Capítulo 115 - Um Motivo Para Lutar
Shayax chegou ao final do combate junto de seus homens da Ponto Escuro. O cheiro metálico do sangue impregnava o ar, e os corpos dos inimigos jaziam espalhados pelo solo, imóveis, como marionetes cujas cordas haviam sido cortadas. A batalha havia sido vencida, mas o preço pago era evidente. O grupo de Sigurd, que enfrentara o grosso do inimigo, sofrera pesadas baixas. E ali, entre os corpos caídos, estava o próprio Sigurd.
— Sigurd… — murmurou Shayax, os olhos fixos no corpo do guerreiro.
Ele não sentia tristeza. Não eram amigos. Mas respeitava a força daquele homem, e vê-lo ali, caído com a garganta cortada, despertou um pensamento incômodo: um dia, poderia ser ele naquela mesma posição, exalando seu último suspiro sobre a terra fria.
Sacudindo esses pensamentos, virou-se e ordenou que os soldados sobreviventes do grupo de Sigurd se juntassem ao seu. Era necessário seguir adiante. Reunindo os aldeões resgatados por Sigurd, somados aos que sua própria tropa havia encontrado, começou a conduzi-los para fora do vilarejo. Seus passos eram firmes, mas a tensão permanecia. Algo não parecia certo.
A marcha avançava de forma ordenada até que Shayax avistou outro destacamento da Ponto Escuro. Entre eles, a figura conhecida de Ibri. Os dois grupos se uniram, e um breve relato foi trocado. Ibri perdera poucos soldados, uma notícia que, por mais pequena que fosse, aliviava a atmosfera sombria daquela jornada. O objetivo era claro: levar os aldeões a um local seguro e montar um acampamento para que pudessem se recuperar. Ainda não tinham certeza de quantas vidas haviam sido salvas, mas esperavam encontrar ao menos metade da população de Icca.
A saída do vilarejo estava próxima. Os aldeões, desgastados pelo horror, começavam a exibir tímidos sinais de alívio. Finalmente estavam deixando para trás aquele inferno. Mas a paz foi efêmera.
De repente, como sombras caindo dos céus, dez figuras saltaram dos muros, aterrissando com precisão felina. Vestes roxas ondulavam ao vento, lâminas reluziam à luz da lua. Pecadores. E não estavam sozinhos. Como se surgissem do próprio solo, mais e mais inimigos emergiram, cercando o grupo.
— Mas que merda! — rosnou Shayax, cerrando os punhos. — Esses malditos não se cansam?!
— Mesmo que fujamos agora, eles poderiam atacar nosso acampamento depois. Precisamos lidar com isso aqui. — A voz de Ibri era firme, mas carregada de cansaço.
— Quantos mais teremos que matar?! — esbravejou Shayax, desembainhando a espada. — Já derrubamos um número que deveria ser suficiente para acabar com um exército! Mas eles continuam aparecendo como malditos insetos!
Foi então que uma risada ecoou pelo campo de batalha. Uma voz repleta de divertimento, carregada de teatralidade.
— Não se preocupem…
No alto do muro, um homem surgiu. Cabelos laranja, olhar cintilante e um sorriso largo e insano. Sem capuz, ele estendeu os braços para os céus, como se absorvesse o brilho prateado da lua com uma devoção doentia.
— Este ataque será o nosso último.
Shayax estreitou os olhos.
— Quem diabos é você…?
O homem riu, inclinando-se para frente com exagero.
— Eu sou Kurin, o responsável pelo ataque a este vilarejo. Agradeço imensamente a todos vocês por virem até aqui… tornaram tudo ainda mais interessante!
— Maldito pecador! — gritou um dos soldados, erguendo sua lâmina.
— Vamos acabar com todos vocês! — bradou outro, erguendo o punho.
Kurin gargalhou, sua risada ecoando de forma estranha pela noite. Com um giro gracioso, ele saltou, pousando na borda do muro como um artista em um palco.
— É isso que eu gosto de ver! Raiva, ódio, fúria incessante! Somos inimigos, não somos? Viemos aqui para nos matar, não viemos? Ahhh, que felicidade!
