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    O dia seguinte chegou limpo. Céu azul, sem nuvens. Um daqueles dias em que a vida parece dar uma pausa no caos — só para te enganar depois.

    Saito chegou cedo à Guilda dos Avós de Prata. Kevin e o resto do grupo já estavam por lá. A exceção, como sempre, era Little Girl.

    — Ela se atrasa — disse Kevin, lendo o olhar de Saito como um livro aberto. — Vai aparecer.

    — Ou está por aí ameaçando crianças… — Saito murmurou. Não que esperasse ser ouvido.

    Seguiram para a sala de reuniões de sempre. Enquanto esperavam a pequena maga, Saito decidiu puxar conversa com Kevin. O que era só para matar o tempo acabou virando algo mais revelador.

    Kevin era um bastardo.

    Literalmente. Filho ilegítimo de um nobre que dormiu com a empregada antes do casamento. Cresceu sem saber disso. Só descobriu quando o verdadeiro herdeiro morreu, e o velho nobre percebeu que não ia mais produzir descendentes — problemas de saúde, segundo ele.

    Então, fez o que nobres fazem: contou à esposa. “Tive um filho antes do nosso casamento.” Ela não gritou, não chorou. Só calculou. E decidiu aceitar. Sem herdeiro, toda a fortuna que juntaram podia ir pro ralo. Um bastardo era melhor que nada.

    Kevin tinha cinco anos. A mãe dele, plebeia sem qualquer peso no mundo, não disse nada. Talvez por medo. Talvez por saber que o filho teria o que ela nunca teve: um futuro.

    Ele foi educado como nobre. Espada, etiqueta, postura. Estava pronto para herdar tudo. Mas Kevin nunca quis aquilo.

    — Eu não queria ser o filho do nobre. Queria ser o cara que muda o mundo.

    Então, aos quatorze, fez um plano. Arrumou uma mulher — escolhida a dedo — engravidou-a, e entregou o filho recém-nascido ao pai. Para todos os efeitos, o bebê virou o novo herdeiro legítimo do velho.

    Cinco anos se passaram. Kevin agora tem vinte. O filho tem cinco. E eles nunca se viram.

    — Não sente nada? — perguntou Saito, curioso. — Nunca quis conhecer ele?

    Kevin deu de ombros, sem peso nos olhos.

    — Não. Ele tá com meu pai, sendo criado como príncipe. Vai ter tudo. Eu… não seria um bom pai. Eu quero mudar o mundo. Isso é o que eu sou.

    Saito não respondeu. Não porque concordava, mas porque… não sabia se discordava. Kevin não fez o que era certo. Mas fez o que queria. E foi honesto com isso.

    Little Girl chegou. Ignorou todo mundo — especialmente Saito — como se nada tivesse acontecido na noite anterior. Nem um olhar. Só largou o cajado no chão, fez barulho, e sentou. Silêncio total.

    Saito se sentiu invisível. De novo.

    Kevin, em compensação, parecia animado como se fossem sair para pescar.

    — Missão nova! — anunciou, de pé, como se fosse um capitão prestes a levar o navio ao mar. — Vai servir de treino pro grupo agora que temos o Saito com a gente.

    — Que tipo de missão? — Saito perguntou, levantando a mão como se estivesse na escola.

    — Escolta. Vamos levar um viajante até Breiri. Não é longe, mas leva uns dias.

    Kevin parou, franzindo a testa.

    — Isso não atrapalha sua rotina, né? Você trabalha de segunda a quinta, certo?

    — De segunda a quinta? — Tuare arregalou os olhos. Aquilo era estranho. Aventureiro que escolhe dia pra trabalhar geralmente morre na sexta.

    — Não tem problema — disse Saito. — Só preciso estar de volta até sexta à tarde.

    Kevin assentiu.

    — Ótimo. Já cuidei de tudo: carruagem, suprimentos, mapa… Está tudo pronto.

    Saito piscou. Organizar uma missão assim normalmente envolvia o grupo todo. Kevin preferia cuidar sozinho. Saito suspeitou que fosse mais sobre senso de responsabilidade do que desconfiança. Talvez, no futuro, pudesse oferecer ajuda.

    — Partimos ao meio-dia. Até lá, temos tempo livre. Preparem-se. Vai ser uma viagem de alguns dias.

    Leiana foi a primeira a sair.

    — Vou me despedir do meu namorado e da minha família! — anunciou, enquanto se espreguiçava.

    — Eu também. Meus pais… — Tuare falou baixo, ainda decidindo.

    Kevin sorriu. Genuinamente.

    — Tranquilo. Só voltem meia hora antes do horário. Assim dá pra revisar a formação e apresentar o cliente.

    Ele então se virou para os dois que restaram.

    — Se tiverem algo pra resolver, aproveitem agora.

    — Quanto a gente vai ganhar? — perguntou Little Girl. Sua voz era neutra. Mas o olhar dizia: “não me faça perder tempo”.

    Kevin coçou a nuca, rindo.

    — Eu sabia que você ia perguntar isso.

    — Você sempre pergunta antes de aceitar qualquer coisa — disse Tuare, rindo.

    — Dez moedas de ouro pra cada um — respondeu Kevin.

    Saito arqueou uma sobrancelha. Isso era muito.

    — Isso é… uma recompensa muito boa.

    — Rank prata tem suas vantagens — disse Tuare, com orgulho. — Mas, no caso do Kevin, é o nome dele que abre portas.

    — Ajudei um grupo de mercadores uma vez. Depois disso, sempre me procuram pra escolta. Gero confiança. Agora me contratam todo mês.

    Tudo fazia sentido. Kevin queria preencher a vaga do grupo rápido porque precisava de gente confiável pra continuar pegando esses contratos. Missões de escolta não se fazem sozinho.

    — Você é cheio de surpresas, Kevin — disse Saito.

    Kevin desviou o olhar, meio sem graça.

    — Bom, pessoal… Quando estiverem prontos, nos encontramos aqui.

    Missão aceita. Próximo passo: estrada.

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