Capítulo 1 - Floresta Sagrada
Abelium, a floresta sagrada, repousava como um monumento imponente no coração do reino dos elfos. Suas árvores, altas e robustas, estendiam galhos cobertos de folhas verdejantes e frutos silvestres de cores vibrantes. Era um lugar vivo, mas também perigoso, lar de feras mágicas que variavam entre categorias F e D.
Essas categorias, amplamente reconhecidas pelo continente, serviam para classificar o perigo das criaturas que habitavam o mundo.
As feras mais fracas pertenciam à categoria F, enquanto as mais destrutivas ascendiam pelos níveis: E, D, C, B, A, S e SS. Criaturas de F a D eram chamadas de feras mágicas inferiores, pouco mais que uma ameaça local.
No entanto, feras de C a A eram consideradas superiores, e apenas as raras S e SS, categorizadas como lendárias, tinham poder suficiente para devastar regiões inteiras. Felizmente, não havia registros de uma criatura dessas categorias nos últimos 100 anos.
Talvez isso fosse um alívio, ou talvez apenas o prenúncio de algo maior à espreita.
Mas Abelium não era famosa apenas por suas feras. No coração da floresta vivia um elfo, um guardião cujas origens se perdiam no tempo.
Nenhum mortal sabia dizer há quanto tempo ele vigiava aquele território, mas rumores diziam que sua existência antecedia o próprio reino dos elfos.
Muitos o consideravam invencível, uma força inabalável que expulsara soldados bem treinados em incursões passadas, repelindo qualquer tentativa de adentrar os confins da floresta.
Seu principal aliado? A Espada Longa Sagrada: Sibelium. Forjada por um ferreiro lendário há décadas, Sibelium era uma das sete armas sagradas, artefatos de poder inigualável.
Apenas empunhá-la já poderia transformar o mais fraco dos guerreiros em uma ameaça temível. Mas, das sete armas, Sibelium era a única ainda encontrada no mundo; as outras haviam se perdido em meio ao caos de antigas guerras.
A floresta, por si só, parecia viva, dividida em zonas de perigo crescente. Nas bordas, pequenos animais comuns como esquilos e pássaros enchiam o ar de sons familiares.
Alguns quilômetros à frente, a magia começava a se infiltrar, revelando feras das categorias F a D, bestas que desafiavam aventureiros inexperientes.
Mas no centro, no coração de Abelium, residia o desconhecido. Nenhum elfo ousava cruzar o território guardado pelo protetor da floresta. Não sabiam o que habitava lá – talvez algo ainda mais perigoso do que podiam imaginar.
Pelo menos, até hoje, nenhuma fera maior que a categoria D saíra de Abelium. Houve ataques ocasionais de feras menores, mas os elfos se confortavam com a ideia de que o coração da floresta, embora um mistério, não representava um perigo imediato ao reino.
⧫⧫⧫
Uma figura solitária caminhava pelo bosque, cada passo medido e preciso.
A espada pendia em sua cintura, refletindo os raios de luz que escapavam por entre as árvores imponentes de Abelium. Seu olhar firme vasculhava o ambiente, atento a cada som, cada movimento.
O vento sussurrava através das folhas, mas o viajante permanecia em um silêncio resoluto, como se aguardasse pacientemente pelos segredos que a floresta parecia guardar.
Tiko estava em sua caça diária, uma rotina que ele havia adotado desde que passara a viver na modesta casa de um velho elfo que lhe oferecera abrigo.
A localização era perfeita para alguém como ele, isolada e distante da curiosidade alheia — uma condição essencial, dado seu desejo de evitar as cidades e os olhares atentos do reino.
Recusar-se a viver à custa de outros era uma questão de honra para Tiko. Assim, decidiu que sua forma de retribuir seria trazendo a comida que sustentava os dois.
O velho elfo, aposentado de sua longa carreira como um humilde cavaleiro do reino, não tinha mais forças para caçar. Seu corpo, já marcado pelo peso da idade, dependia agora das economias que ele acumulou ao longo de anos de serviço. A casa que compartilhavam, simples e isolada, refletia a vida tranquila e despretensiosa que o idoso escolheu para si após anos de dever.
Era uma vida que, em outros tempos, Tiko poderia ter desejado. Mas agora, ele tinha um propósito maior. A caça não era apenas uma forma de pagamento ou um meio de sobrevivência; era também um campo de treinamento.
Para ele, cada movimento silencioso, cada golpe desferido era uma oportunidade de refinar suas habilidades, de se preparar para as batalhas que sabia que viriam.
Desde jovem, Tiko fora forçado a aprender os fundamentos do combate. Crescer como um elfo negro em uma cidade de elfos não fora fácil, mas seu pai adotivo, um homem simples e sem grande experiência marcial, fizera o possível para ensiná-lo o básico da autodefesa.
Não era um treinamento rigoroso, mas era o suficiente para plantar as sementes de algo maior.
