Capítulo 126 - Pequena e Hostil
As ruas do Reino das Quatro Torres estavam lotadas. Não era festival, nem dia santo, nem nada. As pessoas só gostavam de sair depois do pôr do sol, ponto final. E faziam isso em massa. Risadas, histórias, comida e bebida rolando soltas. O pai de Saito dizia que isso era exclusivo dali—em outros reinos, o povo se escondia em casa antes da meia-noite. Mas ali? Ali era diferente.
Saito andava sem pressa pela multidão. Estava só passeando. Sem missão, sem patrulha, sem ninguém para impressionar. Até que viu um grupo de cinco jovens virando uma esquina e sumindo num beco.
Algo o incomodou. Um dos garotos estava com o braço no pescoço de outro, que, diferente dos demais, não parecia estar se divertindo. Parecia preso. E assustado.
Saito diminuiu o passo. Rosto fechado. Algo estava errado. E ele sabia como essas coisas costumavam terminar.
Seguiu o grupo.
O beco estava escuro e malcheiroso. Sons abafados surgiram conforme ele avançava—sussurros ríspidos, um baque surdo. Algo caindo.
Merda.
Saito se esgueirou pelas sombras e logo viu o que já esperava: quatro adolescentes chutando outro garoto, que estava caído no chão, se encolhendo como podia. O quinto só observava. Braços cruzados, sorriso idiota no rosto.
— Você e sua família imunda deviam saber o seu lugar. Vieram pra cá roubar nossos trabalhos?!
Aí estava o motivo. Preconceito disfarçado de patriotismo.
O garoto espancado provavelmente era de Icca, o vilarejo que havia sido massacrado duas semanas atrás por um grupo de lunáticos chamado Os Pecadores. O lugar virou cinzas. Os sobreviventes—os poucos que restaram—foram acolhidos no Reino das Quatro Torres. Estavam alojados num prédio improvisado, com comida, cama e um teto sobre a cabeça. Até que Icca pudesse ser reconstruída.
Claro que isso gerou rancor. O reino já mal conseguia lidar com seus próprios problemas. Colocar refugiados na equação virou um barril de pólvora social. Muitos perderam a paciência. Outros perderam a decência.
E as crianças… bem, as crianças absorvem o ódio dos adultos como esponjas.
Saito deu um passo à frente, pronto pra intervir. E então…
BZZZT!
Um clarão azul explodiu no beco. Uma linha de eletricidade riscou o ar e estourou contra a parede com um estrondo digno de tempestade.
— O que foi isso?! — gritou um dos rapazes, pulando pra trás.
— Foi ela! — apontou outro.
Todos viraram. Saito também. E então ele viu.
Uma figura pequena, quase ridícula de tão minúscula, surgiu na entrada do beco. Carregava um cajado que parecia maior do que ela. Cabelos longos e azulados, brilhando à luz das tochas. Um roupão arrastado pelo chão escondia quase tudo, menos o olhar mortal que ela lançou aos agressores.
Era ela. Little Girl. Nome estúpido. Mas nome conhecido.
— Isso é muito injusto — disse ela. Os dedos pequenos apertavam o cajado com força. — Quatro contra um. Vocês… vão conhecer o raio.
Pausa dramática.
Ninguém se mexeu. Até Saito ficou travado. Não que a fala dela fosse assustadora. Ela era pequena. Frágil. Tinha cara de quem devia estar lendo livros ilustrados, não ameaçando alguém com magia de destruição em massa.
Mas aí você lembrava do raio. E então ficava em dúvida.
Ela errou de propósito? Ou aquilo era só aquecimento?
Saito engoliu em seco. A dúvida era o que incomodava. Porque Little Girl podia ter, no máximo, dez anos. A questão era: ela tinha noção da força que possuía? Ou ia simplesmente fritar um bando de moleques por impulso?
O líder do grupo—o valentão do discurso xenofóbico—tentou fingir coragem.
— Q-quem é você?! — berrou, meio falhando na voz.
Ela inclinou a cabeça. Avaliou a pergunta.
— Quem sou eu? Chamem como quiserem. Mas se não forem embora agora… vou fazer um raio cair na cabeça de vocês.
Ah, ótimo. Uma miniatura com mania de Zeus.
Saito não quis esperar pra ver o que viria a seguir. Correu até o garoto machucado, o levantou com cuidado e o arrastou pra longe. Depois se aproximou da maga mirim.
Tentou sorrir. Um sorriso de “ei, tá tudo bem, vamos com calma”.
— Boa noite, Little Girl… Precisa de ajuda…
— Cai fora.
Saito perdeu o sorriso. Claro. Por que esperar um “obrigado” quando você pode ser chutado verbalmente por uma criança armada com eletricidade?
A garota apontou o cajado. A ponta brilhou.
Os valentões congelaram.
Saito reagiu instintivamente.
— Ei, ei, ei! Abaixa esse troço, sua maluca! São crianças!
Ela nem piscou.
— Crianças ou não, estavam no meu caminho. Vão levar um raio na cabeça.
Saito arregalou os olhos.
Que lógica maravilhosa. Ela devia escrever um tratado de ética.
Ele avançou, segurou o cajado com firmeza.
— Escuta… você é mais poderosa que eles. Não precisa usar sua força assim. É injusto.
Ela o encarou. O tipo de olhar que poderia ligar uma usina.
Por um segundo, ele achou que ia morrer ali mesmo.
Mas então ela fez beicinho. Inflou as bochechas. Bufou. E girou nos calcanhares, se afastando com passos pesados de puro drama.
— Da próxima vez que me der ordens, vai levar um raio! — gritou sem olhar pra trás.
Saito ficou parado. Piscaram algumas vezes.
Ela é maluca. Totalmente maluca.
Depois que a pequena tormenta desapareceu no fim do beco, ele voltou a atenção pros agressores.
Deu uma bronca daquelas. Falou de respeito, de empatia, da estupidez de repetir o ódio dos pais. Eles ouviram. Fingiram que entenderam. Ou não.
Saito suspirou.
Não era pai deles. Não era santo. E definitivamente não era babá de maga desequilibrada.
Então fez o que dava pra fazer: levou o garoto machucado pra casa.
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