Capítulo 12 – Flecha da Obsessão
Um elfo magro ocupava o quarto estreito, organizado com precisão quase militar.
Encostada ao lado da cama, uma aljava robusta guardava cerca de vinte flechas. Feitas com primor, elas dificilmente quebrariam, desde que usadas com habilidade.
Sentado em uma cadeira de madeira que rangia levemente, o elfo rabiscava com determinação em um livro grosso. Seu olhar deslizava para o arco longo sobre a mesa, uma peça esculpida com elegância e força, antes de voltar ao trabalho.
Quando terminou, ele dobrou o papel com cuidado, selou-o dentro de um envelope, passou a língua para lacrá-lo e lançou-o numa cesta já abarrotada de correspondências similares.
— Isso deve bastar… — murmurou Jake, massageando o pulso dolorido. Sua mão direita protestava depois de horas escrevendo, o que era evidente pela pilha de envelopes lacrados — mais de quinze, talvez vinte.
Ele se alongou, estalando as articulações com um leve suspiro de alívio. Outro dia de trabalho concluído. Agora, as escolhas que lhe restavam eram simples: descansar ou estudar.
Era sua folga. Ainda assim, enquanto olhava para a cama, a ideia de repousar parecia quase uma afronta. A raiva que carregava, quente e incontrolável, queimava em seu peito. Como podia ele deitar e relaxar enquanto aquele desgraçado ainda respirava?
Jake balançou a cabeça, tentando se livrar das sombras que teimavam em assombrá-lo. Ele murmurou, mais para si do que para qualquer outra pessoa:
— Calma… Você já fez o que tinha para hoje. Se continuar forçando, vai acabar perdendo a cabeça. E não terá forças para matá-lo.
Inspirando fundo, ele se levantou, sacudiu os ombros e deu alguns pulinhos. O sangue circulava com mais vigor, empurrando para longe o cansaço. A batalha ainda estava distante, mas Jake sabia que cada pequeno preparo o aproximava do momento em que finalmente enterraria uma flecha no coração daquele maldito.
Jake contemplou o quarto que alugara, espaçoso e bem mobiliado, mas impessoal, como qualquer lugar que não fosse realmente seu. Suspirou, pegou a aljava e o arco e os equipou com a familiaridade de quem há muito tempo os tratava como extensões de si mesmo. Fechou a porta com um giro decidido da chave e partiu.
Perestória era tudo que Infra não era: grandiosa, limpa e majestosa. As ruas largas eram ladeadas por prédios que pareciam esculpidos a partir da própria natureza, com lojas elegantes e organizadas. Infra, por outro lado, era um buraco malcheiroso e caótico, onde até o ar parecia querer roubar algo de você.
A transição de uma cidade para outra era como emergir das sombras para a luz.
Desde que voltou de Infra, Jake vinha tecendo uma rede de contatos no submundo de Perestória. Usando o prestígio de seu sobrenome e a influência que restara de sua família, ele se aproximara de nobres com um passado repleto de crimes e segredos sombrios.
Foi assim que conseguiu atrair clientes para seu mais novo empreendimento: um clube de jogos de azar, uma fachada perfeita para infiltrar-se ainda mais no lado mais sombrio da sociedade.
Mas Jake não tinha medo. Não de mergulhar no mundo do crime. O único medo que realmente o consumia era nunca encontrar Tiko. Se precisasse se transformar na pior versão de si mesmo para chegar até o irmão e matá-lo, que assim fosse.
Enquanto descia as escadas do luxuoso prédio Brilho Incandescente, onde estava hospedado, Jake olhou ao redor. O lugar exalava sofisticação, com seus corrimãos ornamentados e o brilho suave dos candelabros de cristal. Ele sabia que não poderia voltar para a casa da família.
Depois de encontrar os corpos de seus pais naquele lugar, sequer conseguia olhar para ela sem ser engolfado por lembranças amargas. Assim, deixara a mansão sob os cuidados dos mordomos e mudara-se para o apartamento de luxo. Era um reflexo de sua antiga vida, onde o conforto e a ostentação eram tão naturais quanto respirar.
A fortuna de sua família agora era dele, mas o peso que vinha com ela não era algo para o qual estava preparado. Seus pais o ensinaram a multiplicar dinheiro, mas eles nunca o prepararam para a obsessão que consumiria suas riquezas. Cada moeda que gastava em busca de informações sobre Tiko parecia um pedaço de si mesmo se esvaindo.