Agora, era sua responsabilidade fazer com que essas sementes germinassem.
le sabia que precisaria de muito mais do que técnicas rudimentares para sobreviver às lutas que o aguardavam. Seu objetivo exigiria não apenas força, mas também experiência e habilidade. Abelium, com suas feras mágicas, era o campo perfeito para esse aprendizado.
Os primeiros animais que Tiko avistou eram comuns e inofensivos — esquilos saltando entre os galhos, coelhos se escondendo em suas tocas, criaturas que fugiam ao menor sinal de movimento.
Ele ignorou todos.
Não estava atrás de presas fáceis, mas de algo que colocasse suas habilidades à prova. Algo que o obrigasse a melhorar, porque sabia que ainda era apenas um amador.
Quando jovem, Tiko teve seu primeiro vislumbre do mundo que tanto admirava. Ele e sua família — mãe, pai e irmão — estavam na praça principal de sua cidade natal, assistindo a um evento que ocorria de tempos em tempos: as Competições Élficas. Guerreiros de toda a região se reuniam para demonstrar sua habilidade em diversas categorias, como magia, arco e flecha, e, claro, esgrima.
Dentre os muitos desafios daquele dia, um combate chamou sua atenção.
De um lado, um espadachim de movimentos ágeis e precisos; do outro, um lancista cuja técnica parecia quase impossível de acompanhar. Tiko, ainda um menino, mal conseguia conter a excitação enquanto assistia. Cada golpe e cada defesa o deixavam maravilhado, seus olhos fixos na batalha como se fosse a cena mais importante de sua vida.
Naquela época, eles pareciam invencíveis, inalcançáveis, guerreiros de um nível que jamais poderiam alcançar. Mas agora, como um elfo negro adulto, reconhecia algo diferente.
Para o jovem Tiko, aqueles homens haviam sido lendas. Para o Tiko de hoje, eram objetivos. “Quero derrotá-los”, diria ele sem hesitar, se alguém perguntasse.
Ainda assim, ele sabia onde estava. Seus talentos no combate corpo a corpo eram rudimentares, seu manejo de armas à distância era fraco, e sua afinidade com magia, inexistente.
Era difícil não comparar-se ao irmão, Jack, que desde cedo demonstrara um talento natural com o arco. Enquanto Jack aprimorava suas habilidades com facilidade, Tiko se via preso em um ciclo de frustração e dúvida.
Sentia vergonha, sim, mas nunca permitiu que isso o paralisasse. Ele não era do tipo que ficava sentado, lamentando sua sorte. Se seus talentos eram medíocres, então ele os lapidaria com suor e esforço. Era essa determinação que o trouxera até Abelium — não para fugir de seus fracassos, mas para transformá-los em força.
Tiko havia jurado a si mesmo que nunca mais se curvaria, não importava o quanto fosse pressionado, não importava o quão injusto o mundo lhe parecesse. Nunca mais.
Ele já tinha suportado o suficiente — humilhações, traições, todas as tentativas de quebrá-lo. Agora, ele precisava de força. Precisava se tornar mais forte, mesmo que isso significasse arriscar sua vida em cada passo.
Era por isso que, ignorando os constantes avisos do velho, ele continuava a avançar mais fundo na floresta, buscando feras mágicas mais poderosas. Alguns chamariam isso de loucura, e talvez eles estivessem certos.
Até Tiko, por vezes, via suas ações como uma forma lenta de suicídio. Mas ele sabia que, se não enfrentasse o medo agora, não estaria preparado para os verdadeiros desafios que o aguardavam. Não haveria espaço para hesitação quando chegasse a hora de colocar tudo em jogo.
Duas sombras passaram rapidamente por entre as árvores à frente. Tiko se abaixou em um movimento fluido, ocultando-se atrás do tronco largo de uma árvore molhada pela chuva da noite anterior.
Ele se manteve atento, movendo a cabeça devagar, observando as sombras. Seus olhos captaram dois corpos quadrúpedes que se moviam juntos.
Um dos animais parou, inclinando a cabeça para farejar o tronco de uma árvore próxima, enquanto o outro continuava a andar, passos pesados que ecoavam suavemente pelo bosque úmido.
Javalis selvagens.
Essas criaturas eram comuns em Abelium, mas isso não as tornava menos perigosas. Com corpos largos e musculosos cobertos por uma pelagem dura, os javalis possuíam dois pares de chifres que podiam chegar a até dezoito centímetros em espécimes adultos.
Embora fossem classificados como feras mágicas de categoria F — inferiores, tecnicamente —, sua força era mais do que suficiente para matar alguém despreparado.
Tiko sabia disso muito bem. Pessoas comuns não tinham chance contra essas feras; suas investidas eram rápidas e precisas, capazes de perfurar troncos de árvores com facilidade.
Subestimá-los era pedir para morrer. Até agora, ele não tinha conseguido derrubar um único javali selvagem, mas isso não importava. Era por isso que estava ali: para provar que era capaz. Para superar os limites que, até então, o mantinham acorrentado.
A floresta estava silenciosa, exceto pelo farfalhar distante das folhas e o som das criaturas se movendo.
