Capítulo 13 - Sombra de Um Brilho Imenso
Breck estava de excelente humor. Finalmente, tinha conseguido falar com aquele garoto lindo que ele sempre via no stand de treinamento público da cidade.
Era impossível ignorar o jovem de cabelos loiros e beleza andrógina; algo nele parecia arrancar o fôlego de Breck toda vez que passava. Não importava que fosse um homem — a beleza de Jake era arrebatadora o suficiente para superar qualquer convenção.
Depois de se despedir com seu habitual excesso de entusiasmo, Breck tomou o caminho para o posto dos Cavaleiros Sagrados da cidade. Não era exatamente seu dia de folga, mas a animação de ter visto seu “amor” o deixava com energia de sobra.
Breck, alto como uma torre com seus 1,90 metros, cabelos longos e escuros caindo sobre os ombros, era o retrato de um cavaleiro encantado. Ele sabia disso. Desde pequeno, ouvia as pessoas suspirando sobre sua aparência. Diziam que ele era o típico “príncipe encantado” dos contos, com o sorriso perfeito e o porte físico impecável.
E Breck adorava ser o mais bonito.
Ou, ao menos, adorava pensar que era.
Afinal, havia um problema. Um problema chamado Richard Ravens.
— Injusto, Richard! Completamente injusto! — Breck reclamou alto, enquanto caminhava pelas ruas da cidade, as mãos gesticulando no ar. Alguns transeuntes o observaram com olhos curiosos, mas ele não se importou.
Richard era seu arqui-inimigo. Seu eterno rival. O homem que ofuscava sua luz sempre que entrava em uma sala.
Não era só a beleza — embora Richard também fosse absurdamente bonito, com aquele carisma insuportável que fazia todos pararem para ouvir o que ele tinha a dizer. Richard tinha talento. Não só um talento qualquer, mas um daqueles que nascem uma vez a cada geração.
A história deles tinha começado na infância, quando os dois ingressaram na Ordem dos Cavaleiros Sagrados do Reino dos Elfos. Claro, havia uma diferença crucial entre eles: enquanto Breck teve que esperar alcançar a maioridade para ser aceito, Richard havia se tornado um cavaleiro aos 8 anos de idade.
Oito anos!
Richard era uma joia rara no meio de pedras comuns, e isso só fazia Breck arder de raiva.
— Por que você tem que ser tão perfeito, desgraçado… — Breck murmurou para si mesmo, chutando uma pedra no caminho.
Mas havia algo que realmente o irritava em Richard. Não era só o talento ou a aparência. Não era apenas o fato de que todos o idolatravam. Era o jeito que Richard o tratava.
Sempre com aquele sorriso caloroso. Sempre com respeito.
— Maldito… — Breck resmungou entre os dentes, quase sentindo o calor de uma vergonha inexplicável subir ao rosto. — O único rival da minha vida e ele insiste em agir como se fôssemos amigos!
— Não somos amigos, Richard! Somos rivais! Inimigos para a vida toda!
— Somos o quê? — Uma voz grave e calma perguntou atrás de Breck.
Ele congelou. Cada músculo de seu corpo paralisou ao reconhecer o timbre inconfundível. Lentamente, como alguém que se preparava para encarar o próprio destino, Breck se virou.
E lá estava ele.
Richard.
O homem em pessoa, com aquele sorriso cordial que fazia o sangue de Breck ferver.
— Richard! — Breck exclamou, apontando para ele de maneira quase teatral.
— Sou eu. Como vai, senhor Breck? — respondeu Richard, o mesmo sorriso brilhando em seu rosto como o sol de verão.
Morre, Richard. Morre agora!
Breck pensou, lutando contra a vontade de gritar isso em voz alta.
O que o deixava ainda mais furioso era a absurda formalidade de Richard. Ele nunca tratava Breck como um rival de verdade — sempre com respeito, chamando-o de “senhor” e oferecendo aquele sorriso caloroso. Era como levar uma facada no orgulho a cada encontro.
Breck inspirou fundo, tentando recuperar a compostura.
— Richard, Richard, Richard… Parece que o destino nos uniu novamente, não é? — disse ele, forçando um sorriso convencido.
— A gente se viu ontem.
— M-Mas! Isso não importa! Nunca se sabe o que pode acontecer, certo? É sempre um milagre podermos nos reencontrar com saúde e… em vida.