Ele dançou sobre o muro, rodopiando, os olhos brilhando em um frenesi insano.
Shayax observou, tentando entender. Era uma distração? Uma forma de ganhar tempo? Não…
Não, aquele homem não precisava de desculpas. Ele apenas gostava de estar no centro das atenções. Gostava do espetáculo da guerra.
— Isso é um jogo para você, não é? — perguntou Shayax, sua voz firme como o aço de sua lâmina. Seu olhar, afiado e analítico, repousava sobre o homem à sua frente.
Kurin riu. Uma risada vazia, insana, que ecoou pelos muros de pedra, reverberando como uma melodia macabra. Ele inclinou a cabeça para o lado, os olhos brilhando com uma perversidade infantil.
— Hahaha! Finalmente, alguém que entende! — exclamou, abrindo os braços como se estivesse acolhendo a própria lua que brilhava acima deles. — Você já parou para pensar, homem-lagarto? O mundo… é um grande jogo! Cada um de nós é apenas uma peça, descartável, substituível! Títulos, poder, dinheiro… tudo não passa de uma ilusão frágil! — Ele girou sobre os próprios pés, os mantos roxos esvoaçando ao seu redor. — Mas eu… eu descobri a única verdade que importa! Se divertir! Sim! Viver para o prazer supremo da destruição! Ahhh… se eu pudesse viver por mais mil anos! Mais mil anos de sangue e carnificina! Mil anos de massacre! Esse é o meu sonho! E você, homem-lagarto? Por que você joga esse jogo?!
As palavras de Kurin eram um delírio febril, um mergulho na loucura que Shayax observava com um misto de desgosto e compreensão. Este homem não buscava razão, não desejava sentido. Apenas caos. Era um ser que havia se libertado de todas as amarras da moralidade, um demônio disfarçado de humano.
Shayax reprimiu sua raiva. Não era hora de se deixar levar pelas emoções. Mas a pergunta de Kurin reverberava em sua mente: Por que eu jogo este jogo?
Ele desviou o olhar para Ibri, que permanecia ao seu lado, lâmina em punho, olhos fixos no inimigo à frente. Então, olhou para sua espada, a extensão de sua vontade e determinação. Por que lutava? Para que sua lâmina existia? A resposta veio como um relâmpago em sua mente.
Bruce.
Seu melhor amigo. O homem-lagarto que ele admirava, que sempre foi um passo à frente, forte, destemido, um verdadeiro guerreiro. Durante anos, Shayax buscou alcançá-lo, tornar-se alguém digno de lutar ao seu lado. E agora, depois de todo o treinamento no Reino dos Humanos, depois de batalhas e treinos, finalmente sentia que tinha alcançado esse patamar. Finalmente, podia lutar com a mesma convicção de Bruce.
Seus olhos se estreitaram, sua expressão tornou-se de puro aço. Ele sabia sua resposta. Sabia a verdade que guiava sua lâmina.
— Eu luto para proteger aqueles que precisam de proteção! — sua voz ressoou pelo campo de batalha. — Luto porque sou forte! Porque minha força deve ser usada para ajudar os outros!
O silêncio tomou conta do lugar por um breve momento. Os soldados da Ponto Escuro, que aguardavam ansiosamente o sinal para atacar, foram tomados pela energia de suas palavras. Então, como uma onda irrefreável, os sorrisos começaram a aparecer em seus rostos. Eles ergueram suas espadas, deixando escapar um brado de guerra feroz, uma promessa de que lutariam até o fim.
— LUTO PARA VENCER! ATAQUEM!
O grito de guerra rompeu o ar, e os soldados investiram com fúria. As chamas da batalha foram acesas com um brilho de esperança em seus corações. Shayax avançou, o vento cortando contra suas escamas conforme ele ativava o fluxo, seu corpo se movendo com velocidade devastadora.
— Ibri! Proteja a retaguarda! — ordenou enquanto se lançava à frente.
Seu objetivo era claro: Kurin.
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