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    Vê se pode uma dessas, colocaram aquele tapado na equipe. Aparentemente, o critério agora é saber repetir o óbvio com convicção. Little Girl saiu da Guilda de Aventureiros bufando — e nem tentou esconder o mau humor.

    Ela caminhou pelas ruas do reino com o cenho franzido, amaldiçoando mentalmente os deuses da incompetência. Precisava de uma válvula de escape. Nada melhor do que açúcar, gordura e culpa.

    Seguiu direto para a confeitaria mais próxima.

    Assim que entrou, foi atropelada pelo cheiro de açúcar queimando, baunilha e alguma coisa que lembrava infância e irresponsabilidade. Atrás do balcão estava Sandra — coberta de glacê, segurando uma tigela de massa do tamanho de um barril e com uma expressão de quem estava prestes a gritar com o mundo.

    — Sandra! — exclamou a pequena maga, marchando até ela como quem invade uma fortaleza. — Tens algo doce e absurdamente calórico para me dar? Estou carente.

    Sandra levantou o olhar. Claramente não esperava visitas.

    — Little Girl?! Que sorte a minha!

    Little Girl estreitou os olhos. Quando alguém dizia “que sorte” logo depois de vê-la, era sinal de problema.

    — O que estás fazendo aí? — perguntou, encarando a massa que parecia tentar fugir da tigela.

    — O que parece? Estou me afogando em trabalho. Pegamos um pedido gigante pra uma festa. Meu irmão, gênio que é, decidiu que podia fazer a entrega sozinho mesmo doente. Resultado: tropeçou, espalhou tudo no chão e agora está de cama.

    Ela deu um suspiro que parecia vir dos ossos.

    — E agora vais ter de refazer tudo? — perguntou Little Girl, já sabendo a resposta.

    — Exato. Minha mãe está viajando, meu irmão parece um zumbi e sobrou tudo pra mim.

    A pequena maga começou a calcular as rotas de fuga, mas não foi rápida o bastante. Sandra levantou o rosto e a olhou como quem encontra uma tábua de salvação no meio do naufrágio.

    — Mas tu estás aqui!

    Little Girl deu um passo pra trás. Alerta máximo.

    — E… e daí? Não sei cozinhar. Nunca nem fritei um ovo. Posso fazer bolas de fogo, mas acho que não é isso que estás procurando.

    — Só preciso que mexas a massa. Não é física quântica, é biscoito. Por favor!

    Sandra ajoelhou-se no chão como uma sacerdotisa desesperada implorando aos céus por socorro. Tudo muito dramático.

    Little Girl bufou, resignada.

    — Tá… Certo. Mas se esses biscoitos saírem do forno e me atacarem, a culpa é tua.

    — És uma amiga maravilhosa!

    — Hmph.

    Seguiram-se minutos que pareceram horas, cheios de açúcar, farinha e caos. Mas, milagre dos milagres, conseguiram preencher quatro caixas enormes antes do cliente aparecer.

    Sandra praticamente desabou no balcão. Parecia que tinha vencido uma guerra.

    — Obrigada! Se não fosse por ti, estaria chorando no chão da cozinha agora.

    Little Girl olhou para o próprio braço. Estava coberto de alguma coisa pegajosa. Provavelmente doce. Talvez perigosa.

    — Não tens de agradecer. Mas sim, preciso de um banho.

    Sandra percebeu o estado lamentável da amiga e apontou para o andar de cima.

    — O banheiro é teu. Vai, antes que fiques colada no chão.

    Little Girl subiu. No espelho, viu o que já suspeitava: parecia que tinha lutado com um monstro feito de massa de biscoito. E perdido.

    Tomou banho, lavou as roupas com o sabão que encontrou e usou uma relíquia mágica que soprava ar quente — útil, embora barulhenta. Quando voltou, mais apresentável, encontrou Sandra limpando os últimos vestígios da batalha.

    As caixas tinham sumido.

    — Já vieram buscar?

    — Vieram.

    — Quatro caixas gigantes? Quantas pessoas?

    — Duas. Uma garota toda arrumada — parecia uma princesa. E um cara vestido como se fosse para a guerra.

    — Casal. Aposto.

    — Tinham essa vibe. Bem próximos. Fiquei até com inveja.

    — Invejosa? Ele era bonito?

    — Nem tanto. Falei “invejosa” porque todas as minhas amigas já estão namorando. Sou a única encalhada.

    Little Girl inclinou a cabeça, estudando-a como um alquimista analisa uma poção instável.

    — Quantos anos tu tens, mesmo?

    — Vinte e cinco.

    Pausa. Uma longa pausa.

    — Estás quase na idade em que ninguém mais te quererá.

    — O quê?!

    Sandra parecia ter levado uma estocada no coração.

    — Que tipo de criança diz isso?! Homens gostam de mulheres maduras!

    — Mais velha, com certeza. Madura? Hmm… tenho dúvidas.

    — Aaaah! — Sandra gemeu, afundando o rosto nas mãos.

    Little Girl suspirou, subiu na ponta dos pés e deu três tapinhas nas costas da amiga.

    — Calma. Vais encontrar alguém bonito e legal. Que goste de doces, de preferência.

    Sandra fungou, tentando sorrir.

    — Obrigada…

    Adultos. Às vezes eram piores que crianças.

    Little Girl tinha onze anos, era uma aventureira registrada — a mais jovem do reino.

    Não tinha família. Não aceitava ordens.

    Era uma vida solitária, difícil e perigosa.

    Mas era a vida dela. E isso bastava.

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