Jake já vasculhara as três grandes cidades do reino dos elfos. Se Tiko estivesse em alguma delas, seria impossível que ninguém o tivesse encontrado. Afinal, o irmão era um elfo negro procurado por assassinar dois elfos de sangue nobre.
Quando as buscas não deram em nada, Jake se aventurou até Infra, território dos elfos negros, na esperança de encontrá-lo entre aqueles que talvez o acolhessem. Mas a busca revelou-se igualmente infrutífera.
Por um momento, Jake cogitou que Tiko pudesse ter deixado o reino dos elfos. Era uma ideia absurda — ou talvez não fosse. Conhecia o irmão o suficiente para saber que, quando encurralado, ele faria o impensável.
Se cansasse de fugir e esconder-se, talvez ousasse cruzar as fronteiras, arriscando-se em terras estrangeiras. Jake precisava estar preparado para isso.
Depois de devorar um café da manhã generoso, partiu em direção ao posto de treinamento de Perestória. Estes postos eram locais amplamente conhecidos, onde elfos de todas as idades testavam suas habilidades com espadas, arcos e até mesmo magia.
A entrada era gratuita, e o espaço, aberto, permitindo que transeuntes curiosos parassem para observar os treinos. Jake sabia que, em momentos de tensão, nada o ajudava tanto a clarear a mente quanto o som da corda do arco vibrando e a visão de uma flecha atingindo o alvo com precisão mortal.
Os postos de treinamento eram mais que simples arenas de aprimoramento; eram também uma forma de espetáculo. Famílias inteiras passeavam pelas ruas e paravam para observar elfos competindo entre si, exibindo suas habilidades com espadas, arcos e magia.
A atmosfera era viva, repleta de risos e murmúrios animados, especialmente quando duelos ou disputas de tiro ao alvo se formavam, atraindo uma multidão curiosa.
Jake atravessou os portões sem dificuldades. Os guardas mal lhe dirigiram um olhar, reconhecendo seu porte confiante e o arco que trazia consigo.
Assim que entrou, dirigiu-se à área destinada ao tiro ao alvo. Era um espaço simples, com alvos alinhados em diferentes distâncias e cestas repletas de flechas para os praticantes. Jake largou sua aljava pessoal — não havia motivo para desgastar suas próprias flechas durante um treino rotineiro — e pegou uma das flechas fornecidas pelo local.
Com um movimento fluido, ele posicionou a flecha entre os dedos indicador e do meio, encaixando-a na corda do arco. Puxou-a com firmeza, sentindo a tensão familiar que fazia seus músculos reclamarem por um breve instante. Inspirou profundamente, alinhou a mira e soltou. A flecha cortou o ar em uma linha perfeita, cravando-se bem no centro do alvo.
— Cinquenta pontos — murmurou para si mesmo, já pegando outra flecha.
Este era seu dia de folga. Para Jake, isso significava apenas uma coisa: treino. Ele nunca desperdiçava uma oportunidade de aprimorar suas habilidades, especialmente com o arco. Desde criança, ele demonstrava um talento natural, uma precisão quase sobrenatural.
Os elfos eram conhecidos por sua percepção apurada, mas Jake era um caso à parte. Sua visão panorâmica e alcance óptico incomum o tornavam uma exceção entre exceções. Enquanto a maioria dos elfos podia enxergar claramente entre 30 e 60 metros, Jake era capaz de distinguir detalhes a mais de 100 metros quando concentrado.
Não era de admirar que tivesse chamado a atenção de figuras influentes. Durante um de seus treinos, um capitão dos Cavaleiros Sagrados chegou a convidá-lo para ingressar nas fileiras militares. Jake recusou sem hesitar. Não era sua missão.
Ele não queria caçar para outros. Sua caça era pessoal. Encontrar Tiko, seu irmão, e vingar a morte de seus pais — essa era sua verdadeira cruzada. Apenas ele tinha o direito de fazer Tiko pagar pelo que fizera.
Jake preparou outra flecha, repetindo o processo. Puxou a corda, estabilizou a respiração e soltou. O som da flecha rasgando o ar foi seguido pelo impacto no centro exato do alvo. Ele já estava pegando outra flecha quando percebeu algo pela visão periférica: uma figura uniformizada parada do outro lado da cerca, observando-o.
