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    A jovem elfa de cabelos ruivos, presos em uma trança firme, se movia com agilidade pelo campo de treino. Sua katana brilhava sob a luz do dia enquanto ela atacava com precisão. Do outro lado, seu adversário — um homem de longos cabelos azuis também presos — mantinha-se atento, acompanhando cada movimento da moça. A luta entre os dois era intensa, mas não era um combate real. Eles treinavam para melhorar suas habilidades.

    O objetivo era claro: não se tratava de ferir ou matar, mas de desarmar o oponente com precisão. O treino buscava mais do que força ou velocidade — exigia estratégia. Em certas batalhas, seria necessário capturar, e não eliminar, o inimigo. Por isso, aquele tipo de controle era essencial.

    Mia aceitou treinar com Berco por insistência dele. No começo, não imaginava que ele fosse tão forte. Desde criança, ela superava facilmente outros guerreiros e, sob os ensinamentos do irmão falecido, Richard Ravens, tornou-se uma duelista respeitada. No entanto, logo no primeiro duelo com Berco, foi derrotada com facilidade. Um erro, um segundo de descuido, e ela já estava no chão.

    Para Mia, aquilo foi um golpe no orgulho. Para Berco, foi uma surpresa. A jovem era muito talentosa. Obrigou-o a lutar a sério, como se enfrentasse um soldado experiente. Ainda assim, Mia estava longe de alcançá-lo. Afinal, Berco não era um guerreiro qualquer. Era capitão de divisão dos Cavaleiros Sagrados do Reino Élfico — um título raro e respeitado.

    Mesmo assim, ele viu em Mia um potencial enorme. Se, tão jovem, ela já podia desafiá-lo, talvez fosse tão promissora quanto Richard, seu antigo amigo e um dos maiores guerreiros que já conheceu.

    A derrota inicial não desanimou Mia. Na verdade, a motivou ainda mais. Começou a desafiar Berco a cada dois dias, determinada a vencê-lo. Nunca tinha perdido um duelo — exceto para o irmão — e seu orgulho como espadachim não permitiria aceitar essa nova derrota facilmente.

    Com o tempo, sua evolução ficou evidente. Seus golpes ficaram mais rápidos e sua técnica, mais precisa. Berco também aproveitou o treinamento: estudava o estilo de luta da família Ravens, uma tradição antiga passada de geração em geração. Richard usava uma espada comum, enquanto Mia preferia a katana, o que dava ao seu estilo um toque diferente. Essas pequenas mudanças tornavam sua forma de lutar única.

    Mesmo assim, Berco observou, aprendeu e, em menos de dois meses, absorveu o estilo de luta dos Ravens, adaptando-o à sua própria forma de combate. Se antes já era um guerreiro temido, agora se tornara ainda mais poderoso. Por isso, embora nunca dissesse em voz alta, ele sentia que devia algo a Mia.

    Naquele dia, a luta entre os dois chegou ao seu ponto mais intenso. As espadas se chocavam com força e precisão, cada golpe mais rápido que o anterior. O som do aço preenchia o campo, e os dois se moviam com a leveza e a precisão de dançarinos experientes.

    Mas, num momento de distração, tudo acabou.

    Berco percebeu uma abertura e, sem hesitar, desferiu um corte circular perfeito, vindo de cima para baixo. A katana de Mia voou das mãos dela e caiu alguns metros adiante, cravada no chão.

    A jovem piscou, confusa. Seu golpe havia falhado.

    — Isso… — murmurou ela, ainda surpresa.

    — Corte Circular — disse Berco, sorrindo ao girar a espada e apoiá-la no ombro. — Uma técnica dos Ravens. Aprendi com você.

    Mia franziu a testa e cruzou os braços, impaciente.

    — Mas não é igual! — reclamou.

    — Claro que não — respondeu ele, inclinando levemente a cabeça. — Não sou um Ravens, nem quero lutar como um. Apenas observei, entendi os princípios e adaptei ao meu estilo.

    Ela o encarou por um instante, curiosa, e então foi até a katana para pegá-la de volta.

    — Como você fez isso? — perguntou, agora mais interessada do que irritada.

    Berco caminhou até um banco próximo e sentou com um suspiro. Pegou um pano limpo oferecido por uma jovem elfa de cabelos castanhos — uma criada da casa Ravens, que sempre os acompanhava durante os treinos.

    — Tenho uma certa facilidade em entender e repetir movimentos e técnicas. É algo que tenho desde pequeno — explicou ele, enxugando o suor do rosto.

    — Obrigado — disse ele à criada, que se curvou levemente antes de sair em silêncio.

    Mia ficou de pé, com as pernas afastadas e a katana apoiada no ombro. Uma das mãos estava na cintura, numa pose que tentava mostrar confiança, talvez até superioridade. O orgulho era visível em sua postura.

    — Isso é algum tipo de bênção? — perguntou ela, num tom de resmungo. Berco, já acostumado com o jeito dela, apenas sorriu.

