Capítulo 141 - Little Girl
Little Girl já havia sido feliz. Antes de toda aquela desgraça, antes de seu mundo ruir, ela conheceu a verdadeira felicidade — simples, pura, sem exageros.
Não vivia cercada de luxo, nem tinha tudo entregue na palma da mão, mas tinha o que muitos passavam a vida procurando: amor.
Seus pais eram camponeses humildes de um vilarejo comum nas terras do Reino das Quatro Torres. A vida era simples, mas cheia de significado. Eles viviam como uma verdadeira família, unida em cada gesto, em cada refeição dividida à luz do sol ou do lampião.
Sua mãe, Mary, era apaixonada por flores. Mantinha um pequeno jardim nos fundos da casa, cuidando das plantas como se fossem tesouros. Era ali que passava boa parte de seus dias, entre cores e perfumes, com um sorriso calmo no rosto.
Já seu pai, Robert, era caçador. Todos os fins de semana, ele se juntava aos velhos amigos da vila e partia para as matas próximas. Sempre voltava com algo para a família — um coelho, um cervo, um javali. E então comiam juntos, rindo, contando histórias.
Little Girl, por outro lado, sempre foi mais solitária. Seus pais a enchiam de carinho, mas ela raramente saía de casa. Não tinha amigos, nem costumava brincar com outras crianças. Preferia o silêncio das páginas. Amava ler.
Um dos últimos presentes que ganhou dos pais foi um livro. Eles economizaram por meses para comprá-lo. Era sobre Gama — a arte mística pela qual ela havia se encantado ao ver um aventureiro usá-la quando ainda vivia no vilarejo. Desde aquele dia, decidiu que aprenderia aquilo também.
Diferente dos pais, Little Girl sabia ler e escrever. Aprendeu sozinha, com esforço e curiosidade, e quando percebeu que dominava aquilo, decidiu ensinar Mary e Robert. As noites de estudo se tornaram um evento semanal, onde ela, cheia de entusiasmo, inventava jeitos criativos de fazer com que os dois aprendessem. Ela gostava de ensinar.
Mary foi quem mais progrediu. Em menos de um ano, já lia palavras difíceis e se orgulhava disso. Robert demorou mais — ria dos próprios erros, mas não desistia. Com o tempo, também aprendeu a escrever pequenas frases, e suas anotações simples deixavam Little Girl radiante.
Eles eram felizes. Mesmo com dificuldades, mesmo sem ter muito… eles eram felizes.
Até que os Pecadores vieram.
Numa noite sem estrelas, o silêncio do vilarejo foi quebrado apenas pelo vento. Crianças desapareceram de suas camas sem deixar rastros. Little Girl foi uma delas.
Foram levadas para um lugar oculto, escondido nas florestas do Reino Élfico — um local sombrio, frio e esquecido até pelos deuses. Os Pecadores haviam sequestrado dezenas de crianças, arrancando-as dos braços de suas famílias para moldá-las em armas vivas.
Ali, não havia consolo. Apenas dor, treino forçado e estudos ininterruptos sobre Gama e táticas de combate. As crianças que não suportavam a pressão morriam — adoecidas pela exaustão, esmagadas pelo medo, assassinadas sem cerimônia. E quando caíam, outras eram trazidas para ocupar seus lugares. O ciclo nunca parava.
Little Girl se destacou desde o início. Sabia mais sobre Gama do que a maioria, graças aos livros de seu pai. Esse conhecimento inicial foi a fagulha que a manteve viva. Então ela mergulhou nos estudos, aprendeu mais do que qualquer um ali, e se adaptou à violência com uma frieza que não parecia pertencer a uma criança.
Logo, os Pecadores passaram a forçá-los a lutar entre si. Duelo após duelo, os perdedores eram executados com crueldade diante das demais crianças — às vezes lentamente, às vezes de forma espetacularmente brutal.
O medo virou combustível. Eles queriam que o medo os tornasse mais fortes. Medo de morrer. Medo de sofrer. Medo de ser o próximo.
E ela entendeu isso. Ela não podia morrer. Não podia sumir para sempre. Tinha que sobreviver. Por seus pais. Por ela mesma.
Então Little Girl endureceu o coração. Lutou. Matou.
Pisou em cima da própria inocência e se agarrou à vida como um animal encurralado.
Crianças choraram. Imploraram. Algumas eram mais velhas, outras mal sabiam falar.
E ela as matou.
Quando finalmente surgiu uma chance de escapar, o número estava marcado em sua alma: oitenta e sete.
Oitenta e sete crianças mortas por suas mãos.
A oportunidade veio quando uma das prisioneiras conseguiu fugir e revelou a localização do campo aos Cavaleiros Sagrados. Uma tropa de elite foi enviada para erradicar os Pecadores e, no meio do caos, Little Girl escapou.
Sobreviveu sozinha. Vagou de vila em vila fazendo pequenos trabalhos, usando sua inteligência, sua frieza e o conhecimento que havia acumulado. Era uma sombra entre os vivos. Até que, um dia, voltou ao seu vilarejo natal. Escondeu-se entre as árvores. Observou de longe.
E viu… seus pais. Mary e Robert estavam sorrindo. Uma nova criança dormia em seus braços. Uma garotinha pequena, de olhos brilhantes e coração limpo. A nova filha que eles criavam com amor. A filha que ela nunca mais poderia ser. Little Girl sentiu o peito se partir em silêncio.
Olhou para suas mãos. Estavam limpas. Mas ela via o sangue. Via os olhos das crianças que matou. Ouvia seus gritos, seus apelos desesperados. Aquela pureza que existira nela havia sido arrancada à força. Ela não podia se aproximar. Não podia voltar. Não depois de tudo. Quem a aceitaria? Quem poderia abraçá-la sabendo o que havia feito? Ela não era mais uma criança. Não era mais filha de ninguém. Ela era um monstro.
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