Capítulo 107 - Professor
Na penumbra da noite, ocultos sob as sombras das árvores retorcidas, um grupo de figuras encapuzadas observava atentamente os soldados da Ponto Escuro atravessarem a floresta. O som abafado dos cascos contra a terra úmida ecoava baixinho, misturando-se com o sussurro do vento entre as folhas. No alto de uma colina, um dos homens encapuzados estreitou os olhos, um sorriso malicioso se desenhando em seu rosto pálido e anguloso.
— O plano está se desenrolando como esperado… jamais pensei que teríamos uma oportunidade tão perfeita. — murmurou ele, os dedos magros roçando o cabo de uma adaga presa ao cinto.
Virando-se para os demais, sua voz cortou a escuridão como um punhal afiado.
— Esperemos mais alguns minutos. Quando a Ponto Escuro estiver totalmente mergulhada no caos de Icca, tomaremos nosso prêmio. A princesa do Grão-Vermelho será nossa. — Um riso fino e malicioso escapou de seus lábios, espalhando arrepios entre os seus seguidores.
As figuras trajando mantos roxos assentiram silenciosamente, dispersando-se pela floresta como predadores à espreita. Enquanto aguardavam, o líder retirou um pequeno artefato do bolso. Um espelho de mão de moldura dourada, adornado no topo por uma joia carmesim. Com um movimento ágil, ele passou os dedos sobre a superfície refletora, e esta começou a ondular como águas inquietas sob a luz da lua. Num instante, o reflexo mudou.
Agora, o espelho revelava o vilarejo de Icca em meio às chamas. Fumaça espessa subia aos céus, enquanto os gritos dos aldeões se misturavam com as risadas e aplausos de um grupo de pecadores reunidos em um círculo.
No outro lado do espelho, o homem que segurava um artefato idêntico inclinava levemente a cabeça, um sorriso despreocupado brincando em seus lábios.
— Oh, senhor Impuro? Ocorreu algo? — perguntou ele, a voz quase se perdendo no som das palmas e dos gritos ao fundo.
Os olhos do homem encapuzado se estreitaram com irritação.
— Hã? Eu que deveria perguntar o que está acontecendo aí! Que diabos é toda essa barulheira? — sua voz era fria, cortante.
— Ah, isso? O novato finalmente concluiu o batismo. Uma ocasião digna de celebração. — respondeu o outro, seu tom misturando diversão e desinteresse.
— Precisa de toda essa algazarra…? — murmurou Impuro entre dentes, revirando os olhos. Mas logo deu de ombros. — Bah, tanto faz… Avise Kurin que a Ponto Escuro chegou.
— Entendido. Irei avisá-lo imediatamente. — disse o outro, inclinando a cabeça em sinal de respeito antes de encerrar a conexão.
Impuro exalou um suspiro entediado e guardou o espelho de volta em sua vestimenta. Então, voltou-se para a clareira onde a princesa Maria estava protegida por sua escolta. Seus olhos percorreram os guardas, analisando-os com um brilho predatório.
— Aquele ali deve ser Douglas, o líder da Ponto Escuro… E pelo visto se deu a honra de integrar o grupo de elite. Interessante… — murmurou, inclinando a cabeça em contemplação. — Dois soldados humanos. Um deve ser da Ponto Escuro também, já o outro, com essa armadura brilhante, parece ser o guarda pessoal da princesa… Tão próximo dela… Ele deve morrer primeiro.
Seus olhos deslizaram para outra figura.
— Um homem-lagarto? Realmente colocaram um desses para protegê-la? Hah! Curioso… Bom, ele morrerá como os outros. — seus lábios se abriram em um sorriso perturbador. Então, sua atenção foi atraída por outra presença. Um elfo.
Os olhos de Impuro brilharam com uma excitação perversa.
— Ah… sempre quis um crânio élfico como enfeite para meu quarto… — sussurrou, sua voz embriagada de prazer mórbido.
A brisa da noite soprou entre as árvores, como se a própria floresta pressentisse o derramamento de sangue iminente.
⧫⧫⧫
Não demorou nem cinco minutos para que a tropa enviada para dentro de Icca se visse cercada pelo caos e pela morte. Os pecadores atacaram sem hesitação, sem medo e sem palavras, como bestas enlouquecidas pelo cheiro do sangue. Vieram em pequenos grupos, cada um avançando para a própria destruição, mas não sem antes levarem consigo os soldados que podiam. Homens da Ponto Escuro caíram, cinco no total, seus corpos tombando entre os destroços e as chamas que consumiam o vilarejo.
Shayax, o comandante, sentia o peso da perda, mas não havia tempo para luto. Montado em seu corcel negro, ele avançava pelas ruas em meio à fumaça e ao cheiro de carne queimada, seus olhos percorrendo cada viela em busca de sobreviventes. Os soldados da Ponto Escuro o acompanhavam, lâminas desembainhadas, os músculos tensos pela fúria da batalha.
Logo à frente, um novo confronto. Cinco guardas de Icca, homens de armadura simples mas resistentes, lutavam contra o dobro de pecadores. Shayax não hesitou.
Flexionou os joelhos, firmou-se sobre o lombo do cavalo e saltou, voando como uma sombra cortando a noite. Sua lâmina brilhou à luz das chamas enquanto descia, e com um único golpe, decepou a cabeça de um pecador. O corpo decapitado estremeceu antes de cair, tingindo o solo de escarlate.