    — Não, não é bênção nenhuma — respondeu com calma. — E, se fosse, não seria algo que eu pudesse explicar. É só… algo que eu sei fazer. Talvez seja só uma característica minha.

    Antes que ele pudesse continuar, Mia deu um passo à frente e exclamou:

    — Me ensina!

    O pedido de Mia veio acompanhado de um gesto brusco com a mão, como se estivesse dando ordens a um servo.

    Berco levantou uma sobrancelha, visivelmente irritado por um momento. Suspirou fundo, levantou-se do banco e, sem cerimônia, caminhou até ela. Com o dedo indicador, deu-lhe um leve toque na testa.

    — Presta atenção, pirralha — disse ele, com um tom firme e levemente ríspido.

    Mia deu um passo para trás, surpresa.

    — Eu não sou teu criado, entendeu? Só estou te treinando porque também tiro proveito disso. Se quer que eu te ajude, aprende a pedir direito. Um “por favor” e um “obrigado” não vão te matar.

    Ele a cutucava a cada palavra, deixando claro seu descontentamento com a atitude arrogante dela.

    — O quê?! Eu não preciso pedir por favor!

    — Precisa, sim. Não sou seu subordinado.

    Mia cruzou os braços, os olhos brilhando de desafio. Depois, como se tivesse tido uma ideia genial, declarou:

    — Então eu vou te contratar!

    Um sorriso vitorioso se formou em seu rosto. Berco fechou os olhos, já arrependido de ter aceitado treiná-la. Passou a mão nas têmporas, cansado.

    — Tu precisa aprender a se comportar… — murmurou, balançando a cabeça.

    Foi então que uma voz fria e respeitosa interrompeu a conversa, com uma pitada de sarcasmo:

    — Ora, ora… Parece que tivemos um pequeno desentendimento por aqui.

    Ambos se viraram ao mesmo tempo para ver quem falava. Um homem se aproximava do campo de treinamento com passos lentos e controlados, as mãos juntas à frente do corpo.

    Ou, como Mia e Berco costumavam chamar, o quintal da mansão Ravens.

    Depois da morte de Richard Ravens, seu irmão mais velho, Mia herdara tudo. Em sua homenagem, manteve a casa exatamente como era. E de tempos em tempos, arrastava Berco até o quintal para treinos intensos.

    Mas agora, alguém inesperado estava ali.

    Mia estreitou os olhos ao reconhecer a figura.

    — Isu — disse, com a voz carregada de desconfiança. — O que está fazendo aqui?

    Isu continuou se aproximando calmamente. Ao lado dele, um pouco mais atrás, caminhava Elber, o mordomo-chefe, que claramente fora quem o deixara entrar.

    Parando a poucos passos dos dois, Isu lançou um olhar avaliador para Berco antes de se voltar para Mia.

    — Trago uma mensagem do vosso pai, mestre Kiel — anunciou com a formalidade de um diplomata. Depois, arqueou uma sobrancelha e acrescentou, com um sorriso forçado: — Mas não esperava encontrar a senhorita… entretida.

    Mia cruzou os braços, impaciente.

    — Hm… Fala logo. Não tenho tempo para suas ironias.

    Isu inclinou levemente a cabeça, num gesto educado, mas provocativo.

    — Perdoe-me, senhorita, mas não lembro de ter sido irônico.

    — Vai continuar enrolando ou vai direto ao ponto?! — disparou Mia, irritada.

    Isu continuou sereno, com um leve sorriso nos lábios, e finalmente disse:

    — Parece que nossos ilustres visitantes já atravessaram a fronteira do Reino Élfico.

    Mia franziu a testa.

    — Visitantes? — repetiu, sem entender de imediato a gravidade da notícia.

    Ao lado dela, Berco ficou tenso.

    — O rei do Reino Humano? — perguntou. Mia virou-se para ele, surpresa, mas sua expressão logo ficou séria e irritada.

    — Já chegaram? Tão cedo assim? São os primeiros a entrar?

    — Ainda não chegaram a Perestória — respondeu Isu, cruzando as mãos atrás das costas. — Mas já estão em nosso território. Pelo que me informaram, não foi o rei quem veio, e sim sua filha, a herdeira do trono.

    — O rei não veio?! — Berco estreitou os olhos. — Que falta de respeito…

    A expressão de Mia ficou ainda mais dura.

    A notícia era, na prática, uma provocação disfarçada de formalidade. O Reino Élfico havia perdido recentemente Richard Ravens, o cavaleiro sagrado mais respeitado da história élfica. Sua morte abalou profundamente o reino. Por isso, os reis dos demais territórios foram convocados para uma reunião urgente. Esperava-se que todos comparecessem pessoalmente — a estabilidade de toda a região estava em jogo.

    Mas o rei dos humanos, um dos que mais tinham interesse no encontro, sequer se deu ao trabalho de vir. Em vez disso, mandou sua filha.

