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    Algo estava diferente. Kurin não era aquele sujeito refinado e cavalheiresco. Não era alguém de fala mansa e sorriso cativante. O homem que Tiko conhecia era uma figura repulsiva, grotesca e psicótica. E, no entanto, ali estava ele, exibindo um comportamento diametralmente oposto ao que Tiko havia presenciado antes.

    — Boa tarde. É um prazer conhecê-los. Me chamo Lorenzo. — disse Kurin, com uma saudação impecável e um sorriso sereno.

    A voz era a mesma, mas a maneira como falava… a cadência… a ausência de qualquer resquício da loucura que Tiko conhecia… era inquietante.

    — P-Prazer… me chamo Nathaniel. — respondeu Tiko, incapaz de ocultar completamente seu nervosismo.

    — Sira, prazer. — disse a jovem ao seu lado.

    — É uma honra conhecê-la, senhorita Sira. Lady Mirel falou muito a seu respeito. — Lorenzo — ou melhor, Kurin — disse com uma cortesia exagerada.

    Sira lançou um olhar de soslaio para Mirel, que sorriu satisfeita.

    — Fico feliz que pense assim de mim, Mirel. — respondeu Sira.

    — Bem, somos amigas, mesmo que você seja um bocado tapadinha às vezes. — disse Mirel, rindo de si mesma.

    A conversa seguiu seu curso e logo o grupo caminhava em direção ao centro da vila. Mirel e Sira estavam à frente, entretidas em sua própria conversa, enquanto Tiko e Kurin seguiam atrás. O silêncio entre eles se estendeu até que Tiko se inclinou levemente e sussurrou:

    — O que você está fazendo? — Sua voz era baixa, mas carregada de tensão.

    Kurin ergueu uma sobrancelha, como se não entendesse a pergunta.

    — Como? — perguntou, com uma expressão inocente.

    — O que você quer, Kurin? Isso não é do seu feitio… O que está acontecendo? — insistiu Tiko, tentando controlar a inquietação que se espalhava em seu peito.

    O sorriso de Kurin se alargou levemente. Um brilho inquietante surgiu em seus olhos.

    — Fique tranquilo, amigo. Tudo será revelado no tempo certo. Afinal… tudo está preparado para o grande e primeiro espetáculo depois de décadas de preparação. — murmurou, com um tom quase afetuoso.

    Um arrepio percorreu a espinha de Tiko. Ele conhecia bem aquele homem. Sabia que por trás do sorriso afável se escondia algo terrível.

    — Do que você está falando? — sua voz saiu mais dura do que pretendia.

    Kurin o olhou de soslaio e então falou, sem alterar a entonação serena:

    — Assim que escurecer, me encontre na frente da sua casa. Você finalmente está pronto. Finalmente, estamos prontos.

    E, sem esperar resposta, acelerou o passo, juntando-se a Mirel e se afastando na multidão.

    Tiko ficou parado, observando suas costas. O ar ao seu redor parecia mais pesado. O calor das festividades, as vozes e as risadas ao fundo… tudo parecia abafado, distante. Ele não sabia exatamente o que Kurin estava tramando, mas uma coisa era certa:

    Aquilo não seria algo bom.

    ⧫⧫⧫

    O vento soprava frio naquela manhã, carregando consigo o aroma de terra úmida e folhas secas. A comitiva da Ponto Escuro aguardava na orla da estrada de pedra que se estendia até os portões do Reino Grão-Vermelho. Bruce, montado em seu cavalo negro, sentia o peso do silêncio entre os soldados. O céu estava limpo, e o sol se erguia lentamente, tingindo de dourado as colinas ao redor.

    Ao seu lado, Shayax, Ibri, Berco, Sigurd e Vick observavam o horizonte com expressões de expectativa e cautela. Atrás deles, os soldados de suas respectivas unidades mantinham-se preparados, as rédeas firmes nas mãos, prontos para partir assim que a ordem fosse dada. Apenas Bruce e Berco faziam parte da guarda especial que escoltaria a princesa pessoalmente.

    Bruce lançou um olhar para Berco, e o outro retribuiu. Não havia hostilidade entre eles, apenas um reconhecimento silencioso da responsabilidade que carregavam.

    Então, o som de cascos se aproximando ecoou pela estrada de pedra. Uma fina camada de poeira se ergueu no ar, anunciando a chegada de Douglas. 

    No centro do grupo que vinha em sua direção, uma jovem garota cavalgava com postura graciosa. Seus cabelos loiros longos balançavam suavemente ao vento, e o vestido ciano que usava reluzia sob a luz matinal, enfeitado com bordados delicados e joias cintilantes. Seus olhos, de um azul profundo, carregavam a serenidade e a compostura de alguém acostumado a manter as aparências, mesmo quando cercado por estranhos.

    Ao seu lado, um jovem cavaleiro trajando uma armadura sagrada mantinha-se firme, as mãos sobre a espada embainhada. Ele não aparentava ter mais de dezoito anos, mas sua expressão determinada demonstrava que levava seu dever a sério. Esse era Sven, o guarda pessoal da princesa.

    No entanto, foi a figura que caminhava um pouco atrás do grupo que chamou a atenção de Bruce. Ele nunca havia visto um elfo antes. Sua presença era ao mesmo tempo sutil e marcante. 

    Diferente dos humanos, ele se movia com uma leveza quase sobrenatural, e suas vestes finas, de um tecido esverdeado e prateado, pareciam se mesclar à natureza ao redor. Mas o que mais chamava atenção eram suas orelhas alongadas, um traço inconfundível de sua raça.

    O elfo chamava-se Turk, um mensageiro enviado pelo Reino dos Elfos. Fora ele quem trouxera a convocação para a reunião e, pelo visto, ficara em Grão-Vermelho até que os humanos estivessem prontos para partir. 

    Sua presença era essencial: ele era a chave que garantiria a passagem segura da comitiva pelas terras élficas. Sem ele, os elfos poderiam considerar a chegada dos humanos como uma invasão—e isso resultaria em um conflito indesejado.

    Quando Douglas finalmente se aproximou do grupo de Bruce, ele desmontou de seu cavalo e se colocou diante deles. Com um aceno de cabeça, indicou a princesa e seus acompanhantes.

    — Este é o grupo de escolta especial, Vossa Alteza. Eles serão responsáveis por sua segurança até o fim da jornada.

    A princesa Maria manteve um olhar firme, mas não arrogante. Seu queixo ergueu-se sutilmente ao fitar os soldados à sua frente. Havia um peso nos olhos dela, uma consciência de sua posição e do perigo que essa jornada poderia representar.

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