— Senhor Breck… — Richard murmurou, sua expressão mudando para algo que parecia quase triste.
Breck estreitou os olhos.
O que é isso agora?
— O que foi? Está com dor de consciência? — perguntou, encarando-o com suspeita.
— O senhor… está doente? Está morrendo? — Richard perguntou, a preocupação genuína em sua voz tão irritante que quase fez Breck tropeçar nos próprios pensamentos.
— O quê?! — Breck engasgou. — Não! Que tipo de ideia maluca é essa?!
Ele quer que eu morra! Esse safado! Ele quer roubar toda a atenção para si!
Breck estufou o peito e apontou um dedo acusador para Richard, cuja expressão ainda mostrava uma preocupação quase angelical.
— Você quer que eu morra, não é?! Pois fique sabendo que eu tenho uma saúde perfeita! — começou ele, com um fervor quase dramático. — Minha família nunca teve doenças genéticas! Nunca! E, para sua informação, eu só fiquei doente duas vezes em toda a minha vida! Duas! Eu vou viver muito mais do que você, Richard, então desista de seus planos maquiavélicos!
Richard ficou paralisado. Os olhos brilhando de surpresa, ele levou alguns segundos para processar o discurso inflamado. Então, lentamente, um sorriso sincero surgiu em seu rosto.
Ele juntou as mãos como quem acabava de receber uma notícia maravilhosa.
— Que bom, senhor Breck! Fico genuinamente feliz em saber que sua saúde é tão boa. Isso é maravilhoso!
A felicidade genuína na voz de Richard atingiu Breck como um soco no estômago.
— Q-quê? — Breck murmurou, incapaz de esconder a confusão, enquanto instintivamente erguia os braços, como se precisasse se proteger daquele sorriso deslumbrante.
— Maldito Richard! — Breck rosnou baixinho, recuando um passo. — Como você ousa…!
E ali estava ele, derrotado mais uma vez pelo brilho insuportavelmente puro de Richard Ravens.
— M-Mestre Richard…? — Uma voz feminina, meiga, soou ao lado.Ambos se voltaram ao mesmo tempo e viram um grupo de seis meninas. Todas estavam ali, com sorrisos bobos e rostos tingidos de vermelho, encarando Richard como se ele fosse um santo pronto para ser carregado no bolso.
— Ah, são as meninas da semana passada. Anfi, Kiki, Biety, Maria, Suzane e Key. Como vão? — disse Richard, aquele sorriso radiante estampado no rosto.
As seis pararam de respirar. Duas delas cobriram a boca, incapazes de acreditar no que ouviram. A mesma que chamara Richard tomou coragem para falar:
— O-o senhor lembra dos nossos nomes…? Mesmo depois de nos ver uma única vez, e por poucos minutos…?
O QUÊ?!
Breck quase explodiu de indignação.
Bonito, talentoso e com uma memória perfeita? Que espécie de universo cruel é esse em que vivemos?
— Mas é claro, como poderia esquecer os nomes de seis belas damas como vocês? — respondeu Richard, com a naturalidade de quem respirava.
O desgraçado está jogando sujo!
Enquanto Breck amaldiçoava Richard mentalmente, as meninas praticamente entraram em éxtase. Completamente tomadas pelo elogio, elas pediram, imploraram por um aperto de mão. Quando perceberam que um abraço estava fora de questão, aceitaram o gesto simples, mas saíram dali com os rostos brilhando como o sol.
Breck, por outro lado, observava tudo com uma mistura de incredulidade e desgosto, sentindo seu orgulho murchar como uma flor sob o sol escaldante.
— E então, Breck, o que você vai fazer hoje? — perguntou Richard, acenando para as meninas enquanto elas desapareciam ao longe.
— O que te importa, maldito?! — resmungou Breck. Seu rosto estava avermelhado, e ele piscava rápido demais para disfarçar as lágrimas que insistiam em surgir.
— Ah, é que eu estou indo visitar minha irmãzinha na academia. Quer vir comigo?
De novo aquele sorriso. Aquele sorriso insuportável. Revestido de pura, inocente e insuportável alegria.
Maldito Richard! Um dia, eu juro, vou te superar!
— Certo! Eu vou com você!
— Caramba, sério? Vai ser divertido! Você nunca conheceu minha irmãzinha, não é?
