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    — Posso começar perguntando… o que está fazendo ao lado dos pecadores, senhor Vorsashi? — A voz de Shayax cortou o ar denso do campo de batalha, carregada de incredulidade e dor.

    Diante dele, envolto pelo manto roxo dos lunáticos que massacravam sem remorso, estava Vorsashi, aquele que um dia fora seu professor e guia, um dos melhores guerreiros da tribo dos homens-lagarto. O jovem guerreiro sentia-se dividido entre a raiva e a tristeza, pois jamais poderia imaginar que aquele a quem tanto admirava se tornaria aliado de assassinos desalmados. Mas acima de tudo, a dúvida corroía sua mente como um veneno: por que Vorsashi estava ali?

    O veterano fitou Shayax com olhos severos, cheios de desdém.

    — Hm? Que audácia é essa, garoto? — Sua voz reverberou como um trovão. — Há alguns meses, você tremia só de pensar em me encarar, e agora ousa me questionar como se estivéssemos no mesmo patamar?

    — O senhor nunca falou comigo dessa forma antes… — murmurou Shayax, os punhos cerrados. Ele deu um passo adiante, como se buscasse se convencer de que aquilo não passava de um engano. — Ainda assim… estou feliz que esteja vivo. Depois que ficou para trás para segurar Grigaktakos, achei que nunca mais o veria…

    O estrondo de espadas cruzando ao redor, os gritos de dor e os rugidos dos combatentes se tornavam ruído de fundo para Shayax. Nada mais importava no momento senão o homem que estava diante dele.

    — Me diga, senhor! O que aconteceu? Por que se juntou aos pecadores?! Por que não voltou para a tribo?!

    Seu coração clamava por respostas. Ele queria crer que existia uma justificativa, uma razão que fizesse sentido. Mas quanto mais refletia, mais percebia que nenhuma explicação pareceria suficiente.

    Vorsashi soltou um riso seco, sem humor.

    — Você continua sendo um garoto tolo, Shayax. — Lentamente, sua mão deslizou pelo cabo da espada, e a lâmina reluziu à luz das chamas ao ser desembainhada. Ele a ergueu, apontando-a diretamente para o peito do ex-aluno. — Não tenho que responder suas perguntas infantis. O mundo mudou. Nós mudamos. Agora, aqui vai minha última lição para você:

    A aura assassina que emanava do veterano caiu sobre Shayax como um peso esmagador, sufocando sua alma e fazendo seus instintos gritarem em alerta.

    — Segure firme sua arma e lute para me matar… ou será você quem cairá hoje.

    O coração de Shayax disparou. Seus músculos reagiram por instinto, ativando o fluxo de energia. Sua postura se firmou, a espada ergueu-se entre os dois.

    Vorsashi não hesitou. O ar estremeceu quando ele investiu em uma fração de segundo, sua espada zunindo mortalmente. Shayax girou sua lâmina para o lado, bloqueando o golpe por um triz. O impacto ecoou pelo campo de batalha, faíscas dançaram no ar. Vorsashi recuou num salto leve, reavaliando a situação com um olhar afiado.

    — Hoh… você melhorou.

    Antes que Shayax pudesse responder, Vorsashi atacou novamente. Um golpe veloz mirava sua cabeça. Shayax desviou no último instante, seu corpo respondendo por reflexo. Mas Vorsashi sorriu. Era isso que ele queria.

    Com um movimento fluido, ele aplicou força no choque das lâminas, empurrando Shayax para trás. O jovem perdeu o equilíbrio, e antes que pudesse reagir, sentiu as costas colidirem violentamente contra a parede de uma casa em chamas. O calor infernal lambeu sua pele, arrancando-lhe um grito de dor.

    — AHHH!

    — Aprenda, Shayax! — rugiu Vorsashi, girando o corpo e disparando um chute na barriga do ex-aluno.

    A força foi tamanha que Shayax quase soltou sua arma, mas manteve-se firme. No entanto, não houve tempo para respirar. Vorsashi girou de novo, desferindo um corte lateral que abriu um talho profundo em seu peito. O sangue espirrou no ar, e Shayax cambaleou para trás.

    — Você ficou mais forte, sim. Mas também ficou mais ingênuo.

    Antes que pudesse se recompor, outro chute atingiu seu corpo, lançando-o através da parede da casa em chamas. A estrutura se despedaçou ao redor dele, faíscas e brasas voando para todos os lados.

    Vorsashi entrou na construção destruída com a calma de um predador que saboreava sua caça. A temperatura era sufocante, mas ele não parecia se importar.

    Shayax se ergueu com dificuldade. O corpo gritava em dor, queimaduras espalhavam-se por suas costas, e o peito latejava de dor onde a lâmina de Vorsashi o ferira. Provavelmente, alguns ossos estavam quebrados. Ainda assim, ele apertou o cabo de sua espada e levantou a arma.

    — Hah… professor… — murmurou, com a respiração entrecortada.

    Os olhos de Vorsashi brilharam com algo entre admiração e provocação.

    — Vamos ver se você realmente aprendeu alguma coisa…

    As chamas rugiam ao redor, consumindo a madeira com voracidade enquanto dançavam sob o céu negro de fumaça. O calor sufocante envolvia os dois guerreiros como um manto de fogo, e cada crepitar era um lamento do passado.

