Índice de Capítulo

    Turk despertou abruptamente, e a irritação foi imediata. Ele havia planejado dormir até o amanhecer, mas o destino, ao que parecia, tinha outros planos para ele. Seus olhos afiados de elfo haviam sido requisitados para uma tarefa que os outros não podiam cumprir. Pediram-lhe que observasse um vilarejo humano à distância e confirmasse se, de fato, ele estava em chamas ou se era apenas paranoia dos comandantes.

    Douglas, o responsável pela caravana, não parecia dar muita importância ao assunto, mas como os outros estavam visivelmente inquietos, acabou por pedir, com um tom quase suplicante, que Turk verificasse. Com a resposta do elfo, poderiam voltar a cavalgar sem mais distrações.

    Quando Turk retornou, sua expressão era séria, e suas palavras cortaram o ar como uma lâmina afiada.

    — Está pegando fogo.

    Por um momento, todos dentro da carruagem da princesa ficaram em silêncio, atordoados. Maria levou a mão à boca, Sven arregalou os olhos, e Douglas apenas encarou Turk com um semblante incrédulo.

    — Você tem certeza? — questionou Douglas, a voz carregada de preocupação.

    Turk franziu o cenho, ofendido pela dúvida.

    — Está duvidando da minha capacidade de distinguir um incêndio?

    — Não é isso… — Douglas passou a mão pelo rosto, tentando manter a calma. — Eu preciso ter certeza absoluta… o vilarejo Icca… está realmente pegando fogo?

    O elfo respirou fundo antes de responder.

    — Sim. Está completamente em chamas. Não é luz de festival, não é uma ilusão. Mesmo à distância, consigo ver as labaredas consumindo as casas. O fogo se alastra rápido.

    Maria e Sven se entreolharam, visivelmente aflitos. Icca não era apenas um vilarejo qualquer; era um ponto estratégico no continente, uma peça-chave para os reinos vizinhos. Se estava sendo consumido pelo fogo, o impacto seria imenso.

    — Simplesmente pegou fogo? — perguntou Bruce, sem muita emoção, como se estivesse apenas tentando entender a situação.

    — Claro que não! — Sven exclamou, cerrando os punhos. — Um vilarejo daquele porte não queimaria sozinho!

    — Alguém incendiou o lugar. — murmurou Berco, pensativo. — Um ataque. Mercenários talvez. Icca é frequentado por nobres e comerciantes ricos… um alvo perfeito para saqueadores.

    O silêncio caiu sobre a carruagem, pesado como chumbo.

    — Então… eles estão atacando um vilarejo e machucando as pessoas?! — Maria se ergueu de súbito, a voz trêmula de indignação.

    A carruagem balançou, e a princesa foi jogada contra o assento, quase caindo para o lado. Sven segurou-a rapidamente.

    — Princesa, tenha cuidado! — alertou, o tom carregado de preocupação.

    Maria segurou o vestido, a cabeça baixa. Sua expressão era de aflição.

    — As pessoas de lá… o que será delas?

    O silêncio permaneceu, mas dessa vez era sufocante.

    Berco foi o primeiro a romper o vácuo de palavras, sua voz carregada de uma frieza cortante.

    — Ninguém em sã consciência atacaria Icca sem estar preparado. Se esse ataque foi planejado, o vilarejo pode estar em ruínas agora.

    Sven lançou um olhar severo para Berco, mas o homem apenas deu de ombros.

    Douglas massageou as têmporas, sentindo a tensão subir até sua cabeça.

    — Se realmente foi um ataque… então o vilarejo está com problemas sérios.

    Aquela constatação pairou sobre todos como um presságio sombrio.

    Bruce permaneceu calado, sua mente tentando absorver o impacto da situação. Berco analisava friamente os fatos, Maria lutava contra a tristeza, e Sven tentava reconfortá-la com um toque gentil em seu ombro.

    Já Turk, o elfo que havia sido arrancado de seu descanso, apenas suspirou. Para ele, não importava quem estava por trás do ataque ou por que aquilo estava acontecendo. Tudo que sabia era que Icca estava ardendo em chamas. E, muito em breve, alguém teria que decidir o que fazer a respeito.

    Douglas fechou os olhos por um instante. Aquela viagem acabava de se tornar muito mais complicada do que ele havia imaginado.