— Não, nunca — Breck respondeu, apertando os punhos. — Vai ser a oportunidade perfeita para superá-lo!
— Me superar…? — Richard perguntou, franzindo a testa ligeiramente.
Mas Breck já não estava ouvindo. Ele estava maquinando.
Vou encontrar a irmã do Richard e desafiar ela. Um duelo formal! Vou vencê-la e provar que sou mais forte que qualquer um da família Ravens! Depois disso, o próximo vai ser ele!
— Vamos logo, Richard! Quero conhecer sua irmã!
— Nossa… Não sabia que você ia ficar tão animado, Breck.
Breck deu um sorrisinho de canto. Seria fácil. Ele era o capitão da Ordem dos Cavaleiros Sagrados, afinal. Enfrentar uma garotinha ranheta que mal saiu da academia? Simples. A vitória estava garantida.
Prepare-se, Richard. O seu reinado está com os dias contados!
⧫⧫⧫
A Academia Ensino Sagrado do Reino dos Elfos era o orgulho do reino. Não era só um lugar de aprendizado, mas a fábrica de sonhos de qualquer família que quisesse um futuro brilhante para seus herdeiros.
Ela formava jovens que se tornavam lendas – mestres da espada, arqueiros de precisão sobrenatural, prodígios mágicos. Se havia talento em algum canto do reino, era para lá que ele era enviado. Se não havia… bom, esses ficavam onde estavam.
A exigência na Academia não era apenas alta; era cruel. Não havia espaço para mediocridade ou segundos erros. Você entendia a lição na primeira vez ou não entendia de jeito nenhum. Precisava replicar um golpe novo só de vê-lo uma vez, ou poderia ir arrumando suas malas.
E não pense que os professores se preocupavam em ser gentis. Eles acreditavam que quem precisava de tempo ou reforço não estava à altura.
“Não se desperdiça esforço com quem não tem potencial” era o lema não-oficial da Academia. E todos sabiam disso. Não acompanhar o ritmo não significava só notas ruins. Significava risos maldosos nos corredores, olhares de desprezo nos salões, e – eventualmente – a expulsão. O recado era claro: se você não era brilhante, era melhor nem aparecer por lá.
Colocar um filho na Academia Ensino Sagrado era uma aposta perigosa. Não pelo custo – que, aliás, era absurdo –, mas pelo risco. Uma expulsão não era só uma vergonha pessoal; era uma marca que contaminava o nome da família por anos. Dez, se tivessem sorte.
Não importava o quão respeitável fosse o histórico da família, ou o quanto contribuíssem para o reino. Sempre haveria um sussurro no ar: “Não foi o filho deles que foi expulso por ser um inútil?”
E, claro, isso fazia os pais perderem o sono. Enquanto os homens forçavam os filhos até o limite – horas intermináveis de treino, estudo e mais treino – as mães faziam o que as mães nobres faziam de melhor: fofocar.
Em pequenos círculos, analisavam quais alunos tinham mais chances de cair em desgraça, como se estivessem assistindo a um drama de tribunal.
As alianças entre as famílias começavam cedo. Meninas eram treinadas para cortejar os herdeiros mais promissores, enquanto os meninos aprendiam a bajular os prodígios da classe.
Não se tratava apenas de sobrevivência na Academia; era uma questão de influência. Uma rede bem feita hoje significava poder amanhã, quando os filhos herdassem as responsabilidades – e riquezas – da família.
Aqui, a Academia era mais do que um centro de aprendizado. Era uma arena onde a próxima geração da elite se moldava. E, para as crianças, isso significava uma rotina insana de 12 horas diárias de estudo, sem pausas, sem perdão.
No entanto, nem todos pareciam se importar com essa pressão. Na sala 34, no terceiro andar, uma garota estava largada sobre os próprios braços, babando enquanto cochilava. Seus cabelos vermelhos brilhavam sob a luz da janela aberta, dançando ao vento leve e refrescante que entrava. Para ela, aquele era o momento perfeito – não para estudar, mas para dormir.
— Professora, a Mia tá dormindo. — A acusação veio acompanhada de um dedo apontado para a menina de cabelos vermelhos, que roncava suavemente sobre a mesa. O resto da turma explodiu em risadas.