O homem, que parecia ser um oficial ou algum tipo de emissário, estava sorrindo e batendo palmas suavemente, como se admirasse o desempenho de Jake.
Jake desviou o olhar do homem, ignorando o gesto. Não tinha intenção de transformar aquilo em uma troca de palavras. Focou-se novamente no alvo e continuou a disparar, flecha após flecha, acertando cada uma com uma precisão que parecia quase desumana.
O aplauso continuou por mais alguns momentos, mas Jake permaneceu imóvel, como se o mundo ao redor fosse apenas um borrão irrelevante.
Ele não estava ali para impressionar ninguém. Havia um nome em sua mente, um objetivo gravado a ferro e fogo. E enquanto puxava outra flecha, a tensão no arco não era apenas física. Era o peso de uma promessa silenciosa: ele encontraria Tiko.
E quando o fizesse, nenhuma multidão seria testemunha. Seria apenas ele, o irmão traidor, e o fim de uma história que jamais deveria ter começado.
— Quarenta e oito de cinquenta. — Jake murmurou para si mesmo, os olhos fixos no alvo enquanto abaixava o arco.
— Quarenta e oito, hein? Bem impressionante. — Uma voz carregada de humor interrompeu seu momento de concentração.
Jake olhou por sobre o ombro, sem muito interesse. Lá estava o homem de antes, o mesmo que tinha batido palmas para ele do lado de fora da cerca. Agora, Breck estava bem mais perto, usando o uniforme impecável dos Cavaleiros Sagrados, a espada presa na cintura. Era o sujeito que já o havia convidado para se juntar à elite militar do reino.
— Você está cada vez mais preciso, Jake. É bom ver alguém com tanto talento. — Breck comentou, levando a mão ao queixo como quem avalia uma obra de arte.
— O que você quer, Breck? — Jake respondeu seco, voltando a guardar suas flechas. — Se manda.
— Que grosseria, amigo…
— Não somos amigos. Entendeu? Agora, cai fora.
Breck abriu um sorriso divertido, mas seus olhos tinham aquele brilho irritante de quem não iria a lugar nenhum tão cedo. Ele deu mais alguns passos, reduzindo ainda mais a distância entre os dois.
— Vou exercer meu direito de estar aqui. Afinal, como um cidadão exemplar que contribui para a sociedade, tenho esse direito, não? — O tom dele era casual, mas carregado de provocação.
— Vai se fuder. — Jake bufou, largando a aljava de treino no chão e trocando por sua própria. Sem mais palavras, caminhou direto para a saída.
Os passos de Breck o seguiram sem cerimônia. Ele pulou a cerca com uma agilidade irritante, continuando a provocação enquanto Jake cerrava os dentes.
— O que foi agora? Virou meu stalker? — Jake disparou sem nem olhar para trás.
— Sou só seu maior fã. — Breck respondeu, em um tom tão leve que fazia a irritação de Jake ferver. — A propósito, já pensou na minha proposta?
— Qual delas? — Jake rebateu, girando os olhos. — A que você me quer como sua esposa, mesmo eu sendo um cara, ou a de me juntar àquele grupinho patético de cavaleiros sagrados?
— As duas! — Breck respondeu com um sorriso largo e desavergonhado.
Jake parou por um segundo, lançando um olhar de puro desdém ao sujeito. Ele podia até admitir para si mesmo que Breck era um homem atraente, mas isso só tornava tudo mais insuportável.
— Dá o fora. Já estragou meu treino, agora vai infernizar outra pessoa. — Ele passou por Breck, esbarrando propositalmente no ombro do homem enquanto seguia seu caminho.
Breck permaneceu no lugar, sorrindo como se nada no mundo pudesse aborrecê-lo. Quando Jake já estava longe o suficiente, ele levou as mãos em concha à boca e gritou:
— Vou esperar pela sua resposta, linda!
As palavras ecoaram pela rua, atraindo olhares de curiosos que imediatamente se voltaram para Jake. Ele parou no meio do caminho, os ombros se encolhendo com a onda de vergonha que o atingiu.
— Idiota… — ele murmurou entre dentes, o rosto queimando enquanto começava a correr em direção ao Brilho Incandescente.
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