    Era impossível não ver isso como um gesto de desdém. Como se dissesse: “Já sabem o que penso. Não preciso me incomodar em ir até aí.”

    — Não sei se vejo da mesma forma — murmurou Isu, com um brilho enigmático nos olhos.

    Mia virou-se para ele, incrédula.

    — Não? — disse, com ironia. — O rei nos ignora e manda a filha no lugar, e tu acha que isso não significa nada?

    Berco concordou, com os punhos cerrados.

    — Ele sabe o que queremos pedir — disse. — Mandou a princesa pra nos dar uma resposta indireta antes da reunião começar.

    A dedução de Berco não estava errada. Isu pensara o mesmo ao receber a notícia. Ainda assim, era cedo para tirar conclusões. A reunião nem começara, e só um dos três reinos humanos havia mandado alguém. Muita coisa ainda podia acontecer nos próximos dias.

    Mas o tempo era o maior inimigo agora.

    Com a morte de Richard Ravens, o único paladino da história élfica, o reino estava vulnerável. Nos primeiros dias, o povo chorou. Depois, vieram as perguntas:

    “Quem vai nos proteger agora?”

    “Sem Richard, o que será de nós?”

    O medo tomou conta. A ausência do protetor abalava o equilíbrio de tudo. Era uma era incerta. Nem mesmo Isu sabia o que viria pela frente. Então ele falou, do mesmo jeito calmo e educado de sempre:

    — Sobre a reunião… Vosso pai ordenou que não se aproxime da câmara, quando ela começar.

    O silêncio que se seguiu foi quebrado pela respiração pesada de Mia.

    — O quê?! — exclamou, com raiva contida.

    Berco ficou quieto, mas seu punho se fechou de leve. A tensão em seu rosto mostrava que ele também fora pego de surpresa.

    — Então ele descobriu… — murmurou.

    Isu cruzou os braços, com um ar quase paternal, como quem flagra dois jovens em travessuras mal pensadas.

    — É mais ingênuo do que parecem — disse, com respeito, mas também certa ironia. — Acha mesmo que podiam tramar algo sob os olhos do senhor Riez e sair ilesos? Esqueceram quem governa este reino enquanto o rei se ocupa com banquetes e conforto?

    Mia apertou os lábios, sem responder.

    — Pretendiam interromper a reunião — continuou Isu, direto como uma lâmina. — Invadir a câmara sem autorização e implorar aos reis humanos permissão para cruzar as fronteiras, estou certo?

    Os dois ficaram imóveis.

    Foram descobertos.

    O plano que julgavam discreto agora estava completamente exposto. Riez, o conselheiro-chefe do rei e pai de Mia, não conquistara sua posição por acaso. Não era um homem fácil de enganar.

    Ficava claro que, por mais cuidadosos que fossem, não poderiam dar um passo sem que ele soubesse.

    — Nós queremos sair das fronteiras! Ir atrás do assassino do meu irmão! — gritou Mia, os olhos cheios de raiva. — Precisamos encontrá-lo!

    Isu não se abalou com o desabafo da jovem. Com a calma de quem já viu muitas discussões parecidas, respondeu com frieza:

    — O homem chamado Tiko é um criminoso de nível dez. Um dos mais perigosos de todo o continente. Todos os reinos já sabem quem ele é e o que representa. O que vocês acham que vão conseguir indo atrás dele fora do nosso território?

    Mia ia responder, mas Berco levantou a mão antes que ela pudesse dizer qualquer coisa.

    — Não se trata do que podemos fazer — disse ele, com firmeza. — Mas do que vamos fazer.

    Isu levantou uma sobrancelha, cético.

    — Ah, claro. E acham que frases de impacto vão ajudar vocês nessa missão impossível?

    — Não são só palavras. Ficar parado esperando não é uma opção. A única escolha é agir.

    Isu o olhou como se estivesse lidando com mais um soldado impulsivo. Para ele, Berco era só mais um espadachim que agia antes de pensar, sem entender o quanto o mundo era mais complexo do que batalhas e bravatas. Com um suspiro leve, respondeu com o mesmo tom calmo:

    — A ordem do seu pai foi clara, Mia. E você, capitão Berco, também recebeu ordens do comandante da Primeira Divisão.

    Berco não pareceu surpreso. Só balançou a cabeça levemente, como se já esperasse por isso.

    — É… já imaginava.

    Isu continuou:

    — Mas há algo mais. Uma missão.

    Mia e Berco se entreolharam, curiosos.

    — Seu pai quer que vocês encontrem Jack, o irmão de Tiko — explicou Isu, pausadamente. — E que consigam qualquer informação que nos ajude a localizar o paradeiro de Tiko.

    O silêncio tomou conta por alguns segundos.

    Não era a missão que eles queriam… mas talvez fosse a única forma de chegar perto de Tiko.

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