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    Ainda estava escuro quando o grupo começou a se mover. O sol nem dava sinais de que queria aparecer, mas todos já estavam de pé, reunindo seus pertences e se preparando para deixar o vilarejo e seguir de volta ao Reino das Quatro Torres.

    Na carruagem, sentada bem no canto, estava Little Girl. Saito a observava enquanto ajeitava as mochilas e sacolas. Ela estava com um caderninho no colo, rabiscando alguma coisa com aquela expressão neutra de sempre. Mas, ao notar que estava sendo encarada, levantou os olhos e lançou um olhar afiado pra cima dele.

    — O que foi? — perguntou seca, com o cenho franzido.

    — Eu? Nada. Só tô fazendo meu trabalho. — respondeu Saito, num tom direto, sem nem piscar.

    Ele já tinha aprendido como lidar com ela. Nada de tentar puxar papo ou demonstrar desconforto. A garota era… difícil. Não sabia conversar como uma pessoa normal, então Saito parou de tentar forçar simpatia. Agora, respondia com a mesma frieza que recebia. Direto ao ponto, sem dar brecha pra ela o irritar. No fundo, ele só estava evitando confusão.

    — Saito, terminou de colocar as coisas? — perguntou Kevin, se aproximando com o restante da equipe. A cliente que haviam escoltado até o vilarejo estava com eles, junto dos dois moradores locais que os haviam recebido.

    — Sim, tudo pronto. A carruagem tá carregada, já podemos partir.

    — Ótimo!

    O grupo se despediu rapidamente. Apesar do pouco tempo que passaram juntos, os aventureiros e os moradores haviam criado certa afinidade. Risadas, agradecimentos e promessas vagas de se encontrarem de novo foram trocadas. Só uma pessoa sequer cogitou se juntar ao momento: Little Girl. Assim que viu a movimentação das despedidas, ela se enfiou ainda mais no interior da carruagem e voltou a escrever em seu caderno, ignorando completamente a cena.

    Com tudo resolvido, a viagem de volta começou. O céu começava a clarear devagar, e o clima dentro da carruagem era animado. Estavam descansados, já tinham recebido parte da recompensa, e assim que chegassem ao Reino das Quatro Torres, pegariam o restante na guilda de aventureiros. Tudo tinha saído dentro do esperado — e se o caminho de volta também fosse tranquilo, aquela missão seria um verdadeiro sucesso.

    Do lado de fora da carruagem, na parte de vigia, estavam Kevin e Saito. O vento fresco da manhã soprava suave, balançando os cabelos dos dois enquanto observavam a estrada que se estendia à frente.

    — Saito, você tem interesse em outras raças inteligentes além dos humanos? — perguntou Kevin do nada, quebrando o silêncio.

    — Hã? Ah… sim, acho que sim. É como a maioria das pessoas, né? Nunca vi um elfo ou um homem-lagarto de perto. Só ouvi histórias. Sempre fico curioso.

    Kevin sorriu de leve.

    — E se um dia eu viajar até o Reino dos Elfos… você viria comigo?

    Saito arregalou os olhos.

    — O quê?! Tá falando sério?

    — Muito sério. — Kevin riu, se divertindo com a reação exagerada do amigo.

    Era compreensível. O Reino dos Elfos era fechado, quase inacessível para humanos comuns. Só pessoas com propósitos específicos ou convites formais tinham permissão pra entrar.

    — Como você pretende fazer isso? Tipo… você por acaso é um príncipe disfarçado de plebeu? — brincou Saito, cruzando os braços. — Tem algum passe VIP que ninguém sabe?

    — Não sou príncipe de nada — disse Kevin, ainda rindo. — Mas acho que algumas coisas estão prestes a mudar no continente.

    O tom mudou. Kevin falava sério agora. Saito percebeu.

    — Mudar? Que tipo de mudança?

    — Nos últimos meses aconteceram duas coisas grandes. Primeiro, a morte de Richard Ravens. Depois, o ataque ao vilarejo de Icca. E olha só… as duas coisas aconteceram praticamente ao mesmo tempo. Como se fossem parte de um mesmo tabuleiro se movendo.

    Saito ficou em silêncio, ouvindo atentamente.

    — Além disso, a princesa do Reino Grão-Vermelho foi convocada pelos elfos, junto com representantes de outros reinos, pra uma reunião no próprio território deles. Isso é raríssimo. Tenho quase certeza de que o que for decidido lá vai afetar o continente inteiro. E talvez, com um pouco de sorte, até mude a relação entre os elfos e os humanos.

