Capítulo 127 - Objetivos e Sonhos
O dia seguinte chegou limpo. Céu azul, sem nuvens. Um daqueles dias em que a vida parece dar uma pausa no caos — só para te enganar depois.
Saito chegou cedo à Guilda dos Avós de Prata. Kevin e o resto do grupo já estavam por lá. A exceção, como sempre, era Little Girl.
— Ela se atrasa — disse Kevin, lendo o olhar de Saito como um livro aberto. — Vai aparecer.
— Ou está por aí ameaçando crianças… — Saito murmurou. Não que esperasse ser ouvido.
Seguiram para a sala de reuniões de sempre. Enquanto esperavam a pequena maga, Saito decidiu puxar conversa com Kevin. O que era só para matar o tempo acabou virando algo mais revelador.
Kevin era um bastardo.
Literalmente. Filho ilegítimo de um nobre que dormiu com a empregada antes do casamento. Cresceu sem saber disso. Só descobriu quando o verdadeiro herdeiro morreu, e o velho nobre percebeu que não ia mais produzir descendentes — problemas de saúde, segundo ele.
Então, fez o que nobres fazem: contou à esposa. “Tive um filho antes do nosso casamento.” Ela não gritou, não chorou. Só calculou. E decidiu aceitar. Sem herdeiro, toda a fortuna que juntaram podia ir pro ralo. Um bastardo era melhor que nada.
Kevin tinha cinco anos. A mãe dele, plebeia sem qualquer peso no mundo, não disse nada. Talvez por medo. Talvez por saber que o filho teria o que ela nunca teve: um futuro.
Ele foi educado como nobre. Espada, etiqueta, postura. Estava pronto para herdar tudo. Mas Kevin nunca quis aquilo.
— Eu não queria ser o filho do nobre. Queria ser o cara que muda o mundo.
Então, aos quatorze, fez um plano. Arrumou uma mulher — escolhida a dedo — engravidou-a, e entregou o filho recém-nascido ao pai. Para todos os efeitos, o bebê virou o novo herdeiro legítimo do velho.
Cinco anos se passaram. Kevin agora tem vinte. O filho tem cinco. E eles nunca se viram.
— Não sente nada? — perguntou Saito, curioso. — Nunca quis conhecer ele?
Kevin deu de ombros, sem peso nos olhos.
— Não. Ele tá com meu pai, sendo criado como príncipe. Vai ter tudo. Eu… não seria um bom pai. Eu quero mudar o mundo. Isso é o que eu sou.
Saito não respondeu. Não porque concordava, mas porque… não sabia se discordava. Kevin não fez o que era certo. Mas fez o que queria. E foi honesto com isso.
Little Girl chegou. Ignorou todo mundo — especialmente Saito — como se nada tivesse acontecido na noite anterior. Nem um olhar. Só largou o cajado no chão, fez barulho, e sentou. Silêncio total.
Saito se sentiu invisível. De novo.
Kevin, em compensação, parecia animado como se fossem sair para pescar.
— Missão nova! — anunciou, de pé, como se fosse um capitão prestes a levar o navio ao mar. — Vai servir de treino pro grupo agora que temos o Saito com a gente.
— Que tipo de missão? — Saito perguntou, levantando a mão como se estivesse na escola.
— Escolta. Vamos levar um viajante até Breiri. Não é longe, mas leva uns dias.
Kevin parou, franzindo a testa.
— Isso não atrapalha sua rotina, né? Você trabalha de segunda a quinta, certo?
— De segunda a quinta? — Tuare arregalou os olhos. Aquilo era estranho. Aventureiro que escolhe dia pra trabalhar geralmente morre na sexta.
— Não tem problema — disse Saito. — Só preciso estar de volta até sexta à tarde.
Kevin assentiu.
— Ótimo. Já cuidei de tudo: carruagem, suprimentos, mapa… Está tudo pronto.
Saito piscou. Organizar uma missão assim normalmente envolvia o grupo todo. Kevin preferia cuidar sozinho. Saito suspeitou que fosse mais sobre senso de responsabilidade do que desconfiança. Talvez, no futuro, pudesse oferecer ajuda.
— Partimos ao meio-dia. Até lá, temos tempo livre. Preparem-se. Vai ser uma viagem de alguns dias.
Leiana foi a primeira a sair.
— Vou me despedir do meu namorado e da minha família! — anunciou, enquanto se espreguiçava.
— Eu também. Meus pais… — Tuare falou baixo, ainda decidindo.
Kevin sorriu. Genuinamente.
— Tranquilo. Só voltem meia hora antes do horário. Assim dá pra revisar a formação e apresentar o cliente.
Ele então se virou para os dois que restaram.
— Se tiverem algo pra resolver, aproveitem agora.
— Quanto a gente vai ganhar? — perguntou Little Girl. Sua voz era neutra. Mas o olhar dizia: “não me faça perder tempo”.
Kevin coçou a nuca, rindo.
— Eu sabia que você ia perguntar isso.
— Você sempre pergunta antes de aceitar qualquer coisa — disse Tuare, rindo.
— Dez moedas de ouro pra cada um — respondeu Kevin.
Saito arqueou uma sobrancelha. Isso era muito.
— Isso é… uma recompensa muito boa.
— Rank prata tem suas vantagens — disse Tuare, com orgulho. — Mas, no caso do Kevin, é o nome dele que abre portas.
— Ajudei um grupo de mercadores uma vez. Depois disso, sempre me procuram pra escolta. Gero confiança. Agora me contratam todo mês.
Tudo fazia sentido. Kevin queria preencher a vaga do grupo rápido porque precisava de gente confiável pra continuar pegando esses contratos. Missões de escolta não se fazem sozinho.
— Você é cheio de surpresas, Kevin — disse Saito.
Kevin desviou o olhar, meio sem graça.
— Bom, pessoal… Quando estiverem prontos, nos encontramos aqui.
Missão aceita. Próximo passo: estrada.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.