos, foi o que o mensageiro do reino dos elfos nos garantiu.

    Bruce inclinou-se para frente, os olhos cintilando com curiosidade.

    — Então como esses dois conseguiram matar o guerreiro mais forte do continente?

    Douglas suspirou e, com um tom seco, respondeu:

    — Não temos ideia.

    O silêncio que se seguiu foi pesado. Alguns presentes cerraram os punhos, insatisfeitos com a escassez de informações. Outros apenas assentiram, absorvendo o que fora dito.

    Shayax, no entanto, inclinou-se para frente com um sorriso predatório.

    — Então nossa missão é caçar e capturar esse elfo chamado Tiko?

    Douglas negou com um movimento de cabeça.

    — Não, não é isso. Não há razão para nós nos envolvermos diretamente na captura dele. Tiko pode ser um criminoso de alta periculosidade, um inimigo de todo o continente, mas essa é uma tarefa para os cavaleiros sagrados. A Ponto Escuro não é usada para esse tipo de missão. Nossa força precisa estar concentrada em objetivos estratégicos mais urgentes, como foi o caso da invasão à base da Avat. — Ele fez uma pausa antes de lançar um olhar sério para todos ali. — Na verdade, nossa missão pode ser tanto mais fácil quanto mais difícil do que as que realizamos até agora. Fomos designados para escoltar a princesa Maria ao reino dos elfos para uma conferência de emergência.

    Um silêncio carregado tomou conta do recinto. Os homens-lagartos mantiveram a compostura, mas os humanos presentes não esconderam sua surpresa.

    — Uma reunião para reunir todos os reis e discutir o assassinato de Richard Ravens? — Vick foi o primeiro a se manifestar. — Já imaginava que algo assim aconteceria.

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