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    A companhia se reuniu trinta minutos antes da partida, como mandava o bom senso — e como Kevin exigiria, caso estivesse presente. A ausência dele era notada, mas ninguém parecia preocupado. Kevin não era do tipo que atrasava sem motivo. E de fato, não atrasou. Surgiu alguns minutos depois, com passos rápidos e um semblante sereno, como se fosse só mais um dia qualquer — o que, para ele, provavelmente era. Atrás dele vinha uma mulher que chamava atenção sem muito esforço.

    — Companheiros, esta é a cliente. Façam as apresentações — disse Kevin, com aquele tom cordial que ele usava até quando gritava ordens.

    Um por um, os membros cumprimentaram a mulher. Todos exceto Little Girl, que como sempre, não fez questão de esconder seu desinteresse. A mulher — que mais tarde se apresentou como Isilda Camargo — não pareceu se importar. Limitou-se a sorrir, como quem entende que algumas pessoas simplesmente são assim.

    — Um prazer. Isilda Camargo — disse ela.

    A voz era firme, o olhar mais ainda. Havia uma elegância nela que não era forçada — não precisava de esforço para ser notada. Ela carregava um vestido vinho que parecia fora de lugar ali, com os ombros à mostra, pele bronzeada, brincos dourados tremulando à luz do sol. Parecia mais pronta para um baile do que para uma jornada cansativa até um vilarejo perdido. Saito notou e se perguntou se ela sabia no que estava se metendo. Talvez soubesse. Talvez não ligasse.

    Assim que tudo estava pronto, o grupo se dirigiu aos portões principais da cidade. Imensos, como se feitos para lembrar a todos que sair dali era deixar a civilização para trás. Das Quatro Torres, só duas eram visíveis dali. Mesmo assim, bastava uma olhada para entender que aquele lugar levava a si mesmo a sério.

    Isilda parou perto da carruagem, olhando para trás, para a cidade que deixaria. Kevin percebeu e foi até ela.

    — Senhorita Isilda, já podemos partir. O assento está preparado. É razoavelmente confortável — disse ele, com a eficiência de quem quer evitar atrasos.

    A carruagem não era luxuosa, mas também não era um fardo. Assentos acolchoados, espaço decente. Melhor do que o chão, com certeza. Kevin ficou com as rédeas. Ao lado dele, Tuare, a arqueira, já examinava os arredores com os olhos de quem nunca relaxa. Dentro da carruagem, entraram Saito, Leiana, Little Girl e Isilda. Saito teve o azar — ou sorte — de sentar-se ao lado de Little Girl, que o presenteou com um olhar que dava a entender que ele não era bem-vindo. Em frente, Isilda e Leiana.

    E assim, com tudo no lugar, a carruagem começou a se mover. A estrada se estendia à frente, com promessas de poeira, cansaço e talvez morte. O que não era novidade para nenhum deles.

    ⧫⧫⧫

    As primeiras horas foram um desfile de silêncio. O tipo de silêncio que incomoda se você não está acostumado. Os cavalos trotavam, as rodas rangiam, o mundo passava lá fora sem se importar com ninguém. Dentro da carruagem, cada um em seu próprio mundo. O que funcionava para a maioria… mas não para Leiana.

    Ela não sabia lidar bem com o silêncio. Dava-lhe nos nervos. Então quebrou-o do único jeito que sabia: falando.

    — Então, Saito — disse, como quem tenta parecer casual — o que faz nos fins de semana, quando não está sendo um aventureiro?

    Saito ergueu os olhos. Surpreso. Mas respondeu sem pensar muito.

    — Trabalho com meu pai. Ele precisa de ajuda no ofício. E achei justo.

    Leiana sorriu. O tipo de sorriso que mistura admiração sincera com uma pontinha de inveja.

    — Isso é… admirável. Família em primeiro lugar, não é?

    A verdade é que ela andava frustrada. Um ano como aventureira e ainda rank Bronze. A maioria subia em seis meses, bastava completar missões. Ela já tinha tentado. Tinha falhado. Isso deixava cicatrizes.

    Saito percebeu.

    — Você já tentou o teste para subir de rank?

    Leiana desviou o olhar.

    — Já. E… falhei.

    Saito inclinou-se, curioso.

    — Como é?

    — Parecido com o teste da guilda. Mas mais difícil. Tem parte escrita, mais complexa. Depois, uma parte prática, pra mostrar técnica de combate. E por fim, provar que você melhorou sua gama.

    — Gama? — perguntou ele, franzindo o cenho.

    — Seu estilo, suas habilidades. O conjunto. Tem que mostrar progresso.

    Ela fez uma pausa e continuou, com um tom mais pensativo.

    — Dizem que até o rank Ouro é assim. Mas o teste para Platina… é diferente. Não sei como. Só rumores.

    Saito não insistiu. Mas Leiana, talvez sentindo que já tinha dito demais, soltou mais do que devia.

    — Na verdade… não sei se vou continuar como aventureira. Estou pensando em sair.

    — Vai abandonar? — perguntou ele.

    — Talvez. Meu namorado e eu… planejamos nos casar. Ele ainda não pediu, mas… estamos nos preparando. Conseguiu guardar algum dinheiro. Uma casa simples, vida calma. Sem monstros tentando arrancar sua cabeça toda semana.

    A voz dela mudou. Ficou mais suave. Mais leve. Ela falava com carinho real.

    — Ele trabalha numa lojinha, perto da minha casa. Conheci ele lá. Eu comprava legumes.

    E então ela percebeu que estava se abrindo demais. Corou. Tentou se recompor.

    — Perdão… falei demais. Enfim, não sei sobre o teste de Platina.

    Saito deu de ombros e sorriu.

    — Eu não me importo. Gosto de ouvir. Parece que tem sorte no amor. Estou torcendo por vocês.

    — O-Obrigada, Saito — respondeu ela, sem saber onde pôr os olhos.

    Foi então que veio a risada. Baixa, quase musical. Isilda.

    — Ah, como é doce o amor jovem… — murmurou, com um sorriso.

    Leiana piscou, confusa.

    — Jovem…?

    E Saito, com a inocência de quem não viveu o suficiente para ter medo da morte, soltou a pergunta que selaria seu destino:

    — Senhora Isilda, quantos anos a senhora tem?

    O silêncio caiu como uma pedra. Denso, imediato, absoluto.

    Três pares de olhos se voltaram para ele ao mesmo tempo. Até Little Girl, que raramente se dignava a participar de qualquer conversa, olhou para ele como se considerasse onde exatamente enfiaria a adaga.

    Saito, para o bem da missão e da própria vida, decidiu que talvez fosse melhor não insistir.

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