— S-silêncio! Deixem a Mia em paz! — A professora cortou a algazarra com um sussurro urgente, o dedo nos lábios, como se estivesse tentando salvar a própria vida.
O efeito foi imediato. Os alunos calaram a boca, mas trocaram olhares confusos e intrigados. Não era normal um professor ignorar alguém dormindo no meio da aula. Na verdade, nas raras vezes em que alguém cedia ao cansaço, a consequência era previsível: um sermão furioso, seguido de humilhação pública. Não hoje. Não com Mia.
E aquilo não era um caso isolado. Mia podia tudo. Ela furava a fila do almoço sem ouvir um ai. Brincava com os materiais escolares enquanto a professora dava aula, empilhando lápis como se fossem pequenas lanças. Nunca era chamada para resolver questões no quadro, e os professores nem tentavam disfarçar.
Quando falavam com ela – o que era raro – usavam um tom tão dócil que parecia vindo de alguém que havia perdido toda a coragem e dignidade.
A turma começou a notar. Sussurros corriam pelos corredores. Por que Mia podia quebrar todas as regras sem sofrer nenhuma punição? Que tipo de feitiço era aquele?
— Ei, ei. — O menino cutucou a garota que acabara de falar, e ela virou o rosto, o olhar cansado, mas curioso.
— Hm? O que foi?
— Aquela menina de cabelo vermelho, a Mia. Ela é parente do Richard Ravens, sabia? — O menino falou em um sussurro apressado, a voz baixa como se temesse que o ar pudesse transmitir suas palavras.
Richard Ravens. O nome por si só era um mantra de respeito e medo. O homem mais forte do reino, o único elfo a receber o título de paladino, um ser que transcendeu os limites do que era possível e se tornou uma lenda viva. Até para os reinos humanos, ele era um verdadeiro deus entre os homens.
E uma pessoa que compartilhasse algum laço com ele não poderia ser tocada, ou assim a maioria acreditava. Era um privilégio sagrado, uma marca que fazia de seus parentes seres inatingíveis, como se a própria divindade se refletisse em suas veias.
— Os professores ficam quietos perto dela. Nunca a repreendem, não importa o que faça. Eles têm medo do irmão e do pai dela. — O menino falou baixinho, o olhar de canto de olho, uma mistura de ceticismo e intriga.
Mia não era só parente de Richard. Ela era também filha da família Ravens, uma linhagem que dominava o tecido do reino dos elfos. Enquanto a família real representava a cabeça, os Ravens eram o corpo, os músculos e os nervos que davam vida a tudo.
A cada geração, nascia um prodígio, alguém que moldava o destino do reino com a força de sua vontade. Antes de Richard, foi Kiel Ravens, o pai, o arquiteto do império dos Cavaleiros Sagrados. Ele não foi o mais poderoso de sua geração, mas foi o mais visionário, um mestre em estratégias e sustentação militar, que fez o reino prosperar de maneiras que ninguém poderia prever.
E então veio Richard, o mártir, o ápice de uma linhagem de titãs. Não foi um prodígio; foi uma lenda encarnada, um novo ponto de partida que ninguém ousava comparar.
Os feitos de Richard eram contados como se fossem fábulas, histórias tão grandiosas que faziam os ouvintes se calarem em reverência, o coração acelerado de temor e fascínio.
Por causa dele, qualquer membro da família Ravens se tornava um ser intocável, um ente que não se discutia, nem se desafiava. A academia, com seus professores e o diretor, não ousavam sequer cruzar o olhar com a jovem Raven.
Era um jogo de sombras e distâncias, uma tentativa de evitar o menor gesto que pudesse fazer com que Mia se voltasse contra a academia, queixas levadas aos ouvidos de Richard ou do patriarca Kiel.
— Então, para de entregar ela, entende? Se não, você vai se meter em uma encrenca daquelas que nem a sua família vai conseguir tirar você… — O menino terminou, a expressão no rosto marcada por um medo que falava mais que palavras, o alerta mudo que restava em um mundo onde os Ravens eram deuses, e os outros, meros mortais.
A aula prosseguiu em um ritmo tranquilo, como se a menção à menina de cabelos vermelhos tivesse sido uma faísca que logo se apagou, deixando apenas a brisa suave do dia. Nenhuma palavra sobre ela foi sussurrada ou mencionada nos momentos seguintes.
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