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    — Não… não… não… — A negação escapou dos lábios de Sira em murmúrios trêmulos, como se repetindo aquelas palavras pudesse reverter o que via.

    — Sira? — James se virou para ela, seguindo seu olhar até os corpos. Seu peito se apertou em um nó de angústia. Rapidamente, ele se colocou à sua frente e segurou seus ombros. — Não olhe para eles. Olhe para mim.

    — Eu… — A voz dela vacilou, um sussurro quebrado por soluços sufocados.

    — O que está acontecendo? — perguntou Sigurd, aproximando-se sem entender.

    — Minha família… — As palavras saíram trêmulas, quase inaudíveis, e ela apontou para os corpos enquanto as lágrimas deslizavam por seu rosto.

    Sigurd se deteve. Seus olhos captaram a cena, e por um momento, tudo ao redor pareceu emudecer. Ele fechou os punhos, os nós dos dedos ficando brancos. A mulher morta. O bebê sem vida. As duas crianças brutalmente assassinadas.

    — Maldição… — murmurou entre dentes, sua fúria latente.

    Sira caiu de joelhos, seus braços tremendo enquanto suas mãos arranhavam o chão enegrecido pelo sangue. Ela soluçava, sua respiração pesada e irregular. A dor era como uma lâmina quente atravessando seu peito. A mesma dor que ela jurou nunca mais sentir. Mas ali estava ela, novamente despedaçada.

    — Eu ia salvá-los… Eu… não consegui… — As palavras saíam em meio a lágrimas, sua voz embargada pela culpa. — Me desculpa, Ivoguin… Me desculpa…

    James fechou os olhos por um breve instante. Ele se lembrava de Ivoguin—o homem que confiou a Sira a vida de sua família. Agora, essa confiança estava esmagada sob os corpos ensanguentados. E a dor de Sira era algo que ele não poderia aliviar.

    — Sira… Eu sinto muito. — Ele se ajoelhou ao lado dela, pousando uma mão gentil em seu ombro. — Vamos enterrá-los. Eles merecem descanso, pelo menos agora…

    Sira hesitou, suas lágrimas ainda caindo silenciosamente. Mas, por fim, assentiu com a cabeça.

    — Acho que não teremos tempo para isso agora… — A voz de Sigurd ressoou cortante, sua postura tensa.

    James e Sira se viraram para ele, confusos. Mas ao olharem em volta, entenderam o motivo de sua preocupação.

    Sombras emergiam da destruição. Homens cobertos de mantos roxos, suas armas manchadas de sangue. Os pecadores estavam ali. Vários deles.

    Os soldados ao redor reagiram de imediato, puxando as lâminas das bainhas.

    James engoliu seco.

    — Que merda… — murmurou.

    Sira ergueu-se lentamente, a mão firme sobre a empunhadura da katana ainda embainhada. Seu rosto não demonstrava mais dor ou angústia. Apenas um vazio inquietante.

    — S-Sira? — James murmurou, observando-a com hesitação.

    Ela avançou sem pressa, passos silenciosos sobre a terra manchada de sangue. Passou por Sigurd sem dirigir-lhe uma palavra, sem lançar-lhe sequer um olhar. O homem acompanhou seus movimentos com um semblante carregado de gravidade.

    James moveu-se para segui-la, mas Sigurd estendeu o braço diante dele, impedindo sua passagem.

    — Ela não está consciente agora! — James exclamou, os olhos aflitos sobre a silhueta esguia que caminhava rumo ao perigo. — Preciso tirá-la daqui antes que se machuque!

    Sigurd não desviou o olhar da cena. Seu tom veio grave, carregado de um entendimento que James ainda não possuía.

    — Olhe para ela, garoto. Veja bem o estado em que está…

    James hesitou, voltando os olhos para Sira. Seu corpo parecia rígido, os ombros travados, como se carregassem um fardo invisível. Mas não era medo. Não era desespero. Algo muito pior havia tomado conta dela.

    — Se tentar pará-la agora — Sigurd continuou, os olhos semicerrados — será cortado no mínimo. Ela está consumida pelo ódio… e agora, tudo o que deseja é dar vazão a esse ódio. Deixe que o derrame sobre aqueles desgraçados.

    James cerrou os dentes, inquieto. Cada fibra de seu corpo gritava para detê-la, para evitar que fizesse algo de que se arrependesse. Mas era tarde demais. O sangue já havia sido derramado. Os gritos de agonia já haviam sido silenciados. A única coisa que restava agora… era vingança.

    Com um rosnado frustrado, James puxou sua espada.

    — Maldição! — bradou, preparando-se para o combate iminente.

    Diante deles, os pecadores aguardavam. Homens e mulheres de olhares frios, corpos cobertos de cicatrizes e farrapos manchados de sangue. Não se moviam, apenas observavam, como predadores à espreita.

    Sira não se importava.

    Foi então que seus olhos captaram algo ao lado da casa de madeira.

    Um corpo.

    Pequeno.

    Frágil.

    Mirel.

    A menina de cabelos bem arrumados, o rosto outrora radiante, agora despedaçado e irreconhecível. Sangue escorria de feridas profundas, tingindo a terra embaixo dela de um vermelho escuro e espesso.

    O mundo ao redor de Sira pareceu desaparecer.

    Sua mente mergulhou na escuridão.

    Primeiro, veio a dor. A mesma dor lancinante de anos atrás, quando tudo lhe foi tirado. 

    Depois, veio o vazio.

    Seus olhos, ainda cheios de lágrimas, ergueram-se na direção dos pecadores. Seu rosto contorcido pela tristeza começou a se transformar. Seus lábios tremiam como se fossem proferir palavras de pesar… mas ao invés disso, um sorriso surgiu.

    Largo.

    Aterrador.

    As lágrimas ainda corriam por seu rosto, mas seu coração já não pulsava com o peso da dor.

    Agora, era apenas ódio.

    — Vocês… — sua voz saiu como um sussurro carregado de veneno. — Tiraram tudo de mim uma vez…

    Ela deu um passo à frente.

    — E mesmo depois de eu ter recuperado… tiraram tudo de mim novamente.

    Outro passo.

    O cabo da katana rangeu sob a pressão de seus dedos.

    — Eu vou matar todos vocês.

    Seus olhos brilharam com uma fúria insana.

    — Não vou parar nunca.

    A lâmina deslizou para fora da bainha, um brilho prateado cortando a noite.

    — Vou caçá-los até o mais profundo abismo do inferno…

    Ela ergueu a espada.

    — E juro… nenhum de vocês vai restar no final.

    E então, ela avançou.

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