    A princesa Maria, sentada com as mãos crispadas sobre o colo, não conseguia ignorar o que tinha acabado de ouvir.

    — Precisamos ajudá-los! — sua voz ecoou na carruagem, carregada de emoção e súplica.

    Douglas, o líder da escolta, franziu o cenho e suspirou.

    — Espere um momento, princesa. — sua voz era firme, mas havia um tom de respeito contido. — Essa comitiva foi organizada para garantir sua segurança até o reino dos elfos. Não há razão para nos desviarmos do caminho e nos lançarmos diretamente no perigo. Não podemos permitir que a senhora se exponha dessa forma.

    Maria apertou os punhos, seus olhos brilhavam à luz bruxuleante das lanternas.

    — Mas aquelas pessoas… se não fizermos nada, serão massacradas! Como podemos simplesmente ignorar isso?

    Douglas baixou ligeiramente o olhar, buscando as palavras certas.

    — Ainda assim, princesa… seu bem-estar é a nossa prioridade. Não há justificativa para colocá-la em risco desta maneira. — Ele balançou a cabeça, a voz firme como um açoite.

    Maria o encarou, seus olhos azuis faiscando com algo que Douglas nunca havia visto antes: autoridade pura. Não era um simples capricho de nobreza. Havia convicção ali. Um fogo inabalável.

    Foi então que outra voz interrompeu o silêncio carregado.

    — Posso dar uma sugestão? — Bruce, falou com um leve sorriso, mas seus olhos carregavam um brilho perigoso. — Podemos dividir o grupo. Enviar um pequeno destacamento ao vilarejo para prestar auxílio. Eu me prontifico a ir.

    Douglas estreitou os olhos. Já conhecia bem Bruce e sua sede por combate.

    — Pode parar por aí, seu lunático por lutas. — cortou Douglas, a exasperação evidente. Bruce arqueou uma sobrancelha, irritado por ter sido impedido antes mesmo de desenvolver seu plano. — Você tem uma missão aqui, lembra? Proteger a princesa. E isso não está em discussão.

    Bruce rangeu os dentes, sua frustração visível. Ele queria testar suas habilidades, sentir a adrenalina de uma batalha real. Mas sabia que insistir seria inútil.

    O silêncio pairou sobre o grupo até que outra voz surgiu, calma, mas carregada de determinação.

    — Perdão… mas creio que devo dizer algo sobre isso. — Sven, que até então observava tudo em silêncio, finalmente se pronunciou. Seu olhar estava fixo em Douglas, sua postura reta como a de um soldado diante de um comandante.

    — Se tem algo a dizer, diga. — retrucou Douglas, cruzando os braços.

    Sven desviou o olhar, encontrando os olhos da princesa. Havia algo ali que o fez hesitar por um breve instante. Ele conhecia Maria melhor do que ninguém. Sabia que nada a impediria de agir conforme seu coração ordenava. E, acima de tudo, Sven sabia que seu próprio coração já pertencia àquela mulher. Não era apenas lealdade. Era amor. Um amor que o fazia ignorar toda racionalidade e lógica, desde que isso resultasse num sorriso dela.

    Então ele prosseguiu.

    — Se não me engano… o rei, pai da princesa, confiou ao senhor Douglas a liderança desta missão, correto? A proteção da princesa até o reino é sua responsabilidade. — Sua voz era cortante, e ele sentiu os olhares do grupo recaírem sobre ele. A própria Maria o observava, surpresa, como se ainda não tivesse entendido onde ele queria chegar.

    — Sim, exatamente. — respondeu Douglas, o cenho franzido.

    — Então onde quer chegar com isso? — Berco perguntou com a paciência de quem já antevia uma conversa difícil. — Não vá me dizer que acha que a princesa deveria tomar essa decisão?

    O olhar de Sven não vacilou.

    — Sim. É exatamente isso. — afirmou com firmeza. — O senhor Douglas está aqui para garantir a segurança da princesa. Assim como todos nós. Mas…

    Ele fez uma pausa, respirou fundo. Estava prestes a cruzar uma linha da qual não poderia mais voltar.

