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    O primeiro a sentir a anomalia que se desenhava na floresta foi Douglas. Um calafrio lhe percorreu a espinha, a sensação de estar sendo observado se tornando insuportável. Mal teve tempo de processar quando Berco e Bruce também demonstraram a mesma inquietação. Os três homens entreolharam-se, atentos. Como caçadores que pressentem a presença de um predador oculto na penumbra, seus instintos gritavam um aviso silencioso.

    No entanto, havia alguém que já sabia há muito tempo.

    Turk, o elfo, mantinha-se imóvel, o olhar afiado cravado em um ponto da densa vegetação. Seu semblante permanecia sereno, mas a rigidez de seus músculos traía sua tensão.

    — Perceberam? — murmurou ele, sem desviar os olhos da floresta.

    — Sim… — respondeu Berco, os dedos deslizando pelo cabo da espada. — Por que não avisou antes?!

    O elfo soltou uma risada seca, sem desviar o olhar.

    — Não queria que percebessem que eu percebi. Se atacassem nesse instante, certamente eu seria o primeiro alvo. — Sua voz era um sussurro, mas carregava a frieza de quem já conhecia muito bem o campo de batalha.

    — Grande aliado você. — resmungou Berco, incapaz de esconder o desagrado pela resposta egoísta do elfo.

    — Não me leve a mal, humano. — Turk finalmente olhou para ele. Seus olhos, de um dourado vívido, eram como os de uma fera que julgava os fracos. — Eu não tenho a menor intenção de morrer por nenhum de vocês.

    Bruce deu um passo à frente, a mão pousada em sua cintura. Seu olhar se voltou para Douglas, a voz baixa e carregada de preocupação.

    — Quantos são?

    Douglas não respondeu imediatamente. Seus sentidos estavam afiados, analisando cada sombra que se movia entre os galhos, cada sopro de vento que carregava murmúrios distantes.

    — Muitos… — foi tudo que disse, antes de seu olhar se voltar para Sven.

    O guarda da princesa, rígido como uma estátua, já havia se dado conta da ameaça. Com um movimento firme, começou a sacudir a princesa Maria, que dormia profundamente, exausta da longa jornada. O tempo para descanso havia acabado.

    — Fique ao lado dela. — ordenou Douglas, a voz grave. — Se tentarem qualquer coisa, sabe o que fazer.

    — Entendido. — Bruce assentiu sem hesitar e seguiu para junto de Sven e da princesa, seus olhos sempre atentos ao entorno.

    Douglas e Berco, lado a lado, avançaram lentamente, parando de frente para a escuridão da mata. O silêncio se alongou entre eles, carregado de tensão. Algo ou alguém estava ali, observando.

    — São muitos… Não seria melhor recuarmos com a princesa? — sussurrou Berco, o cenho franzido.

    Douglas manteve-se imóvel, um leve sorriso surgindo no canto dos lábios.

    — Temos um plano de contingência, Berco. Confie neles. — disse, enigmático.

    O guerreiro hesitou por um instante, mas por fim assentiu.

    Então, a espera chegou ao fim.

    Das sombras, emergiram figuras encapuzadas, movendo-se em uníssono. Seus passos eram sincronizados, como se cada um deles seguisse uma ordem invisível. Lentamente, avançaram, formando uma fileira diante dos viajantes. Havia algo de perturbador na maneira como se deslocavam… quase ensaiado, calculado.

    E então, um deles rompeu a formação.

    Sem capuz, sem pressa. Um homem de expressão relaxada, um sorriso largo estampado no rosto como o de um ator prestes a desempenhar seu papel favorito. Caminhou entre seus aliados com as mãos cruzadas atrás das costas, os olhos perscrutando cada um dos presentes até pousarem, com indiferença calculada, sobre Douglas.

    — Então… — sua voz soou carregada de divertimento. — Vocês têm andado metidos em algumas confusões, não é mesmo?

    Douglas não moveu um músculo. Seu olhar não se desviou.

    — E vocês têm nos dado trabalho. — respondeu, a voz firme como uma lâmina desembainhada.

    O estranho arqueou uma sobrancelha, fingindo surpresa.

    — Oh, perdão pela falta de educação. Onde estão minhas maneiras? — Ele inclinou-se em uma saudação teatral. — Chamo-me Impuro. Nós somos os Pecadores.

    Berco franziu o cenho. algo na atitude do homem o incomodava. Douglas, por outro lado, não demonstrava surpresa alguma.

    — Douglas. — disse o líder da Ponto Escuro, cruzando os braços. — Mas algo me diz que já sabia disso.

    O sorriso de Impuro se alargou.

