Índice de Capítulo

    Os pecadores investiram contra ele, suas lâminas sedentas de sangue. Shayax leu seus movimentos com a precisão de um caçador veterano. Ele já conhecia suas táticas suicidas, a maneira como ignoravam a própria vida em nome da carnificina. Eles eram previsíveis. Fracos. Seu primeiro golpe cortou um dos atacantes ao meio, sua espada silvando pelo ar antes de atingir o próximo. Sangue respingou no chão de pedra. Corpos tombaram ao seu redor.

    Com um salto ágil, subiu em um caixote, impulsionando-se para o telhado de uma casa. Seus pés pousaram firmes sobre as telhas, e sem hesitar, correu pelo teto, o olhar fixo em seu alvo. Em um último salto, cruzou cinco metros no ar e aterrissou no topo do muro, espada em punho.

    Ali, diante dele, Kurin ria. Uma risada desvairada, sem remorso, sem medo.

    Shayax ergueu sua lâmina, a lua refletindo em seu fio reluzente.

    Shayax manteve sua postura de combate, os músculos tensionados como os de um guerreiro à espera do embate inevitável. O brilho gélido de sua lâmina refletia as luzes trêmulas do vilarejo de Icca, iluminado apenas pelas chamas que crepitavam ao longe. Mas o que o fez hesitar por um breve instante não foi a presença do insano Kurin, e sim o sorriso confiante que se estampava no rosto do inimigo.

    — Por que está rindo? — perguntou Shayax, sua voz firme como aço temperado.

    — Não é evidente? Tudo está indo tão bem que até parece que estamos trapaceando. — Kurin riu, um riso desprovido de qualquer resquício de humanidade.

    Shayax manteve o olhar fixo nele, sem se deixar levar por provocações vazias.

    — Do que está falando? — sua pergunta saiu seca, quase cortante.

    Kurin apenas virou o rosto para além do vilarejo, apontando sutilmente na direção da floresta. Shayax, embora atento a qualquer possível investida traiçoeira, permitiu-se olhar para onde o homem indicava.

    E foi então que viu.

    No limiar entre as árvores retorcidas e a clareira onde Bruce e os outros lutavam, uma criatura colossal se erguia. Sua pele vermelha pulsava como se algo vivo rastejasse sob sua carne, e seus movimentos eram erráticos, como se sua própria existência violasse as leis da realidade. Embora tivesse uma forma vagamente humanoide, era uma aberração da natureza, seus membros se contorcendo de maneira antinatural, como se estivessem dobrados em ângulos impossíveis.

    Os olhos de Shayax se estreitaram.

    Douglas e Berco estavam engajados contra a besta, golpeando-a com todas as forças que possuíam, mas a criatura simplesmente absorvia seus ataques sem hesitação. Mais adiante, o guarda da princesa, percebendo o perigo iminente, sacou sua lâmina, unindo-se à batalha para proteger a carruagem da nobre. Bruce permaneceu ao lado do veículo, os olhos incandescentes de fúria, pronto para revidar qualquer investida.

    — O que… é isso? — murmurou Shayax, a descrença transparecendo em sua voz.

    — Isso, meu caro lagarto, é uma invocação de sangue. — Kurin respondeu, a satisfação escorrendo de cada palavra.

    Shayax o encarou, buscando compreender o significado daquilo. Kurin sorriu, encantado com a dúvida que via nos olhos do guerreiro.

    — Um ser de outro mundo — continuou. — Nós, pecadores, temos o poder de trazê-los à nossa realidade. Mas não de graça. O preço é alto, uma troca inevitável. Um corpo para uma entidade que não tem forma própria… E o pagamento é o próprio sangue. Quanto mais sacrifícios oferecemos, mais forte ele se torna.

    Shayax sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Criaturas de outro mundo? Seres sem forma? Ele conhecia muitas lendas, muitas histórias sussurradas entre guerreiros, mas nunca havia visto algo assim.

    Ele inspirou fundo. Não era hora para hesitação.

    — Atente-se, homem-lagarto — disse Kurin, entrelaçando as mãos atrás das costas e voltando seu olhar para algo além de Shayax. — Sua luta não é comigo.

    Shayax girou nos calcanhares, seus sentidos aguçados detectando uma presença poderosa atrás de si. E quando seus olhos se fixaram na figura que se aproximava, o tempo pareceu congelar.

    — Mestre… — sussurrou ele, incapaz de esconder o choque.

    Diante dele estava Vorsashi, o homem que um dia fora seu mentor. Aquele que o ensinara a manejar a espada, a sobreviver em meio ao caos, a se tornar o guerreiro que era hoje. Mas o homem que se postava ali não era mais seu mestre. Ele estava sem capuz, seus olhos afiados como lâminas refletindo apenas uma única intenção: batalha. Nas mãos, empunhava suas duas espadas onduladas, uma em cada punho, e sua postura não deixava dúvidas.

    — Oh? Então vocês se conhecem? — Kurin perguntou, seu interesse aguçado.

    Vorsashi sequer desviou o olhar. Seus olhos estavam cravados em Shayax, analisando-o como um predador analisa sua presa.

    — Agora não teremos mais interrupções — disse Vorsashi, sua voz carregada de frieza. — Será apenas eu e você.

    Shayax sentiu uma dor amarga no peito. Ele não queria lutar contra aquele homem. Não contra aquele que o moldou. Mas não havia escolha.

    — Não quero lutar com você, meu mestre. — Sua voz era um misto de determinação e lamento.

    — Eu não sou mais seu mestre — respondeu Vorsashi, ajustando sua pegada nas lâminas. — Agora somos inimigos. Se não lutar a sério… você morrerá.

    Shayax fechou os olhos por um instante. Quando os abriu novamente, sua expressão já não era mais de hesitação. Ele encarou Vorsashi com um olhar firme, assumindo sua postura de batalha.

    — Se é assim… que assim seja. — Ele ergueu sua espada. — Irei matá-lo, aqui e agora.

    O vento soprou forte entre eles, carregando o peso de um duelo que nunca deveria ter acontecido.

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