    — Tenho plena certeza de que o rei concedeu à princesa total autoridade para tomar decisões importantes sobre os assuntos do reino enquanto estiver fora. Sendo assim, se a princesa ordenar que seus guardas a protejam enquanto ela vai ao vilarejo, vocês não terão outra escolha a não ser cumprir essa ordem. Pois esse é o juramento feito à coroa.

    O silêncio que se seguiu foi sufocante. Douglas apertou os punhos. Berco passou a mão pelo rosto, claramente desconfortável. Bruce, por sua vez, sorriu de canto, admirando a ousadia de Sven.

    Maria arregalou levemente os olhos.

    — O que está dizendo, Sven? Meu cavaleiro…? — sua voz era quase um sussurro.

    Ele se virou totalmente para ela, inclinando-se levemente, num gesto de respeito absoluto.

    — Princesa… a senhorita tem o poder de decidir o caminho que tomaremos. Se desejar ir até o vilarejo de Icca, nós a acompanharemos. Pois esse é o significado de servir à coroa.

    Maria encarou Sven, seus olhos cintilando com compreensão. Limpou uma lágrima solitária que escorria por sua bochecha e voltou seu olhar para Douglas. O líder da escolta a encarava com relutância. Mas não havia mais volta.

    Ela endireitou os ombros, respirou fundo e pronunciou as palavras que selariam o destino daquela comitiva.

    — Senhor Douglas. — Sua voz cortou o ar como a lâmina de uma espada.

    O líder da Ponto Escuro ergueu os olhos. Seu semblante endurecido refletia a experiência de alguém acostumado a tomar decisões difíceis. Ainda assim, ele reconhecia a autoridade real quando a via.

    — Sim… princesa. — respondeu ele, a voz grave carregada de cautela.

    — Eu desejo passar esta noite no vilarejo de Icca. Conto com a colaboração de todos vocês para garantir minha proteção enquanto estivermos lá. — Suas palavras eram firmes, sem hesitação.

    Douglas estreitou os olhos, trocando um olhar breve com Berco. O guerreiro veterano permaneceu em silêncio, mas seu semblante revelava preocupação. Um ataque ao vilarejo não era um simples incidente. O que quer que estivesse acontecendo em Icca, não era algo para ser tratado levianamente.

    — Princesa… eu devo dizer que isso… — tentou argumentar Douglas, escolhendo suas palavras com cuidado. Ele conhecia sua responsabilidade, e levá-la direto para um possível campo de batalha era uma decisão que poderia condenar a todos.

    Mas Maria não lhe deu espaço para protestar.

    — Isso não é um pedido, mas uma ordem! — Sua voz era cortante, destemida. Não havia hesitação na maneira como ela o encarava, olhos ardendo com uma convicção que Douglas não esperava. — Está me dizendo que vai desobedecer uma ordem da coroa?

    O peso de suas palavras caiu sobre ele como um martelo. Não era uma ameaça, e Douglas sabia disso. Maria não era alguém que usaria seu título para manipular ou coagir. Mas naquele momento, ela precisava mostrar que estava decidida. Que não recuaria.

    O líder da Ponto Escuro cerrou os dentes. Havia momentos em que a lealdade exigia mais do que simples obediência cega. Exigia fé. E naquele instante, ele percebeu que precisava confiar no julgamento da princesa.

    Ele abaixou a cabeça em respeito.

    — Entendo, princesa… — murmurou, sua voz carregada de resignação. — Sendo assim, faremos o possível para protegê-la enquanto estivermos no vilarejo.

    Maria relaxou os ombros, e então, como o sol emergindo após uma noite tempestuosa, seu rosto se iluminou com um sorriso caloroso. Uma esperança genuína brilhou em seus olhos, dissipando um pouco da tensão que dominava o ambiente.

    — Sim! — disse ela, entusiasmada. — Conto com todos vocês!

    O grupo permaneceu em silêncio por um momento, cada um assimilando o que viria a seguir. Bruce ajeitou suas adagas na cintura, os olhos brilhando com uma antecipação velada. Berco soltou um suspiro pesado, cruzando os braços, já esperando pelo pior. Sven sorriu discretamente, como se sua própria vitória estivesse selada com essa decisão.

    E Douglas… ele apenas fechou os olhos por um instante antes de se virar para o cocheiro.

    — Mude a rota. Vamos para Icca.

    A carruagem estremeceu levemente ao tomar um novo rumo. O destino estava selado.

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