    — Você acha mesmo? Mas… qual seria o motivo pra isso acontecer?

    Kevin olhou para frente, o olhar sério, firme.

    — A floresta Abelium.

    A Floresta Sagrada de Abelium, localizada no coração do reino dos elfos, era cercada de mistérios. Dizem que nem mesmo os próprios elfos sabem ao certo o que existe nas profundezas daquele lugar. Nenhuma expedição conseguiu atravessar completamente a floresta — e não por falta de tentativa. As criaturas que habitam lá são absurdamente poderosas, mas o que realmente assusta qualquer um que pensa em se aventurar por ali… é o guardião.

    Um único elfo, antigo como o tempo, que vive há milhares de anos e jurou proteger a floresta com a própria vida. Ele é uma lenda viva. Um enigma. E o detalhe que mais faz os olhos brilharem entre estudiosos, aventureiros e gananciosos de plantão: dizem que esse guardião empunha uma arma sagrada.

    Só o fato de portar uma já o tornaria uma força temida no continente inteiro. Armas encantadas já são raríssimas, mas armas sagradas? Isso é coisa de outro mundo. Elas carregam diversos encantamentos complexos, forjados por técnicas que ninguém mais domina. É o tipo de tesouro que pode mudar o rumo de uma guerra.

    Sem perder tempo, Kevin continuou explicando, com os olhos acesos de entusiasmo e a imaginação fervilhando.

    — O reino dos elfos tentou explorar a floresta diversas vezes. Mandaram grupos poderosos, mas nenhum conseguiu chegar muito longe. Eventualmente, eles desistiram. Mas tanto os elfos quanto os humanos sabem que lá dentro deve ter relíquias e segredos que ninguém nem sonha em encontrar. — Ele fez uma pausa, como se enxergasse a cena diante dos olhos. — E com aquele guardião lá… só reforça a ideia de que algo muito valioso está sendo protegido.

    Saito escutava com atenção, completamente imerso.

    — Então você acha que essa reunião marcada pelos elfos com os outros reinos tem a ver com isso?

    Kevin assentiu, o tom ficando mais sério.

    — Com certeza. Eles perderam a única “armadura” política que tinham: Richard Ravens. Com ele fora de cena, o equilíbrio de poder mudou. E os elfos sabem que, se não tomarem uma atitude, podem acabar sendo vistos como vulneráveis. A floresta de Abelium pode ser a chave pra eles manterem o status de reino intocável — como moeda de troca. Eles podem oferecer o direito de exploração da floresta em troca de colaboração dos humanos, ou até mesmo sugerir que certos elfos recebam o título de paladino.

    Saito franziu a testa, pensativo, e então respondeu:

    — Faz sentido… O título de paladino não pode ser concedido por um único reino. Todos os reinos humanos precisam aprovar. Mas se os elfos tiverem algo de muito valor pra oferecer — tipo o acesso à floresta de Abelium —, eles podem negociar esse reconhecimento. E com isso, ganham proteção e tempo pra se reorganizar depois da perda do Richard.

    Ele deu um suspiro, balançando a cabeça.

    — Claro que isso não vai substituir o Richard. O cara era uma lenda. Mesmo que cinco elfos ganhem o título de paladino, nenhum deles vai ser reconhecido como “o mais forte”, como ele foi. Mas… como plano emergencial, até que é inteligente.

    Kevin sorriu, voltando a falar com empolgação.

    — E se abrirem mesmo a floresta pra exploração, é bem provável que aventureiros sejam convidados! Imagina só… poder explorar Abelium legalmente! Pode ser a oportunidade da nossa vida!

    Ele olhou para o lado, os olhos brilhando de expectativa.

    — Se isso acontecer… que tal irmos juntos para o reino dos elfos?

    Saito ficou em silêncio por um segundo, como se estivesse saboreando a ideia. Era uma proposta tentadora. A floresta de Abelium era o lugar mais misterioso e inexplorado do continente, e a chance de pisar lá era o tipo de coisa que um aventureiro só sonha em viver. Além disso, o convite de Kevin — sincero e direto — fez um calorzinho surgir no peito de Saito.

    Ele sorriu.

    — Tá brincando? Eu topo na hora!

    Os dois riram, animados, deixando o vento da manhã bater no rosto enquanto a carruagem seguia seu caminho. E ali, no meio da estrada, entre planos improváveis e o brilho de uma promessa, nasceu um pacto silencioso entre dois sonhadores prontos pra desafiar o desconhecido.

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