— Aaaaah! — rugiu Shayax, sua voz ecoando pelo campo de batalha.
Os guardas de Icca hesitaram por um momento. Um deles, confuso, ergueu a voz:
— Quem são vocês?!
Antes que Shayax respondesse, outro guarda, olhos arregalados de reconhecimento, respondeu por ele:
— É a Ponto Escuro!
Os soldados da Ponto Escuro desmontaram, movendo-se com precisão e eficiência. Suas espadas brilharam ao serem erguidas, formando um arco prateado ameaçador contra os nove pecadores restantes. Shayax virou-se para os inimigos, seus olhos reptilianos brilhando em meio à penumbra.
— Vocês causaram uma grande confusão por aqui… minha missão é eliminá-los de uma vez por todas!
Os pecadores não responderam de imediato. Em vez disso, trocaram olhares entre si, suas expressões ocultas pelo capuz. Então, começaram a rir. Não um riso comum, mas um som gutural e distorcido, como se compartilhassem uma piada secreta.
Shayax franziu o cenho.
— O que estão fazendo…?
Um dos guardas, ainda segurando a espada com firmeza, se aproximou.
— Eles são malucos. Não tente entender o que passa na cabeça deles.
O homem suspirou, o suor escorrendo por sua têmpora.
— Mas obrigado pela ajuda. Meu nome é Lister.
— Shayax, comandante desse grupo da Ponto Escuro.
Eles mantiveram os olhos nos inimigos, atentos a qualquer movimento brusco. Mas os pecadores apenas continuaram rindo, ombros tremendo em sincronia, como marionetes de um mesmo mestre invisível.
— Nunca lutei ao lado de um homem-lagarto antes — disse Lister, lançando um olhar para Shayax. — Mas se estão do nosso lado, não tenho do que reclamar.
Shayax abriu um sorriso afiado.
— Vamos acabar com isso juntos.
Antes que pudessem atacar, uma explosão sacudiu o solo. Uma nuvem de poeira e destroços ergueu-se ao longe, e o fogo se espalhou ainda mais, lambendo as casas e consumindo tudo em seu caminho.
Lister cerrou os punhos.
— Mais inimigos…
— Sim… — murmurou Shayax, sua cauda se movendo em inquietação.
Dessa vez, vieram em maior número. Mais pecadores emergiram das sombras, saindo de trás dos escombros fumegantes. Eles se juntaram aos nove que já estavam ali, e então, como se ensaiado, o coro de risadas voltou a crescer. Uma cacofonia macabra, um som que fez o sangue dos soldados gelar.
Shayax rangeu os dentes.
— Vão continuar rindo, é?!
Ele ergueu a lâmina, apontando-a diretamente para os pecadores.
— Se é assim, vamos ver quem ri por último! Ataquem!
Os soldados da Ponto Escuro obedeceram de imediato, correndo para o combate. As espadas brilharam, o aço encontrou a carne, e o som do choque das lâminas se misturou aos gritos de agonia. Os pecadores lutavam sem qualquer instinto de autopreservação. Eles não recuavam, não hesitavam, jogavam seus corpos contra as lâminas dos inimigos, apenas para garantir que ao menos um golpe fosse desferido antes da morte.
E assim, mais homens da Ponto Escuro caíram.
Shayax rangeu os dentes, desviando de um ataque e fincando sua lâmina no peito de um pecador.
— Droga… devíamos ter usado flechas em vez de combate corpo a corpo!
Lister, ao seu lado, rebateu um golpe antes de responder com voz amarga:
— Tentamos isso mais cedo. Eles simplesmente correram contra as flechas e destruíram nossa formação.
— São uns suicidas malditos…!
Shayax rosnou e avançou novamente. Trocou golpes rápidos com um dos pecadores e, quando percebeu que o inimigo ativava o fluxo, fez o mesmo. Sua força e velocidade aumentaram num instante, e com um único corte, partiu o inimigo ao meio.
Foi então que ouviu a voz.
— Você realmente melhorou muito.
Shayax congelou.
Aquela voz…
Entre os pecadores, um se destacava. Sua silhueta era maior, mais imponente. Seu corpo, coberto por vestes roxas, emanava uma presença sufocante. Ele caminhava lentamente, como um predador prestes a atacar.
— Melhorei…? — murmurou Shayax, estreitando os olhos.
Nunca havia encontrado pecadores antes. Nunca havia cruzado lâminas com eles. E ainda assim, aquele homem falava como se o conhecesse.
O desconhecido ergueu a mão e retirou o capuz.
E então Shayax sentiu o mundo ruir ao seu redor.
Seus braços tremeram, seus olhos se arregalaram em choque absoluto.
Diante dele estava um homem-lagarto de escamas fortes, tão alto quanto ele, senão maior. O brilho das chamas refletia nas duas espadas onduladas que carregava.
Ele conhecia aquele homem.
Ele o conhecia melhor do que qualquer um.
— Meu aluno… — disse o homem-lagarto, um sorriso de canto se formando em seus lábios.
Shayax sentiu o coração martelar no peito.
— Professor… Vorsashi…?
Apenas o sorriso respondeu.
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