    — As chamas contam algo, você consegue ouvir? — A voz de Vorsashi era firme, mas carregada de uma emoção que Shayax não compreendia.

    Shayax manteve-se em silêncio, os olhos fixos no brilho laranja que refletia nas escamas de seu oponente. Vorsashi avançou lentamente, suas garras apertando o cabo da espada.

    — Elas contam algo…? — murmurou Shayax, sem perder a concentração.

    — As chamas contam as histórias daqueles que sofreram antes de nós. Cada labareda carrega a dor dos que pereceram injustamente. Você não vê, Shayax? Não percebe o quanto nossos ancestrais sofreram por simplesmente existirem?! — A voz de Vorsashi se elevou, ecoando com um misto de frustração e indignação.

    — Do que você está falando? — Shayax franziu a testa, mas não houve tempo para reflexão.

    Um estalo cortante ecoou no ar quando uma viga de madeira cedeu, puxando consigo parte da estrutura da casa em ruínas. O telhado desmoronou em uma cascata de brasas incandescentes, forçando Shayax a agir rapidamente. Seus instintos assumiram o controle — ele correu em direção à janela mais próxima, quebrando o vidro com um salto ágil e aterrissando do lado de fora, rolando sobre o chão enlameado.

    A rua era estreita, cercada por casas em chamas. O calor reverberava das paredes de pedra e madeira carbonizada, transformando o local em um corredor infernal. Do outro lado, uma figura surgiu entre a fumaça. Vorsashi. Ele havia escapado do colapso sem um arranhão.

    — Você é muito jovem para entender, e eu não tenho tempo para lhe ensinar. — Vorsashi ergueu sua lâmina. Seus olhos brilhavam com uma determinação inabalável. — Vou matá-lo, Shayax.

    — Professor… — Shayax engoliu em seco, mas seu corpo já se movia por reflexo.

    Vorsashi avançou como uma tempestade. Sua espada cortou o ar em um golpe certeiro, indo direto ao rosto de Shayax. Este, por sua vez, ergueu sua lâmina no último instante, parando o ataque a poucos centímetros de sua pele. Mas Vorsashi não recuou. Com um giro fluido, ele desferiu um novo corte em um arco crescente, mirando as costelas de Shayax.

    Shayax desviou o golpe com um movimento preciso, e, sem hesitar, girou sobre os calcanhares. Seu punho encontrou um ponto sensível no braço de Vorsashi — a dobra dos dedos sobre um nervo crucial. O homem-lagarto soltou a espada, mas apenas por um instante. Sua cauda ágil envolveu o cabo da lâmina no ar, recuperando a arma antes mesmo de tocar o chão.

    Com um salto, Vorsashi girou como um redemoinho, sua espada traçando um círculo letal no ar. Shayax ergueu sua lâmina em defesa e os metais se chocaram repetidamente — uma, duas, três, quatro vezes — antes que o guerreiro réptil aterrissasse.

    O combate precisava terminar. Shayax sentiu seu corpo protestar com o esforço, cada músculo queimando de exaustão. Ele avançou com tudo o que lhe restava, sua lâmina apontada para perfurar o coração de seu oponente. Mas Vorsashi estava preparado. Com um movimento calculado, ele desviou o golpe de forma que a lâmina de Shayax se partisse.

    O tilintar metálico do aço quebrado ecoou como um presságio. Shayax recuou, o coração martelando contra o peito. Estava desarmado.

    — Ainda falta muito para você, Shayax. — Vorsashi baixou levemente a lâmina, observando-o com um olhar avaliativo.

    — Comandante Shayax! — Uma voz firme irrompeu na rua. Soldados da Ponto Escuro surgiram entre as chamas e a fumaça. Estavam cansados, feridos, mas em maior número. — Acabamos com os pecadores! Viemos ajudar!

    Vorsashi franziu o cenho, murmurando algo inaudível. Shayax sorriu, mesmo ofegante.

    — Ótimo… consegui ganhar tempo… — disse Shayax, deixando escapar uma risada contida.

    Os olhos de Vorsashi se arregalaram por um momento. Então, um sorriso surgiu em seus lábios escamosos.

    — Você planejou arrastar a luta o máximo possível?

    Shayax assentiu, limpando o suor da testa.

    — Eu não poderia vencê-lo. Assim que percebi que você dominava o fluxo, soube que não poderia enfrentá-lo diretamente. Tudo o que fiz foi sobreviver até os reforços chegarem.

    Vorsashi soltou um riso baixo, sua postura relaxando levemente.

    — Uma ótima estratégia. Estou orgulhoso de você, Shayax.

    — Professor… o que o senhor está…?

    Antes que Shayax pudesse terminar sua frase, Vorsashi guardou sua lâmina e saltou, pousando no telhado de uma casa onde as chamas ainda não haviam alcançado. Shayax arregalou os olhos.

    — O quê?!

    Vorsashi olhou para trás uma última vez.

    — Talvez nós lutemos novamente hoje, meu aluno. Fique preparado.

    E então, desapareceu na noite ardente.

    Shayax permaneceu imóvel, seu olhar preso ao caminho por onde seu mestre havia partido. Havia muito que ainda precisava entender, mas sua missão ainda não havia terminado.

    Ele respirou fundo, retomando sua postura e voltando-se para seus soldados.

    — Homens! Vamos continuar! Escoltem os sobreviventes para fora do vilarejo, agora!

    — Sim! — responderam em uníssono.

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