    — Ah… então percebeu? Muito perspicaz. — murmurou, divertido.

    Berco não gostou do tom daquela conversa. Alguma coisa escapava de sua compreensão. Algo crucial. Ele revisitou mentalmente cada detalhe da jornada até ali, cada evento que os levara a esse momento, até que um pensamento gelado se formou em sua mente.

    Seus olhos se arregalaram quando ele virou bruscamente a cabeça para a princesa Maria. Mais precisamente, para o homem que estava ao lado dela.

    Sven.

    O silêncio pesado foi interrompido por Bruce, que murmurou, hesitante:

    — Senhor…

    — Não. — Douglas respondeu antes mesmo que ele pudesse concluir. Sua voz não expressava dúvida, mas certeza. — Sven não é um traidor.

    E Berco compreendeu, naquele instante, que seu raciocínio havia demorado demais.

    Lá, no coração da floresta, o jogo já estava armado. E os Pecadores estavam prestes a fazer seu primeiro movimento.

    Douglas rapidamente analisou a situação, ligando os pontos como um estrategista veterano. O ataque dos Pecadores não fora fruto do acaso, nem simples coincidência. Eles estavam preparados, posicionados com precisão, como se soubessem exatamente onde e quando a Ponto Escuro passaria. Isso só poderia significar uma coisa: havia um traidor, alguém que vazara informações sobre a missão de escoltar a princesa Maria até o reino dos elfos.

    O raciocínio fervilhava na mente do guerreiro. Se os Pecadores sabiam de sua presença, então o ataque não fora apenas um encontro fortuito no meio da floresta. Mas havia algo mais… O ataque acontecera logo após terem desviado da rota original, atendendo ao pedido da princesa para ajudar o vilarejo de Icca. Se não tivessem feito esse desvio, não teriam caído diretamente na emboscada. Seria possível que os Pecadores estivessem apostando em um tiro no escuro? Ou, pior ainda, teriam antecipado os passos de Maria e manipulado os eventos para forçar esse desvio?

    Douglas não gostava das respostas que encontrava.

    Ao seu lado, Berco também processava os acontecimentos, o rosto carregado de frustração. Aquela emboscada não era apenas um ataque indiscriminado – era um plano meticulosamente elaborado. Mas o que mais o irritava era o fato de que, pela primeira vez, os Pecadores demonstravam agir com um propósito maior do que a mera carnificina. Até então, suas ações eram guiadas pela selvageria, pela destruição sem sentido. Agora, havia uma estratégia, um objetivo específico.

    A realização caiu sobre eles como um golpe inesperado: o ataque ao vilarejo era uma distração. O verdadeiro alvo sempre fora a princesa Maria.

    E então, como para confirmar suas suspeitas, a voz do inimigo se ergueu na noite:

    — Nós queremos a princesa Maria. Fariam a gentileza de entregá-la sem resistência? — A pergunta veio de Impuro, o líder dos Pecadores, que ostentava um sorriso malicioso, como se já previsse a resposta.

    Douglas cerrou os dentes, os dedos apertando o cabo da espada.

    — Então eu estava certo… — murmurou ele.

    — Era uma armadilha… — rosnou Berco, sua fúria evidente. O pensamento de que haviam caído tão facilmente na teia inimiga o enojava.

    O olhar de Berco deslizou até Sven, o guarda pessoal da princesa. Foi ele quem apoiou a decisão de Maria de ir até Icca. Sem sua influência, talvez a princesa tivesse desistido, e a comitiva teria seguido sua rota original. O guerreiro sentiu um frio na espinha ao ponderar a possibilidade: e se Sven fosse o traidor?

    Mas Douglas percebeu seu olhar e, antes que Berco pudesse verbalizar sua suspeita, o cortou com firmeza:

    — Sven não é um traidor.

    Suas palavras foram diretas, mas Berco ainda sentia uma inquietação dentro de si. Mesmo que Douglas estivesse certo, ele não conseguia afastar a desconfiança completamente.

    O silêncio se prolongou por um instante tenso, quebrado apenas pelo sussurrar do vento entre as árvores. Então, Douglas ergueu a espada, seu olhar fixo em Impuro.

    — Sinto muito, mas não podemos entregar a princesa. — Sua voz era firme como aço.

    Berco sacou sua lâmina no mesmo instante, posicionando-se ao lado do companheiro.

    Impuro suspirou teatralmente e balançou a cabeça.

    — Imaginei que diriam isso… — E então, com um simples gesto de sua mão, desatou o caos.

    Os Pecadores se lançaram adiante como feras famintas, rompendo a distância em um turbilhão de aço e sombras. O combate havia começado.

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