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    Os dias seguintes passaram sem maiores complicações. Caminhavam pela estrada durante o dia, e à noite montavam acampamento. Em menos de dois dias já estavam próximos da tal montanha. Na segunda noite, a vigília caiu nas costas de Little Girl e Saito.

    Sentaram-se sob uma árvore, tronco áspero nas costas, silêncio entre eles. A brisa da noite balançava as folhas e as estrelas faziam um trabalho miserável tentando iluminar o que quer que fosse. Saito não sabia bem o que dizer. Na verdade, queria falar, mas sempre que tentava puxar assunto com aquela menina acabava apanhando com palavras. Tinha enfrentado monstros, ladrões e um cara que tentara envenená-lo com uma maçã — e mesmo assim, aquela pirralha de voz fina era o que mais o desconcertava.

    — Que droga… por que estou com medo de falar com uma criança? — resmungou em pensamento.

    Respirou fundo e foi.

    — V-você é muito nova pra ser uma aventureira…

    Ela virou o rosto tão rápido que ele pensou ter ouvido o pescoço estalar.

    — N-não que isso seja ruim! — completou rápido, levantando as mãos. — Mas como você foi aceita? Quero dizer… uma criança de dez? Onze anos?

    Ela o encarou como se ele fosse uma gosma no fundo da bota.

    — Não que seja da sua conta, mas tenho onze. — disse, emburrada.

    Cada palavra dela parecia ter sido polida com desprezo antes de sair da boca.

    — Me tornei aventureira porque sou diferente de você. E de todo o resto dessa corja que tenta entrar nessa vida sem saber nem amarrar as próprias botas.

    — Então abriram uma exceção porque você é talentosa? Isso vai contra as regras da guilda. — comentou Saito, arqueando a sobrancelha.

    Ela sorriu. Não um sorriso doce. Foi um sorriso de quem já sabe que venceu a discussão antes mesmo de começar.

    — Sou tão boa que mudaram as regras por minha causa. Diferente de você, que teve que esperar a maioridade porque é um fracote.

    Ela soltou uma risada que parecia uma bofetada. Saito suspirou.

    — Você não é nem um pouco simpática, sabia?

    — E você não sabe o seu lugar.

    Ela se virou, olhos brilhando sob o clarão da fogueira.

    — Se tentar me impedir de eletrocutar alguém de novo, vai ser o primeiro a sentir o choque. Entendido?

    Saito engoliu em seco. Já tinha visto o que aquela garota podia fazer com eletricidade. Não queria servir de exemplo.

    — Você tem uma boa afinidade com o raio… — murmurou.

    Ela virou-se com raiva.

    — Boa afinidade?! — esbravejou. — Idiotas têm boa afinidade! Eu tenho uma AFINIDADE SUPERIOR com o raio, seu indigente!

    A partir daí, ela parou de responder qualquer coisa que ele dissesse. E ficou assim até o fim do turno de vigia. Saito apenas suspirou.

    Conversar com aquela menina era como tentar discutir com um raio. A noite demorou a passar.

    Na manhã seguinte, o grupo retomou a jornada dentro da carruagem. O ritmo suave das rodas sobre a estrada quase fazia dormir. Saito conversava com Kevin, o único com quem conseguia manter um diálogo sem ser atacado verbalmente.

    Kevin era paciente e falava com calma, o que ajudava. Saito, por outro lado, tinha passado mais tempo estudando livros do que enfrentando monstros de verdade. Então, aprender com Kevin era um bônus.

    — Uma das coisas mais importantes pra um aventureiro é ter o nome circulando. — explicou Kevin, recostado no banco. — Quanto mais falam de você, mais trabalhos aparecem.

    — Então ser bem falado significa mais oportunidades? Faz sentido… Mas como se consegue isso?

    — Dois jeitos. O primeiro é o caminho longo: fazer missões impecáveis, construir uma boa reputação. Leva tempo. Às vezes, anos.

    — E o segundo?

    — Chamar a atenção. — disse, gesticulando. — Ter algo marcante. Um título, uma habilidade rara, ou até uma aparência única. Já percebeu quantos aventureiros usam roupas chamativas?

    Saito pensou e assentiu. Capas vermelhas, elmos com penas… fazia sentido.

    — Eu achava que era só gosto estranho.

    Kevin riu.

    — Parte sim. Parte estratégia. Quanto mais chamativo, mais lembrado você é.

    — Então eu deveria mudar meu visual?

    Ele cogitou um corte radical de cabelo. Depois se imaginou careca. Arrependeu-se instantaneamente da ideia.

    Kevin notou a expressão dele e sorriu.

    — Você podia deixar o cabelo crescer. Em Camelot, tem essa moda entre os homens. Cabelos longos. Talvez funcione pra você.

    A conversa foi interrompida por Isilda, a cliente do grupo.

    — Vocês já viram um elfo? — perguntou, curiosa.

    Kevin e Saito se entreolharam.

    — Não. — disseram em uníssono.

    Isilda sorriu.

    — Eles deixam o cabelo crescer bastante. E combina. São… delicados, de certo modo.

    — Quero ver um elfo um dia. — disse Saito. — Conhecer raças novas, monstros, lugares diferentes… É o que mais me anima nessa vida.

    O sorriso de Isilda desapareceu um pouco.

    — Só evite o Reino Élfico por enquanto. As coisas estão tensas por lá.

    Kevin franziu a testa.

    — Está falando da morte de Richard Ravens, não é?

    — Sim. — ela suspirou. — O único elfo que já foi nomeado Paladino. Agora ele está morto. Imagino que o Reino esteja em caos.

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