Capítulo 136 - Perguntas e Respostas
Na manhã seguinte, o sol mal havia vencido a névoa quando Saito chegou ao salão de reuniões da equipe. Kevin já o aguardava — olhos atentos, semblante grave, como quem carrega uma bomba no bolso do casaco. A carta ainda estava com ele, mas o conteúdo já havia sido discutido superficialmente na noite anterior. Agora, era hora de dissecar a verdade.
— Ela já está a caminho? — perguntou Saito, recostando-se na parede com os braços cruzados.
— Sim. Pedi que viesse sozinha. Achei que seria melhor não envolver as outras por enquanto. — Kevin falava baixo, mas com firmeza. Havia cautela em sua postura, como se cada palavra pudesse acender um pavio.
Poucos minutos depois, a porta rangeu suavemente, e Little Girl entrou com a mesma expressão indiferente de sempre — testa franzida, mãos nos bolsos do casaco, os passos leves demais para alguém com tantos segredos nas costas.
— Me chamou, Kevin? — disse, sem rodeios, sentando-se à mesa de madeira escura.
Kevin nem perdeu tempo com amenidades.
— Recebemos isto. — Jogou o envelope em sua direção com a ponta dos dedos, como se a coisa carregasse veneno.
A garota ergueu uma sobrancelha, mas pegou a carta. Começou a ler. A cada linha, seus olhos se estreitavam, o rosto antes apático ganhando contornos de alarme. Quando chegou ao fim, seus dedos tremiam imperceptivelmente.
— Eles me acharam…? — murmurou, mais para si mesma do que para os outros. Um sussurro que carregava o peso de algo antigo… algo perigoso.
— Eles quem? — perguntou Saito, com a voz dura, mas curiosa. Havia algo de desconfortável no tom, como se já pressentisse a resposta.
Ela levantou-se de repente, empurrando a cadeira para trás com um rangido seco. Colocou a carta na mesa como quem larga um cadáver. O ar ficou mais denso.
— Eu preciso sair daqui. Agora. — Sua voz soava urgente, e havia medo genuíno em seus olhos. Medo cru, que ela nunca havia deixado transparecer antes.
— Espera! — Kevin se levantou, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, Saito já estava na porta, bloqueando a saída com o corpo. O rosto dele estava diferente — não era só determinação, era algo mais sombrio.
— Eu te avisei pra não se meter no meu caminho! — esbravejou Little Girl, os punhos cerrados e as palavras cuspidas com desespero. — Quer levar um raio na cabeça?!
Mas não era o tom habitual de arrogância dela. Não era o sarcasmo ou o desprezo com o qual todos estavam acostumados. Aquilo era pânico. E isso fez Saito endurecer ainda mais.
— Se o que está escrito nessa carta for verdade, não é só a gente que está em risco. Minha mãe, meu pai, a porra da nossa equipe inteira pode acabar envolvida! — Ele deu um passo à frente, os olhos cravados nos dela como lâminas. — A gente tem o direito de saber no que foi que você nos meteu, Little Girl. Não estamos aqui pra limpar os destroços do seu passado enquanto somos arrastados junto.
O estresse dos últimos meses explodiu de uma só vez. O rosto de Saito se contorceu com raiva mal contida. Tinha responsabilidades demais: uma mãe grávida, um pai praticamente ausente, dois empregos que exigiam tudo dele, a situação com o lider da guilda e agora isso.
— Pecadores, porra! — rosnou ele, batendo com a mão fechada na porta atrás de si. — Os malditos Pecadores! Eu nunca tive contato com essa escória e nem quero ter! Não vou me envolver com lunáticos sedentos por matar e massacrar que brincam com a vida das pessoas como se fosse brinquedos! Então, fala logo! Que inferno tá acontecendo?!
Kevin se aproximou devagar, colocando a mão no ombro do amigo, tentando dissipar o furacão de ansiedade que tomava conta dele.
— Saito… calma. Dá pra ver que ela também está apavorada. — Depois, voltou o olhar para a garota, mais suave, mas firme. — Por favor, nos diga o que está acontecendo. Nos deixe entender… antes que seja tarde demais.
Houve um momento de silêncio. O tipo de silêncio em que o ar parece vibrar.
A carta ainda estava sobre a mesa. A caligrafia era limpa, meticulosa, quase educada demais para o conteúdo.
“Prazer, me chamo Kurin e sou um Pecador. Estou enviando esta mensagem ao líder do grupo ao qual um de nossos membros pertence. Queremos que nos devolvam a pessoa conhecida por vocês como Little Girl até o fim do mês. Caso contrário, iremos atrás de vocês. De todos vocês.”
Saito encarava Little Girl como se ela fosse uma granada sem pino. Kevin, mais calmo, esperava. A decisão de confiar — ou não — agora estava nas mãos dela.
Little Girl estava de volta à cadeira. Dessa vez, mais imóvel do que nunca. A decisão estava tomada. Os olhos, antes sempre desafiadores, agora estavam mergulhados numa mistura densa de medo e resignação. Kevin e Saito se sentaram à frente dela, atentos como dois interrogadores cansados demais para gritar — e experientes demais para não perceberem que havia dor demais na história prestes a ser contada.
Ela respirou fundo e começou, a voz tão baixa que quase se perdia entre os estalos da madeira da velha sala de reuniões.
— Há alguns anos… eu fui sequestrada. Os responsáveis foram os Pecadores. — Disse isso com um peso antigo nas palavras, como se estivesse exumando um cadáver que preferia deixar enterrado.
— Sequestrada? Para onde foi levada? — Kevin perguntou, franzindo o cenho. A palavra soava absurda ao ser aplicada à garota forte e afiada que ele conhecia.
— O Reino dos Elfos… — ela respondeu. — Mas não nas cidades centrais, nem nos povoados conhecidos. Era um lugar isolado, esquecido… parecia abandonado.
Kevin e Saito se entreolharam. Aquilo explicava muita coisa… mas ainda não o suficiente.
— Então você já esteve no reino dos elfos? — Kevin perguntou, cauteloso.
— Sim. Mas como eu disse, não sei o nome do lugar. Era uma instalação escondida. Um cativeiro. Uma prisão feita para crianças… — Ela parou por um momento, a garganta embargada, o olhar perdido em algum ponto do chão. — Eles nos treinavam. Crianças de todas as idades… como soldados. Como monstros. Queriam nos moldar à força — quebrar nossas vontades, esculpir armas humanas. Dor, medo, fome… faziam parte do “treinamento”.
Kevin afundou levemente na cadeira, atônito. Ele conhecia Little Girl como alguém orgulhosa, explosiva, até arrogante… mas nunca imaginou o que havia por trás disso. O rosto dela agora parecia mais jovem do que nunca — como se por um instante, a fachada desmoronasse e a garota sequestrada voltasse à superfície.
Saito quebrou o silêncio com um comentário mais técnico, tentando costurar as peças do quebra-cabeça.
— Isso… me lembra daquela operação. A incursão de Richard Ravens. Ele invadiu uma base dos Pecadores há alguns anos, lembra, Kevin?
— Sim, lembro disso… — Kevin respondeu, com um fio de esperança de que aquela lembrança encaixasse com o que ouviam agora.
— Foi essa mesma base. — confirmou Little Girl, com os olhos baixos. — Durante o ataque, os Cavaleiros Sagrados invadiram a instalação. Foi um massacre. Muitos dos Pecadores morreram, e… a maioria das crianças também. Mas eu… eu consegui escapar.
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