Capítulo 104 - Fogo e Cinzas
A comitiva da princesa Maria avançava pela trilha sinuosa, serpenteando pelas colinas rumo à grande passagem da montanha sudoeste. A jornada havia sido longa, e o cansaço pesava sobre todos. Ainda assim, apenas algumas horas os separavam de atingir metade do caminho até o reino dos elfos.
As estrelas cintilavam no firmamento, derramando sua luz pálida sobre a caravana, enquanto o vento frio sussurrava entre as árvores retorcidas.
Marchariam por mais duas horas antes de acamparem. Não havia margem para reclamações quando se tratava da segurança da princesa.
Dentro da carruagem central, Maria escrevia com delicadeza em pergaminhos trazidos de seu palácio. Seu semblante sereno escondia o peso da responsabilidade que carregava.
Bruce mantinha-se imóvel, a mente imersa em recordações de batalhas passadas, revisitando mentalmente cada técnica aprendida, cada golpe desferido. Para ele, a jornada era apenas mais um intervalo entre lutas inevitáveis.
Berco segurava um tomo encadernado em couro, os olhos varrendo as páginas à luz bruxuleante da lamparina.
Douglas, apesar da determinação, bocejava discretamente, recostado contra a lateral da carruagem.
A seu lado, Sven, o guarda pessoal da princesa, mantinha-se ereto como uma estátua, atento a qualquer ameaça invisível. O elfo Turk, um mensageiro de seu povo, dormia profundamente, indiferente à presença dos humanos. Apesar de sua desconfiança em relação à raça humana, sua missão havia sido cumprida, e agora aguardava apenas a chegada ao lar.
Lá fora, cavalgando como sombras ao luar, os soldados da Ponto Escuro avançavam com velocidade. Shayax, montado em seu corcel negro, lutava contra o sono. Seus olhos ardiam, mas ele não podia ceder ao cansaço. Para manter-se desperto, cantarolava canções de sua terra natal, melodias antigas que preenchiam o ar noturno como sussurros do passado.
Seus soldados o acompanhavam, atentos, os rostos sombreados pela luz da lua. Era reconfortante vê-los tão vigilantes. Por um momento, Shayax esqueceu-se da canção e fechou os olhos brevemente, entregue à exaustão. O mundo ao seu redor vacilou.
Sua mente flutuou para as noites de sua infância, quando seu pai lhe contava histórias de grandes guerreiros.
— Comandante Shayax.
A voz o puxou bruscamente do torpor, e ele piscou algumas vezes antes de responder.
— Ah! O-Oi!… Eu tô acordado…! — Seu tom nervoso foi uma confissão imediata.
O soldado que o chamara arqueou uma sobrancelha, mas não insistiu. Em vez disso, apontou para o horizonte, a nordeste.
— Acho interessante o senhor ver aquilo.
Shayax seguiu a direção apontada e logo avistou uma luz intensa tremeluzindo na penumbra da noite. Distante, mas nítida o suficiente para se destacar na escuridão. Não era uma simples fogueira ou a luz de tochas comuns; parecia ser algo maior, como uma vila inteira iluminada.
— Aquilo é um vilarejo humano, certo? — indagou ele, estreitando os olhos. — Não conheço muito bem a geografia do continente ainda… Que cidade é essa?
— É o vilarejo de Icca, senhor. Um local conhecido. Mas tem algo estranho… — murmurou o soldado, seu tom carregado de hesitação.
Shayax franziu o cenho. O desconforto do homem era visível, e antes que pudesse perguntar mais, outras vozes se aproximaram.
— Shayax. — Era Ibri, acompanhado de Sigurd. A expressão deles não era nada animadora.
— Ah, Ibri. O que foi?
— Disseram que aquele vilarejo está pegando fogo. — A voz de Ibri era direta, sem rodeios.
Shayax piscou, surpreso.
— Fogo? Como assim?
— É o que parece — Sigurd interveio, os olhos fixos na distante luminosidade. — Estamos longe demais para ter certeza, mas a intensidade da luz…
— E o que fazemos? Avisamos Douglas e os outros? — Shayax perguntou, sentindo um incômodo crescente na boca do estômago.
— Já pedi que Vick fizesse isso — respondeu Sigurd. — Aliás, olha, ele está voltando.
Vick se aproximou rapidamente.
— Douglas acredita que a luz seja do festival que está acontecendo no vilarejo agora. Ele disse que não há motivo para alarde — relatou, seu tom, no entanto, não transmitia total convicção.
Sigurd ficou desconfiado.
— Isso… não me parece luzes de festa — murmurou.
— Consegue sentir cheiro de fumaça? — perguntou Ibri.
Sigurd lambeu a ponta do dedo e ergueu no ar, testando o vento.
— Estamos longe demais, e o vento está soprando para o norte. Se houver fumaça, não vai chegar até nós. — Sua voz era grave, refletindo a incerteza de sua análise.
— Fumaça…? — Shayax repetiu, pensativo.
— Daqui não consigo ver nada com clareza. Está escuro demais para perceber fumaça no céu. — Sigurd passou a língua pelos lábios, ponderando.
Houve um breve silêncio entre eles. O ar parecia mais pesado, como se carregado por uma tensão invisível.
— E se pedirmos ao elfo que está na carruagem para dar uma olhada? Pelo que sei, elfos têm uma visão muito melhor que a nossa. — sugeriu Vick.
— Boa ideia! — exclamou Shayax, animado pela solução.
Sigurd assentiu lentamente.
— Sim, vale a pena verificar. Vá falar com Douglas. Se for mesmo um festival, não perdemos nada. Mas se for algo mais sério…
Ninguém precisou completar a frase
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