Tiko respirou fundo, mantendo o corpo imóvel, os dedos roçando o cabo de sua espada. Hoje, ele enfrentaria a fera. E hoje, ele venceria. Ou morreria tentando.
Com extremo cuidado, Tiko começou a deslizar a espada curta para fora da bainha. Cada movimento era calculado, sua prioridade era o silêncio absoluto.
Puxá-la do modo usual estava fora de questão; qualquer som poderia arruinar tudo. Ele precisava ser tão furtivo quanto nunca antes tentara, mas sabia que suas habilidades nessa área deixavam muito a desejar.
O infortúnio não tardou a aparecer. Quando a lâmina estava quase completamente livre, um dos javalis ergueu a cabeça, suas orelhas se agitando como se algo tivesse captado sua atenção.
Tiko congelou no ato. Sua mão permaneceu firme no cabo da espada, mas ele não ousou continuar o movimento. Até mesmo sua respiração foi interrompida, o som do ar parecia uma ameaça.
Dois javalis. O plano era simples, ao menos na teoria: eliminar o mais próximo com um golpe certeiro e letal antes que o segundo pudesse reagir. No entanto, a execução dependia inteiramente de sua capacidade de se manter indetectável, algo que, naquele instante, parecia mais desafiador do que qualquer batalha.
Um passo em falso — ou um som fora de lugar — e o cenário mudaria para uma luta brutal contra ambos os animais.
Tiko sentiu o suor escorrer por sua testa, cada gota reforçando a tensão que tomava conta de seu corpo.
Por mais que mantivesse sua expressão usual, quase inabalável, os leves movimentos de suas sobrancelhas traíam o esforço descomunal para se manter concentrado. Não havia espaço para erros. Tudo dependia de um momento perfeito que ele não tinha certeza se conseguiria alcançar.
O som seco de um impacto violento reverberou pela clareira, seguido pelo estalo de madeira cedendo. Tiko mal teve tempo de reagir antes que a árvore onde se escondia tremesse sob o golpe de algo poderoso.
Quando olhou para o lado, viu o estrago: uma perfuração profunda marcava o tronco grosso, e um dos chifres do javali estava cravado ali, preso.
Por um instante, ele mal acreditou no que via. O animal havia disparado em uma investida direta, rápida demais para que seus olhos pudessem acompanhar. Se tivesse demorado um segundo a mais para se mover, seria ele — e não a árvore — o alvo daquela força brutal.
Enquanto observava o javali tentando se soltar, uma sensação estranha o tomou. Havia um misto de alívio e respeito silencioso pela velha árvore que suportara o ataque. “Por pouco”, pensou, sentindo o suor frio escorrer pela nuca. Sem aquela barreira natural, o golpe teria sido fatal.
Aos poucos, o choque cedeu lugar à urgência. Ele precisava agir, e rápido. O javali ainda estava preso, mas não por muito tempo. E o segundo continuava por perto, esperando sua chance.
Tiko arrancou a bainha da espada com um movimento rápido. A necessidade de furtividade evaporara junto com a súbita reviravolta da situação; agora era hora de atacar com tudo o que tinha.
O segundo javali, ainda livre, encarou-o com um olhar que ardia de pura agressividade. Tiko se posicionou, mas sua atenção se voltou para o que estava preso à árvore, debatendo-se freneticamente como um animal encurralado. Ele estreitou os olhos, calculando o próximo movimento.
Abaixou-se, colocando uma perna à frente para firmar o equilíbrio, e desferiu um corte preciso na pata da criatura presa. O impacto foi certeiro. O animal cambaleou, sua força claramente reduzida. Aproveitando a brecha, Tiko mirou o pescoço e desceu a espada com toda a força em um golpe vertical.
Mas o que ele esperava ser um corte limpo foi interrompido por uma investida fulminante.
O javali restante avançou com ainda mais ferocidade do que antes, e Tiko mal teve tempo de reagir. Instintivamente, apoiou uma mão no corpo do javali preso e o usou como base para impulsionar seu próprio corpo para o alto. Girando sobre a criatura, ele conseguiu evitar o ataque por um fio. No ar, usou o impulso do salto para desferir um chute contra a lateral do javali e recuou assim que seus pés tocaram o chão.
Com um estrondo assustador, a árvore finalmente cedeu, desmoronando sob o impacto do segundo golpe do javali livre. O som ecoou pela clareira, um lembrete brutal da força descomunal daqueles animais.
Tiko parou por um momento, o coração disparado. A visão era aterrorizante. Aqueles javalis haviam feito em segundos o que normalmente exigiria várias machadadas e o esforço conjunto de um grupo de pessoas. Ele sabia bem disso — no reino dos elfos, as árvores daquela floresta eram conhecidas por sua resistência.
A madeira delas era a base das casas locais, projetadas para suportar tempestades violentas. Abater uma dessas árvores costumava exigir mais de meia dúzia de golpes, às vezes muito mais, dependendo da força do lenhador.
Mas ali estavam eles, dois animais selvagens, reduzindo a madeira grossa a destroços em questão de instantes.
Tiko sentiu um calafrio. A diferença de força era esmagadora, quase humilhante.
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